Os alunos que não lêem

semigrejaUm estudo da Universidade do Minho revela que 10% dos alunos do secundário nunca leram um livro até ao fim. Outros dados: 14% das famílias dos alunos participantes no inquérito não têm livros em casa, um quarto dos alunos não gostava de ler em criança porque tinha dificuldades em compreender o que lia e o professor como estimulador de leitura aparece em último lugar nas motivações dos alunos para lerem.

A responsável pelo estudo, Leopoldina Viana, fez algumas declarações a propósito destes dados. Sobre a pouca importância que os alunos dão aos professores como fonte de motivação para a leitura, afirmou o seguinte: “Dá-nos a entender que há trabalho a fazer e que o professor tem de ter um papel mais activo nesta área.”

De repente, numa breve viagem pela memória, descobri que não me lembro de ter lido um livro graças ao incentivo de um professor, o que não é necessariamente um elogio para mim ou para os meus professores. Por outro lado, tive vários professores que me ajudaram a perceber e a gostar de livros que fui obrigado a ler.

Leopoldina Viana fez , ainda, uma referência aos livros que merecem a preferência dos leitores jovens: “Há muitos jovens que lêem bastante, lêem um tipo de literatura que não é muito consagrada do ponto de vista académico e relativamente à qual os professores fazem tábua rasa. Se calhar é preciso que a escola pense nesta leitura e possa integrar este tipo de leitura para seduzir o leitor.”

Não sei se o estudo contém dados que permitam concluir que os professores fazem “tábua rasa” de algum tipo de literatura. Por mim, aconselho os alunos a ler, fora das aulas, aquilo de que gostarem, que foi o que sempre fiz, com passagens pelas edições brasileiras dos heróis da Disney, pelas edições igualmente brasileiras dos primeiros álbuns do Tintim e por muita má literatura que teve importância na minha formação como leitor, como, por exemplo, o Spartacus do Howard Fast. A escola, por seu lado, graças às leituras obrigatórias,  ajudou-me a descobrir autores e obras do cânone literário português, o que me suscitou muitas paixões e poucas indiferenças.

Confesso que não entendo qual a vantagem de integrar na escola as leituras de que os alunos gostam, especialmente se o objectivo é seduzir leitores que já estão exactamente seduzidos. A escola, na minha opinião, deverá ter outro papel: o de ajudar os alunos a descobrir o desconhecido que é importante conhecer.

Estes estudos são, decerto, úteis e as minhas reservas têm muitas limitações, porque se baseiam num único leitor meu conhecido. Nestas declarações de Leopoldina Viana há, no entanto, dois perigos que parecem nunca desaparecer do campo das opiniões sobre a Educação: responsabilizar apenas os professores por um problema que é social e insistir na ideia perniciosa de que a Escola deve sempre integrar os gostos dos alunos.

Comments

  1. Konigvs says:

    Eu estou em crer que quando era criança só tinha mesmo em casa os livros daquele calhamaço chamado Bíblia Sagrada, que fica sempre bem ter em cada lar de boa família cristã, apesar de ninguém os ler. E só existia a bíblia, porque quando não há o que se comer não se pensa em coisas supérfluas, a menos que os livros fossem comestíveis. E claro que essa diferença depois se nota, não nos meus coleguinhas da primária, pois a grande maioria teria em casa os mesmos livros que eu, mas nota-se depois mais à frente.
    Há uma expressão muito curiosa que sempre ouvi por aqui que é: “aprendeu com os livros do pai/mãe” que quer dizer mais ou menos que “tal pai, tal filho” ou “quem sai aos seus não degenera”.
    É lógico que a educação e o meio onde nascemos, não é crucial, mas vai fazer muita diferença. Claro que há muita gente neste país que nasceu num lar sem qualquer dificuldade, se calhar com estantes repletas de livros em casa, e se calhar nunca pegou neles, e hoje lê menos que eu, ou simplesmente não lê de todo. E se calhar também devemos respeitar quem não gosta de ler, são gostos, se calhar é mais fácil por exemplo, estar horas em frente da TV a ver novelas. Mas deve-se mostrar pelo menos o gosto que se pode ter em ler, ou em aprender com os livros. Eu não gosto de Jazz, mas também nunca fui ensinado a ouvir, se fosse, talvez me apercebesse do que andei a perder.
    E claro que os professores são muito importantes nos estímulos positivos que podem plantar nos alunos. E também sou da opinião que ler, é sempre melhor que não ler, mesmo que seja literatura mais ou menos cor-de-rosa. O que não significa que se deixe de ensinar os grandes clássicos na escola. É preciso conhecer primeiro, para que se possa dizer depois do que se gosta ou não gosta.

    • Eduardo Fernando Gaspar says:

      E não é esta ‘malta’ que não lê, que não se empenha, que não participa, que não quer SABER, que despreza o SER, mas que gosta, muito, muito do TER, a mesma? Se é a mesma, eu penso que a dimensão do problema é mais abrangente e para a qual as possíveis respostas terão de ser equacionadas / encontradas, designadamente, também, interdisciplinarmente, no âmbito da economia social.

  2. É difícil habituar à leitura quando em casa não se lê. O fascínio da biblioteca numa carrinha como a da Gulbenkian foi um grande incentivo. Acabou. A professora de português do preparatório que um dia por semana não dava aulas para que escolhêssemos livros para ler essa semana foi outro dos incentivos. Foi assim que li os cinco e os sete que foram a rampa de lançamento para outras leituras. A curiosidade é essencial. Já ofereci livros a licenciados. Não desistiram de os ler, simplesmente porque nem sequer os abriram por falta de curiosidade. É assombrosa a iliteracia de muitos licenciados que têm dificuldade em perceber um texto literário em prosa, porque poesia é chinês. A falta de referências em licenciados para compreender um texto literário é assustadora. Camilo escreve numa língua completamente estranha à maioria dos nossos licenciados. Quando não se sabe a diferença entre um ateniense e um espartano, como se pode querer que se leia uma crónica sobre os dias de hoje? Só há um culpado!

  3. Como disse um dia um poeta, “os verbos ler e amar não se conjugam no imperativo”. A verdade é que penso que a estatística apresentada peca por escassa e as razões da não leitura são demasiado complexas para caberem nestes comentários. Todos os que foram professores – se é que o pretérito se aplica – sabem dos esforços para inspirar – não tenhamos medo da palavra – os alunos descobrindo, desde logo, que um dos problemas está em casa. Já li e/ou participei em muitos desses inquéritos e dialoguei com centenas de encarregados de educação. Não esqueçamos que nas gerações que estão pelos 60 a escolaridade secundária não chega aos 2% e o analfabetismo operativo era superior a 50%. Isto não explica tudo, mas ajuda. É que se as teorias da modelação têm razão, não adianta os pais recomendarem aos filho que leiam se eles próprios não o fazem. Há muitos anos, numa conversa com um aluno a propósito deste tema, dizia-me ele: “Isto é como a questão do fumo; os meus pais estão sempre a advertir-me que jamais se deve fumar, que faz muito mal e tal; mas ambos fumam como chaminés”. É isto.

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