A desigualdade na educação vista por um leigo

Fosso Escola

Há uns meses, o DN dava conta de um estudo de Richard V. Reeves e Isabel V. Sawhill apresentado na Conferência Anual do Federal Bank of Boston que revelava uma conclusão que, apesar de versar sobre os EUA, se aplica que nem uma luva no nosso país. O estudo refere que o mérito escolar dos alunos mais pobres nem sempre é reconhecido na mesma medida que o dos alunos ricos, o que faz aumentar ainda mais o abandono escolar nas classes mais desfavorecidas. Por oposição a este cenário, o aluno rico, ainda que medíocre, tem mais facilidade de encontrar emprego, principalmente em sociedades clientelistas como a nossa, a que se juntam outras vantagens, todas elas decorrentes da disponibilidade financeira da família: melhores condições de estudo, possibilidade de fazer Erasmus ou acesso a actividades de valorização curricular fora do estabelecimento escolar, só para citar algumas. Nas palavras da jornalista Joana Capucho, “Mesmo que os jovens pobres façam tudo certo, não vão safar-se tão bem como os ricos que fazem tudo errado.“.

Existe em Portugal um “mito” que nos diz que maus alunos com dinheiro se transferem do público para o privado para comprar notas. Não sei se isto será mesmo assim mas a verdade é que conheço alguns casos do meu tempo de escola, que não foi assim há tanto tempo, em que alunos encravados no 12º ano se mudavam para colégios privados no Porto onde imediatamente conseguiam concluir o secundário com as médias necessárias para aceder aos cursos que pretendiam. E a verdade é que conseguiam. Seriam os métodos de ensino? Seria o ambiente mais propício ao estudo? Seria a qualidade dos professores? Seria facilitismo que permitia ao aluno chegar aos exames nacionais com notas inflacionadas? Confesso que não sei.

O que sei é que em Julho passado, o Ministério da Educação (MEC) abriu um inquérito através da Inspecção-Geral da Educação e Ciência (IGEC) “para investigação mais aprofundada de indícios de responsabilidade disciplinar, detetados” em inspecções a escolas, suspeitas de inflacionarem as notas internas dos alunos. Questionado pela Lusa, o MEC referia que:

A Inspeção-Geral da Educação e Ciência (IGEC) realizou averiguações em estabelecimentos de ensino, privados e públicos, que apresentavam, de forma continuada, maior discrepância entre as classificações internas e externas, tendo por base dados da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC)”

Um mês passou e o MEC disponibilizou hoje uma base de dados que permite comparar os resultados de todas as escolas secundárias do país, desde o ano lectivo 2009/2010. O primeira conclusão que salta à vista, pode ler-se no Diário Económico, é que existem 18 escolas que inflaccionaram sistematicamente as notas dos seus alunos nos últimos quatro anos, das quais 14 são colégios privados que ocupam lugares cimeiros nos rankings anuais, onde figuram os tais para onde alguns alunos do meu tempo de escola iam em busca do milagre das boas notas. Em sentido oposto, 11 escolas foram sinalizadas como sendo “mais exigentes” onde a tendência é para as médias finais serem inferiores aos resultados dos exames. Neste segundo grupo, e ao contrário do que acontece no primeiro, a preponderância é para as escolas públicas, onde apenas 4 são privadas. Tenham estes dados em consideração da próxima vez que vos falarem no suposto facilitismo da escola pública.

Deixarei as análises mais aprofundadas sobre este problema para os vários residentes desta casa que dominam a matéria, que não é o meu caso. A mim interessa-me sobretudo olhar para estes números do ponto de vista do leigo que paga impostos, dos quais cada vez mais euros são transferidos para o ensino privado enquanto se desinveste na escola pública. Só no Orçamento de Estado para este ano, o corte foi de cerca de 700 milhões de euros, cerca de 54% do total dos cortes previstos na Administração Central. Paralelamente, é interessante notar a quantidade de governantes e ex-governantes envolvidos no negócio do ensino privado ou de tantos outros casos interessantes como o curso de fim-de-semana de José Sócrates ou as mil e uma licenciaturas de Miguel Relvas.

Num país onde o fosso entre ricos e pobres não para de aumentar, a desigualdade patente no nosso sistema de ensino, a degradação das condições laborais dos professores ou a agenda radical e salazarenta que o ministro Crato vem impondo à escola pública são sinais arreliantes do que poderá estar para vir. Diz-se que o dinheiro não compra saúde mas a verdade é que garante a alguns condições inalcançáveis à maioria. Na educação, a tendência parece ser a mesma.

Comments

  1. Henrique says:

    No meu tempo haviam um ou dois “colégios” em Lisboa, assim como a famosa EPRAL em Évora que eram conhecidos por albergar quem não conseguia safar-se no ensino normal. Uns verdadeiros “get out of jail free cards”, mas que não eram tão “free” assim…
    Não faço ideia do nome dos colégios pois na altura estes eram passados entre a “nata” da altura como se fosse uma droga ilegal. Apenas se sabia que, caso não conseguisses “passar a matemática”, havia “formas” de contornar a situação.
    Como sempre fui o miúdo pobre cuja única alternativa que tinha para ter boas notas era…estudar, não fiz parte dos “eleitos” para estes estabelecimentos. Independentemente de precisar ou não, tal informação nunca me foi divulgada. Mesmo que precisasse, toda a gente sabia que eu não tinha forma de o pagar, so, what’s the point really?
    Mas sabia da sua existência pois a grande maioria dos meus colegas de secundário que reprovaram a matemática nesse ano, conseguiram inexplicavelmente obter o diploma no ano seguinte. Inexplicavelmente pois um ano depois continuavam sem perceber a diferença entre uma derivada e uma multiplicação mas, não sei como, tinham a certificação nas mãos.
    Escusado será dizer que nenhum deles teve a triste ideia de se candidatar a cursos de engenharia, ou qualquer um que evolvesse pensamento crítico ou um mínimo de conhecimento cientifico. Resta saber se interessa a Portugal ter pessoas assim a ocupar cargos relevantes, mas enfim, que sou eu para questionar as opções morais de cada um? Afinal, cada um deve-se se safar como puder. Não é essa a grande máxima de Portugal? O Relvas fê-lo e até chegou a ser ministro! Quem é que não gosta de ser como ele?

  2. orquidea says:

    Não é novidade nenhuma, e isto desde sempre, que o abandono escolar prevalece na classe desfavorecida. Isto acontece porque há muitas variáveis em jogo, variáveis sociais, económicas e politicas para além de culturais e de valorização. É certo que o abandono escolar só muito esporadicamente ocorre nas classes favorecidas e quando ocorre o estrago é mínimo porque o papá arranja emprego, não trabalho, ou então vai sustentando os seus vícios. Infelizmente esta realidade não é apanágio só do nosso país. Conhecem algum em que seja diferente? Há, sim, sistemas mais justos mas essa justiça também não deixa de enquadrar algumas injustiças.
    O problema atual é bem mais grave. O que me preocupa é o caminho que estamos a rumar para o ensino privado. Os milhões que saem dos cofres do estado para comparticipar o ensino privado enquanto o público está desinvestido São as parcerias publico privadas da educação. Isto sim, preocupa porque é uma porta aberta para um maior abandono escolar das classes mais desfavorecidas, um desinvestimento na qualidade do ensino apesar do esforço da maioria dos docentes. As escolas ficam entregues a ela próprias.
    Muito haveria aqui a discutir. O espaço é curto e só quem está bem por dentro do ensino é que pode perceber a demagogia que anda por aí.

  3. Sou um tipo simples: preocupo-me com o ensino dos portugueses – seja ele público ou privado, porque todo ele me parece mauzote.
    Quanto ao “rico” e ao “pobre”, será o nível geral a colmatar essas diferenças. Dizia-me há anos um oposicionista ao regime de Salazar: “no meu tempo, quem queria mesmo tirar um curso superior, tirava-o”. E ele mesmo, de origens paupérrimas, quase miseráveis, se considerava, a par com outros exemplos, uma prova do que dizia.
    Se há escolas, públicas ou privadas, que aldrabam as classificações, é uma questão de polícia e de mercado.

    • Hélder P. says:

      O problema começa precisamente aí a meu ver. Educação e mercado são palavras que nem deviam coabitar na mesma frase.

  4. Os exames eram iguais para todos, e só decorriam nos liceus oficiais. A percentagem de chumbos entre oficial e privado era de 30-70%; como os exames eram cegos, nenhum revisor, sabia de quem era a prova que estava a conferir. Acabaram com este sistema por razões muito pertinentes; já era tempo de perderem a demagogia e verificarem como o ensino da escola pública “nossa” se degradou quase transversalmente; isto para quem gosta de factos e não de propaganda da tribo a que pertence.

  5. Eduardo Gaspar says:

    Para vosso conhecimento, aqui vai esta

    «BE-Madeira chama secretário da Educação ao parlamento para explicar criação de “turmas de elite”

    Na sequência da manchete de hoje do DIÁRIO de Notícias, o BE-Madeira vai chamar o secretário regional da Educação ao parlamento para explicar criação de “turmas de elite”.

    “Os deputados do Bloco entregam hoje um requerimento a solicitar a presença do Secretário da Educação na respectiva Comissão da Assembleia Legislativa”, começa por referir o BE-Madeira em comunicado enviado à imprensa.

    Rodrigo Trancoso e Roberto Almada “consideram, no mínimo, discutível a criação deste projecto e querem saber se o mesmo não constitui uma inaceitável elitização do ensino e da Escola Pública e, se não contribuirá para acentuar a exclusão educativa dos chamados ‘mais fracos'”.

    Questionam ainda, os deputados do BE, “o Governo Regional, e as escolas que aderiram a este projecto, se não estarão a ‘resvalar’ para uma discriminação inaceitável de uns alunos, em detrimento de outros, condenando os ‘menos aptos’ a um estigma escolar e social reprovável e comprometedor do seu futuro”.

    Finalmente, levantam “dúvidas se estes procedimentos não irão em sentido contrário ao da necessária inclusão, comprometendo-a”. »

    Atalho para esta notícia: http://www.dnoticias.pt/actualidade/politica/532102-be-madeira-chama-secretario-da-educacao-ao-parlamento-para-explicar-cria

  6. Rui Moringa says:

    É as turmas feitas só com filhos de professores, médicos e engenheiros!!!!!???
    Ou turmas de 11.º ano,no público feitas com alunos oriundos de determinados colégios!!!???
    Sim, sobre ensinar e aprender e o sistema de ensino aprendizagem muito há a dizer e afazer
    Mas há muito nevoeiro no ar: Interesses corporativos, interesses financeiros (negócio) etc.
    Tudo isto porque se sabe que é aqui (sistema de ensino/aprendizagem) que se joga a diferenciação social, ou o inico da desigualdade social.
    Inflação de notas?! Caso de polícia?! Talvez, mas isso acontece por causa do acesso à universidade, mais em concreto ao acesso a medicina porque têm emprego quase garantido. É ver quem são na maioria quem são, socialmente, estes candidatos.
    A educação não é para aqui chamada, porque não é a mesma coisa. Às vezes dá jeito confundi-las outras por desconhecimento.
    Mas, também, muito haverá dizer-se sobre ela.

  7. Matos Carvalho says:

    “Há uns meses atrás” ?

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