TAP, Transporte Aéreo Privado

Qual é a situação financeira da TAP? A resposta depende de quem a dá, se for da parte do governo e companhia da direita, a TAP só ainda não se sumiu num buraco negro de prejuízos porque eles estão a dar-lhe asas com esta privatização. E no entanto, há quem esteja disposto a comprar este prejuízo, ainda dizem que só existe ganância no mundo dos negócios. Por outro lado, se a resposta vier da parte da oposição ou do PS, a situação da TAP é um idílio. Apesar de a empresa precisar de uma injecção de capital.

Se fosse pública  a avaliação da empresa que, imaginamos nós na boa fé, o governo fez para conduzir à venda da empresa, poderíamos ajuizar com maior segurança sobre o assunto. Como ainda está para nascer a primeira galinha com dentes, vamos andado no domínio da opinião, baseada em fragmentos de informação seleccionada, logo parcial por natureza. Existem os relatórios e contas da empresa, documentos opacos e nem sempre reflectindo a situação real  – basta lembrarmos-nos de recentes estrelas cadentes como o BES e PT. Fazem-se, também, muitas contas de merceeiro para ilustrar um ponto de vista mas, selectivamente, omitem-se parcelas.

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O Público online reeditou ontem uma interessante infografia sobre a TAP, da qual destaco aqui duas partes. Uma delas é sobre os resultados líquidos da empresa e, fazendo fé nos números apresentados, o panorama está longe de tão negro como o governo o pinta e, sem surpresa, sem o brilho que a oposição lhe aponta. É uma empresa que andou regularmente na corda bamba, sofreu um valente rombo em 2008 e safou-se bem nos anos mais complicados da crise petrolífera. Este números não referem, no entanto, que a TAP tem passivo que ascende a perto de 2 mil milhões de euros, 1200 M€ no Brasil e 800 M€ na TAP S.A., o que deixa muito a desejar quanto à gestão da empresa. Eis um exemplo das leituras parciais.

O segundo extracto desta infografia é sobre um conjunto de marcos na vida da TAP, dos quais escolhi 3.

tapClicar para ampliar

Nestes anos aqui destacados aconteceram duas coisas extremamente danosas  para a TAP. Em 2006, Paulo Campos, Secretário de Estado das Obras Públicas e Comunicações do primeiro governo Sócrates, deu aval à compra da então falida Portugália, empresa que pertencia ao Grupo Espírito Santo Internacional. Só para recordar a teia de interesses, era ministro da economia Mário Pinho, ex-quadro do BES.

A TAP comprou hoje [06/11/2006] à Espírito Santo Internacional 99,81 por cento do capital da companhia de aviação PGA–Portugália por 140 milhões de euros. [P]

Paulo Campos, novamente, levou a TAP a comprar a  Varig Log e VEM, conduzindo a empresa a perdas substanciais (fala-se em 300 M€ mas já se falou também de 500 M€).

Questionado sobre as contingências fiscais e laborais que a empresa herdou, e que atingiram cerca de 300 milhões de euros, respondeu: “De uma parte sabíamos e a outra criámos”. O gestor adiantou que esta herança, relacionada com dívidas ao Estado brasileiro e processos movidos por ex-trabalhadores, “está hoje nos 50 milhões” e que sofrerá uma redução significativa até ao final do ano. Nomeadamente pelo facto de a TAP ter chegado recentemente a um novo acordo com a Segurança Social brasileira para liquidar dívida “com um desconto de 30% e o restante com crédito fiscal”. A primeira fatia ronda os 20 milhões. [P]

Sem surpresa, Paulo Campos teceu elogios aos negócios por si promovidos:

O secretário de Estado das Obras Públicas e Comunicações, Paulo Campos, afirmou hoje [28/11/2005] que a TAP pagou pela Varig Log e VEM um quarto do valor mínimo das avaliações feitas às duas empresas que comprou à Varig. [P]

Mas os factos não apontam nesse sentido, como antes se viu e como defende a PGR:

A compra da posição do grupo de Stanley Ho na empresa brasileira de engenharia e manutenção VEM, com um prémio de 20%, é um dos negócios que está a ser analisados pela Procuradoria-Geral da República (PGR), no âmbito das investigações em curso relacionadas com a TAP. O negócio, que teve lugar em 2007, não recebeu o aval do então secretário de Estado do Tesouro que, dois anos mais tarde, acabaria por enviar o processo para a Inspecção Geral de Finanças, apurou o Diário Económico. Questionada, fonte oficial da TAP disse desconhecer a investigação e garantiu que o negócio foi normal e teve o ‘OK’ da “tutela directa”. (…)

Em causa, nesta parte da investigação, está a antiga VEM – actual M&E Brasil – que nos últimos anos causou fortes prejuízos à TAP. Em 2007, a VEM era controlada em 90% pela Reaching Force, sociedade detida em 85% pela Geocapital e em 15% pela TAP. Nos termos da parceria entre ambas, a TAP tinha opção de compra parcial da posição da Geocapital, que poderia ser exercida, sem prémio, até 31 de Maio de 2006, de forma a aumentar a sua participação na Reaching Force para 50,01%. E se quisesse reforçar para 100%, poderia fazê-lo até 27 de Fevereiro de 2007, pelos 21 milhões de dólares que a Geocapital investira, mais um prémio de 20%.

A companhia liderada por Fernando Pinto acabou por comprar os 85% detidos pela Geocapital, a 30 de Março de 2007, por 25 milhões de dólares (21 milhões acrescidos do prémio de 20%). A TAP anunciou na altura que esperava que a VEM saísse do ‘vermelho’ em 2008.

O pagamento do prémio de 20% não recebeu o aval da tutela, que pediu explicações à TAP, revelam documentos a que o Económico teve acesso.

Segundo o despacho 990/09, de 25 de Setembro, assinado pelo então secretário de Estado do Tesouro e Finanças, Carlos Costa Pina, nos esclarecimentos que prestou na correspondência trocada entre 2007 e 2009, Fernando Pinto terá argumentado que o prémio de 20% seria sempre exigível. Mas Costa Pina não concordou, considerando que não ficou claro “por que motivo não foi possível à TAP exercer a sua opção de aumentar para 50,01% até 31 de Maio de 2006, sem prémio”. [E]

Ainda está por explicar explicar o projecto de compra de subsidiarias falidas da Varig, erros de gestão da empresa autorizados/comandados pela tutela, que levaram ao acumular dos 1200M€ no Brasil. Tal como não existe justificação para a compra da Portugália. Estes dois negócios provocaram derrapagens financeiras que hoje colocam a empresa em risco. E para quê? Quem ganhou com os negócios? Existe alguma responsabilização e consequências pelo prejuízo causado? Registo, novamente, a total ausência de contra-poder, facto que permite a qualquer sujeito que esteja momentaneamente no poder levar em frente, sem oposição, decisões de extremo impacto para o país.

O governo socialista de então foi um dos causadores da actual má situação da empresa. Isso explicará a forma como o PS tem feito oposição ao negócio, focando-se em questões sentimentais, em vez de nos aspectos técnicos.

O actual governo PSD/CDS vangloria-se de ter conseguido vender a TAP mas, dado que ninguém faz negócios para ter prejuízo e tendo em conta o anterior historial das privatizações com cláusulas que se sabem apenas depois de concretizado o negócio, é legítimo perguntar o que é que ainda não sabemos, sendo sentato moderar o entusiasmo.

Tombe Avant Paris, Take Another Plane ou, simplesmente, Tem Alguns Problemas. Uns acreditam que a privatização será um maná que tudo resolverá. Outros, como eu, dirão que, nas privatizações, os problemas têm ficado na mesma para o estado, sendo as empresas entregues limpinhas para exploração privada. Daqui a alguns meses saberemos o que agora não é público.

 

 

Adenda: Ainda na infografia do Público, repare-se que a dívida da empresa não tem sido impeditivo à sua existência ao longo da passada década. As pressas são, portanto, relativas.

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Repare-se também, nesta radiografia, em “Restantes empresas”, nos resultados líquidos de 2014 da M&E Brasil e PGA: -22.6 milhões de euros e -1 milhão de euros, respectivamente. Aqui está espelhado o negócio de que Paulo Campos se orgulhou, bem como pistas para a solução do problema.

Comments

  1. maria celeste ramos says:

    A TAP tem 70 anos e implantou em CABO VERDE em 1965 a cª de CV que ligava todas as ilhas – conheci os pilotos e mecânicos que foram ensinas manutenção Eu estava lá eu e vi o que não havia e ficou a haver e lá continua e de avião corri as ilhas que na altura eram ligadas por avião (Santiago-Sal-S.Vicente) – nem foi necessário muito tempo – bastaram 6 meses Quem é este gajo brasileiro e que função exerceu aqui – já não há pilotos portugueses de uma das companhias mas antigas da Europa ?’ 70 anos ?? E fez-se sempre pagar bem este brasileiro – autopromoveu-se ?’ O Brasil também manda aqui ?? agora ?? Desgraçado

  2. Claudia says:

    Redacção

    A TAP nasceu quando Portugal era um grande império colonial, esses tempos acabaram, hoje Portugal é um pequeno (e pobre) país europeu, por isso a TAP é agora um capricho demasiado dispendioso para os portugueses (à rasca) continuarem a manter. Compreendo perfeitamente o “desespero” dos seus trabalhadores (funcionários) mas depois duas décadas na corda bamba e de várias injeções chegou a hora de dizer basta, o dinheiro faz-nos falta para a educação, a saúde e para a segurança. Não ficaremos sem companhia aérea nacional como dizem os demagogos pois ainda nos resta a SATA, mas nesta época do low-cost em que a maioria dos portugueses que voam optam pela solução mais barata pergunto-me até quando? Fica a dúvida se o negócio feito terá sido o melhor para o país, tal como aconteceu no caso da EDP ou da PT, do BPN e outras, mas foi feito por um governo eleito pela maioria de votos do povo. A democracia é a “ditadura” da maioria sobre a minoria e a diferença entre ambas pode ser de apenas um voto. Enfim, é vidinha…

    (Agradeço a correção de erros dados, obrigada.)

    • Victor says:

      Se para si democracia é preencher um papel de 4 em 4 anos, então estamos conversados…

      • Fernando Antunes says:

        Que neste caso (da nossa miséria tuga) também não é democracia, porque isso de preencher da cruzinha de quatro em quatro anos, ou quatro anos e meio (!) no caso de Passos Coelho (Cavaco oblige), só seria democrático se houvesse uma fiscalização do cumprimento das promessas eleitorais. Isto é, seria democrático, se de facto os governos não pudessem ser eleitos com falsos pressupostos ou falsos programas eleitorais que viciam o jogo democrático, e tivessem que responder pelas ideias que defenderam para conquistarem o direito de serem eleitos. Caso contrário, a “ditadura da maioria” de que fala a Claudia é um completo embuste (é na verdade a ditadura de uma ínfima minoria de poder) porque ninguém (nem mesmo a Claudia) sufragou as acções deste governo, que como se sabe, foram sendo ao longo da legislatura o extremo oposto do que PPC prometia em 2011. Nem é preciso pôr aqui os links, pois não?

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  2. […] em operações deficitárias no Brasil ou na compra de Portugálias a terroristas bancários (coisas de socialistas, os tais que agora se insurgem contra a venda da TAP). Até porque se alguém está disposto a dar […]

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