Como sabemos, foi recentemente apresentada a versão para debate público do Projeto (sic) de Programa Eleitoral do Partido Socialista. Entretanto, durante uma conferência de imprensa, António Costa afirmou que as medidas apresentadas num relatório coordenado por Mário Centeno “inspiram e vão motivar a elaboração do programa do Governo”.
É preocupante que determinadas opções apresentadas no relatório possam inspirar a elaboração do programa do Governo do Partido Socialista.
Na página 9 do relatório, podemos ler “adequada reafectação dos fatores produtivos”. Um forte aplauso para a adopção de ‘reafectação‘ quer nesta página 9, quer na página 65 — “reafectação territorial e funcional de funcionários públicos” e “reafectação de funcionários excedentários” — e uma vaia monumental às ‘afetação‘ das páginas 14, 25, 64, 73 e 74 .
Sejamos claros: a grafia ‘fatores‘, além de não pertencer ao repertório ortográfico português europeu, não é companhia que se recomende a uma reafectação. Em português europeu, como sabemos, “reafetação dos fatores” *[ʀjɐfɨtɐˌsɐ̃ũ̯ duʃ fɐˈtoɾɨʃ] não existe: a formulação grafemicamente satisfatória é “reafectação dos factores” [ʀjɐfɛtɐˌsɐ̃ũ̯ duʃ faˈtoɾɨʃ].
Na página 11 do relatório, temos “sectores transacionáveis“. Ora, sendo sectores, não são transacionáveis: são transaccionáveis, pois ‘transaccionável’ é aquilo que se pode transaccionar, ‘transaccionar’ significa “fazer transacções” e ‘transacções’ é o plural de ‘transacção’ (p. 105).
Sabemos igualmente que o Partido Socialista tem o objectivo de “Implementar as ações [sic] necessárias à harmonização gráfica da língua portuguesa”. A “harmonização gráfica da língua portuguesa” encontra-se muito bem representada neste relatório. Um exemplo é o de sectores (pp. 11, 13, 14, 28, 52, 64 e 77), setores (pp. 16, 21, 28, 52, 60, 72, 74, 75, 76 e 89 ), sector (pp. 8, 14, 15, 24, 27, 43, 52, 66, 68, 78, 81 e 82) e setor (pp. 26, 49, 73, 84 e 86).
Efectivamente, as páginas 28 e 52 são extremamente interessantes.
Quanto à grafia setores *[sɨˈtoɾɨʃ], já me pronunciei sobre o assunto em 2012 e em 2013.
No que diz respeito às grafias habituais no sítio do costume, o relatório não desilude:
Aliás, o “de fato” é uma constante em textos destes autores (pdf):
Por falar em “grafias adoptadas no sítio do costume”, será que hoje, 26 de Maio de 2015, houve fato, fatos e contatos? Claro que houve.
Se António Costa pretende de facto “proceder a partir de agora a uma discussão mais focada sobre as matérias mais controversas constantes no projeto [sic] de programa eleitoral“, proponho que comecemos por aqui.
Continuação de uma óptima semana.
[…] o abandono da “perspetiva prospetiva“, espero que haja a tal “discussão mais focada sobre as matérias mais controversas” e desejo-vos um óptimo […]