Violência policial no Ocidente democrático

Ontem escrevi sobre o episódio de violência policial que culminou com a agressão desproporcionada de uma adolescente no estado do Texas, EUA, uma agressão levada a cabo por um troglodita com uniforme de agente da autoridade que naquele cenário, em que vários adolescentes são tratados arbitrariamente como delinquentes, se apresenta como um fanático totalitário a mostrar aos miúdos quem manda, se necessário de arma na mão. Com os exemplos de violência que vêm de cima neste país, não admira a frequência com que atentados com armas de fogo são levados a cabo por outros adolescentes nas suas escolas.

Estranhamente, pelo menos para mim, deparei-me com algumas reacções que pouco ou nada tinham que ver com o objectivo do texto: expor a parcialidade subjacente à forma como este tipo de episódios é analisado pela imprensa ocidental, dependendo se acontece num país “inimigo” ou num país “amigo”. Porque só alguém muito ingénuo acredita que uma situação como a que abre este texto teria leituras políticas iguais acontecendo na Rússia ou nos Estados Unidos, no Irão ou na Arábia Saudita, país onde todos os dias são cometidas atrocidades mas que está longe de ser pintado pelos nossos media como a ditadura sanguinária e repressiva que é.

Um leitor/comentador disse-me – mas que grande diferença – que o brutamontes norte-americano que agrediu a miúda se teria demitido, tentando com isso mostrar uma diferença substancial de abordagem. Na verdade, o mais provável é que a besta tenha apresentado a sua demissão porque a vergonha da exposição aliada à pressão da opinião pública, numa altura em que a situação em Baltimore é uma bomba relógio, o terá encostado à parede e forçado a sua chefia a pressioná-lo nesse sentido, sob pena de um hipotético processo disciplinar e consequente saída pela porta pequena dos fundos. Apresentar a sua demissão é o fim da linha com o mínimo de decência para um radical que desonrou a sua profissão e tudo aquilo que ela representa. E que de resto seria inevitável uma vez que o próprio chefe da esquadra da qual fazia parte o polícia Eric Casebolt foi peremptório quanto à conduta “indefensável” da besta.

Perante os argumentos expostos, o mesmo comentador veio então falar nos “travões democráticos” que distinguem os infames estados russo, iraniano e venezuelano do norte-americano. Achei piada e pus-me a pensar na forma como esses “travões democráticos” têm servido para atenuar a violência policial no país ou mesmo as permanentes ingerências no assuntos internos de estados como o Iraque ou a Síria, que apesar de governados por outras bestas, estão hoje muito pior do que antes da chegada das tropas do Tio Sam. Isto para não falar dos milhares de soldados armados pelo Ocidente que hoje combatem ao lado de outras bestas, as do Estado Islâmico. Se, tal como na Rússia, Irão ou Venezuela, esses “travões democráticos” que são a imprensa controlada por outras bestas como Rupert Murdoch não existissem, então é legítimo dizer, seguindo o raciocínio do leitor/comentador, que independentemente do regime em vigor, os EUA estariam no patamar de repressão sentida nos restantes. O que é um absurdo na medida em que, globalmente, nenhum país inflige mais morte e destruição no planeta Terra do que os EUA.

Finalmente, o mesmo comentador disse-me ainda, relativamente a quem filmou todo aquele episódio hediondo, que “Nas outras paragens o rapaz que estava de telemóvel em punho nem se atreveria a colocar a mão no bolso para puxar dele”. Interessante.  Deve ser por isso que temos imagens, por exemplo, das Pussy Riot no interior da Catedral do Cristo Salvador ou da Venezuela onde podemos ver polícias a carregar sobre manifestantes. Porque ninguém se atreveu a tirar o telemóvel do bolso. Se calhar foram assassinados logo ali, não sem antes descarregar o vídeo no Youtube, pois claro!

O caso de hoje é apenas mais um de uma longa lista. Um homem, inocente ou não, tal é pouco relevante para a questão central, é literalmente espancado por um conjunto de polícias, mesmo no meio da rua, como se nada fosse. Segundo familiares da vítima citados pelo Expresso, trata-se de um jovem de 28 anos, hispânico e doente esquizofrénico. Uma vez mais um jovem, uma vez mais pertencente a uma minoria étnica, uma vez mais agredido de forma desproporcional e cobarde por primatas de uniforme. Isto não é lei e ordem, muito menos democracia. É abuso de poder e repressão. E chega-nos do país dos auto-intitulados guardiões da democracia, não de um estado oficialmente anti-democrático como o Irão ou de um país governando por ex-agentes do KGB hoje transformados em oligarcas. E se chegasse de um dos três infames, as trombetas hipócritas dos direitos humanos soariam noite e dia. Só um fanático não percebe esta diferença.

Comments

  1. Aventanias says:

    Só alguém muito ingénuo acredita que o denunciador duma situação como a que abre este texto não teria direito a umas chicotadas no Irão ou na Arábia Saudita, e na Rússia não se habilitava-se a um balázio da pide Chechena ou a uns fuminhos de plutónio.

  2. Já em Guimarães, habilita-se a levar uma carga de porrada, se estiver a dar água a beber aos putos…

    Nota: Esta cidade de Guimarães fica perto do Kavaquistão.

  3. joão lopes says:

    isto aconteceu nos EUA:após um concerto,o bardo Bob dylan,foi dar uma volta sozinho pela rua.esqueceu-se do B.I.no hotel.enquanto observa um jardim,chega a policia e prende o nosso amigo.acusação:vagabundagem,e não tinha o B.I.o bardo diz:mas eu sou o bob dylan.responde o policia:se você é o bob dylan eu sou o bruce.o nosso bardo pergunta:porque esta prisão? resposta:você foi denunciado pelos vizinhos.e alem disso está mal vestido(o nosso bardo tinha barba de 5 dias e um fato de treino à “hip-hop).levaram realmente o bardo para a cela.passados 10 minutos apareceu o advogado do Bob:libertem imediatamente o cantor ou isto acaba muito mal para os policias.Bob dylan não apresentou queixa mas disse-lhes:um bocadinho de cultura ,bom senso e inteligencia nunca fez mal a ninguem.os policias foram despedidos na mesma.afinal tinham prendido o bob dylan(por nada) sem saberem quem era o bob dylan.conclusão:a estupidez não tem limites,mas a paciencia sim.

  4. Eu tambem me inquieto com ir com os outros que se tenta inculcar nos cidadãos das sociedades tipo anglosaxonico (FiveEyes) de que nós somos uns democrats e os outros são uns selvagens e que por incapacidade dos media é past % copy para os nossos media. E acho que faz bem em mostrar que pelo menos na UE temos mais preocupações em denunciar a barbaridade que os pulhas dos EUA, Inglaterra e França, levam a cabo por esse mundo fora, por interesses particulares e legitimos dos seus países, mas atropelando e desprezando milhares(milhões?) de vidas; veja-se a posição da Inglaterra e do seu primo holandinho na recusa de receber refugiados da Libia e Siria que foi muito agravado precisamente por esses cães, ao quererem roubar o petroleo do Kadafi.
    Só a Merkl é que se ofereceu para receber refugiados infelizes vitimas das politicas coloniais da caozoada.

  5. Comparar Venezuela com a Rússia, e o Irão é de Mestre, nem mesmo as ditaduras Rússia e Irão são comparáveis, e Venezuela só está a viver dias menos bons porque os EUA não gostam que democratas vençam de forma séria e justa. Aliás não podem vencer de maneira nenhuma, para os cianetes só ditadores são possíveis, mas que lhes favoreçam…

    • O problema é que para a propaganda do regime, todos estes regimes diferentes podem ser agregados num só. O tal eixo do mal, que vai mudando em função dos interesses do momento dos polícias do mundo.

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