Prós e Circos

É difícil reestruturar toda esta experiência circense que acabei de ver (parcialmente vá lá, que hoje era dia de Game of Thrones e um homem tem que distrair o pensamento com alguma coisa) e recuso-me terminantemente a puxar atrás e assistir de novo ao triste espectáculo que passou na RTP. Aquilo que vi foi suficientemente esclarecedor.

O tema era a TAP. A TAP, a TAP, a TAP. Às vezes parece que a estratégia para convencer os portugueses a apoiar a privatização da empresa passa pelo massacre via bombardeamento de informação. Toda a gente discute a privatização da TAP. Eu faço parte das 42 pessoas no país que não tem opinião formada. Quer dizer, por um lado até prefiro ver a TAP privatizada do que outras empresas como os CTT. E digo que prefiro porque não tenho grandes alternativas na medida em que a maioria dos portugueses que votaram em 2011 legitimam este governo para o fazer. E este governo quer muito vender a TAP. Parece é não haver muita gente que a queira comprar. Tirando o senhor Efromovich claro. Outros estarão à espera da última fase dos saldos, altura em que as promoções atingem o seu preço mais baixo, eventualmente uma liquidação total. Tudo incluído, aviões e aqueles carrinhos que transportam as bebidas e o snack, a coisa há-de ficar ali nuns 100 milhõezitos. O BPN custou um Hulk, a TAP vai ficar pelo preço do Cristiano Ronaldo.

Voltando ao Prós e Contras desta noite, do problema em si fiquei a saber mais ou menos o mesmo. Interessante foi a forma como vi o decorrer da sessão ainda com os óculos do Game of Thrones na cara. A entrada em cena do secretário de Estado dos Transportes parece digna da mais bela ficção: Sérgio Monteiro surge nas colunas da Fundação Champalimaud e das nossas televisões, desculpando-se por não ter chegado mais cedo e alegando imediatamente que não tinha tido oportunidade de acompanhar a primeira parte do programa. Para aqueles que acreditam que o governante não teve uma equipa, ainda que pequena, de assessores e afins a monitorizar o programa desde o primeiro segundo, que conjugaram o que foi dito até ali com a estratégia da secretaria e do governo, que elaboraram um texto e perguntas cirúrgicas orientadas para aquelas que consideraram ser as fraquezas do discurso dos seus opositores, nomeadamente o líder do sindicato dos pilotos, sugiro uma visita à secção dos unicórnios onde poderão encontrar outras formas bem bonitas de propaganda política, algumas delas um pouco mais credíveis. Até a Fátima Campos Ferreira foi amavelmente convidada para moderar uma futura negociação entre o sindicato e o governo. Genial.

Pedro Pinto barafustou bem. Mas não trouxe nada de novo relativamente ao discurso oficial do governo. Mas foi bonito vê-lo citar o Observador. Quase tão bonito como ver o presidente da EuroAtlantic chamar ignorante meia dúzia de vezes a um dos líderes sindicais que alegou – era importante confirmar isto – que a TAP se financiou a com um juro de 8% quando existia uma proposta para igual financiamento com um juro de 2,5%. A mim parece-me uma diferença significativa mas quem sou eu para falar que de economia percebo perto de zero? Quem percebe, e pelos vistos muito, é o economista Ricardo Gonçalves Francisco, uma vez mais em representação do Insurgente, presença habitual no programa sempre que o vejo. Devem ser amigos da moderadora no Facebook, tal como o representante do povo que por lá passou, escolhido a dedo por Fátima Campos Ferreira. E eu fico sempre muito comovido de ver a malta do Insurgente ser paga pela TV pública para dar a sua opinião quando uma das opiniões que reina entre muitos deles diz respeito ao terrível problema do despesismo da RTP. Será pro bono?

Mas o ponto alto foi mesmo o ex-presidente da ANA, que estabeleceu umas das mais belas comparações de sempre em directo na televisão, afirmando que os países que apostaram na gestão pública de empresas já tinham desaparecido e que – reparem na genialidade – o bloco comunista caiu por causa disso. Por não conseguir gerir bem empresas. Eu não sei se aquele senhor já terá ouvido falar nesse tão nosso parceiro comercial que é a China, que tantas compras tem feito por cá e que tantas empresas poderosas e rentáveis possui e gere. Esta conta como revisionismo João?

Um governante que entra em directo num debate em clara vantagem face aos restantes participantes, afirmando-se quase desprevenido, um deputado que cita o Observador, a presença habitual do Insurgente, um empresário com interesses no sector que chama ignorante ao sindicalista, um ex-gestor público que entende que o sector que geriu é mal gerido e uma Fátima Campos Ferreira que, quem sabe, um dia ainda acaba a moderar negociações no Terreiro do Paço. Palavras para quê? É o maior debate da televisão portuguesa.

Comments

  1. Rui Silva says:

    Caro João,

    “Um governante que entra em directo num debate em clara vantagem face aos restantes participantes…”

    Quanto a mim a RTP já devia estar privatizada, não faz sentido nenhum este poderoso veículo de propaganda do governo, a custa do contribuinte.

    cps

    Rui SIlva

    • Não seria por estar privatizada que o controle seria menor. A menos que acredite que as TV’s privadas não são também instrumentalizadas pelos interesses do costume…

  2. Carvalho N.A. Folha says:

    Totalmente de acordo com Rui Silva.
    A RTP não passa de um veículo de propaganda do (des)governo. Não faz sentido que o dinheiro do contribuinte seja gasto com tal porcaria. Temos mais onde gastar o pouco dinheiro que temos.
    Televisões estatais são coisa do antigamente, quando só um país podia suportar os custos de tal empreendimento, hoje em dia, com a multiplicação de canais de televisão, isso já não se justifica.
    A RTP serve apenas para dar guarida a pseudo-apresentadores, como essa varina que faz o Prós e Tontas, que berra como quem apregoa peixe no mercado e a pseudo-jornalistas, que num canal privado, com critérios de exigência a sério, não teriam lugar. Essa gente ganha muitos milhares a troco de um péssimo serviço.
    Privatize-se e quanto mais cedo melhor.

  3. Daniel says:

    No caso deveria haver uma regra simples para privatizações. Tudo o que é monopólio é para ser mantido. Exemplos: os CTT ou a RTP2. Se não o for, é para ser privatizado. Exemplo: TAP ou RTP1.

  4. Nascimento says:

    Miss Marple ás segundas, bem bom….ás terças, Poirot, bem bom. Perder tempo com lixo?

    ps. Só o canal 2. Seria bem bom, sem publicidade, e sem missa…mas, outros “interesses” se levantam, não é? E depois digam -me; como é que espalhava a palavra do “senhor”, ou de outros “senhores”?Muito dificil. Por isso, não mexas que ….

  5. MJoão says:

    A RTP tem muitos defeitos … mas o telejornal é o melhor de entre todos os canais e ,assim como, a programação.

  6. martinhopm says:

    Parabéns pelo texto, João Mendes. Claro e elucidativo. Quanto à utilização afrontosa pela direita dos meios de comunicação social (televisões, rádios e jornais), só para seu benefício e para propaganda das suas doutrinas, já é outra história. E refiro-me ao que se passa no nosso país, e à vista desarmada, tanto na RTP como nos canais privados.

    • Obrigado! Mas deixe-me que lhe diga que o que se passa com os canais privados não me chocam. São privados e têm as suas agendas, só não vê quem não quer. Choca-me, isso sim, que se instrumentalize a TV pública.

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