Tal como o BPN, também o BES foi nacionalizado

fundo de resolucao

Como já referiu o João Mendes, o fundo de resolução do NOVO BANCO contou com 4900 milhões de euros, dos quais 1000 milhões vieram da banca, CGD incluída, e 3900 milhões vieram directamente do Estado.

Isto é importante por dois motivos. Em primeiro lugar, ao contrário do que o governo PSD/CDS afirma, o BES foi nacionalizado. O processo apenas teve um nome diferente. E em segundo lugar, significa que os prejuízos não serão consequência de termos um banco público, tal como afirmou a ministra das finanças, mas sim do Estado ter entrado com a fatia de leão.

Vamos por partes.

1 O capital social do Novo Banco, de 4.9 mil milhões de euros, é integralmente subscrito pelo Fundo de Resolução. Mas este fundo é um testa de ferro, já que, como em tudo, manda quem é o dono do dinheiro. O facto do BES ter sido nacionalizado torna-se óbvio quanto se constata que o Estado é a entidade que entrou com mais dinheiro directamente para o Novo Banco (3900 milhões de euros, correspondendo a 79.6% do capital). Além disso, ainda controla mais capital do Novo Banco, indirectamente, via CGD.

Dizem que os 4.9 mil milhões foram um empréstimo. Ceeeeeeeeerto. Como se tem constatado nas últimas semanas, o empréstimo está em vias de ser incobrável. E se o for, o Novo Banco entrega a chave da porta, como fizeram os americanos que deixaram de pagar a casa?

Sendo claro que o maior “accionista” do NOVO BANCO é o Estado, qual é a percentagem dessa participação, composta pelos 3.9 mil milhões mais a participação da CGD? Parece uma pergunta fácil, mas o facto é que não consegui encontrar na impressa da especialidade (talvez a essa especialidade não seja a economia) uma resposta simples sobre quanto é que foram as contribuições individuais da banca. Tudo muito embrulhado. Nem a página dedicada a este assunto no sítio do Banco de Portugal esclarece esta questão.

Nesta confusão de números, sabemos o seguinte:

  1. Estado entrou com 3.9 mil milhões de euros
  2. Na altura da falência do BES, o Fundo de Resolução dispunha de 367 milhões de euros
  3. Foi pedido à banca uma contribuição extraordinária mas esta recusou o pedido. Em vez das contribuições extraordinárias os banco concederam empréstimos num total de 635 milhões de euros ao Fundo, remunerado com juros de 2.95%. Fizeram negócio, portanto. Porreiro, pá!
  4. Dos pontos 2 e 3 resulta que a banca contribuiu com 1002 milhões de euros.
  5. Aparentemente, 18% do Fundo veio da CGD.

Se o ponto 5 estiver correcto, a participação do Estado, directa e indirectamente será de 4080 milhões de euros (18% x 1002 + 3900), o que corresponderá ao controlo de 83.3% do capital. Aqui está a nacionalização pura e dura, o que se traduz no oposto de todo o discurso do PSD/CDS e séquito de comentadores. A solução encontrada para o BES foi a mesma que foi aplicada ao BPN. Lá se vai o discurso da diferença em relação a Sócrates.

2 Sobre as palavras da Ministra das Finanças, que afirmou que o NOVO BANCO se possa traduzir em prejuízo para os contribuintes devido à CGD, contrariamente ao que ela e o seu governo afirmaram, percebe-se perfeitamente que é mais de meia mentira. Haverá algum prejuízo derivado da CGD ter entrado com dinheiro para o Fundo de Resolução, mas o grosso do prejuízo virá do empréstimo concedido pelo Estado ao Fundo. Em todo o caso, ambas as situações resultam da decisão política do governo em autorizar estes empréstimos, pelo que a responsabilidade é do governo. Não é de termos um banco público, nem do Governador do Banco de Portugal. É de quem autorizou o uso do dinheiro, ou seja, do Governo.

3 Mais algumas notas quanto à forma como o tema foi abordado pela comunicação social. O negócio em que a banca privada entra com dinheiro no Fundo de Resolução não é, como se poderia pensar, um mau negócio, já que a contribuição extraordinária irá cobrar juros ao Fundo de Resolução:

O Jornal de Negócios avançou entretanto que a banca cobrará ao Fundo de Resolução juros semelhantes aos cobrados pelo Estado, que começam em 2,95%. Para os bancos, trocar a contribuição extraordinária pelo financiamento tem a vantagem de terem uma maior palavra a dizer na alienação do Novo Banco. [Económico]

E que tal estas “gordas” para ler à pressa?

Cinco maiores bancos foram responsáveis por mais de 80% das contribuições para o Fundo de Resolução. Novo Banco também vai contribuir para o mecanismo que o salvou. [Económico]

Poderia-se pensar que foi a banca a entrar com o dinheiro para o BES. Com uma leitura atenta conclui-se que este sub-título é enganador, pois o Fundo de Resolução só entrou com 20% do capital.

Repare-se no que foi dito, de forma insistente, no momento da resolução do BES:

A solução entrará em vigor já amanhã e visa resgatar o BES após os prejuízos históricos de 3,5 mil milhões de euros, sem gastar dinheiro dos contribuintes. A gestão do BES, liderada por Vítor Bento, tentou evitar ao máximo a intervenção do Estado, mas as fortíssimas quedas das acções nas duas últimas sessões da semana passada tornaram este desfecho inevitável. A solução que está a ser ultimada pelo Governo e pelo Banco de Portugal dará a Vítor Bento o tempo necessário para reestruturar o BES e coloca o banco a salvo, definitivamente, da exposição ao Grupo Espírito Santo, transferindo esses créditos tóxicos para uma entidade que será criada de raiz. [Económico]

Puro lirismo. Manipulação completa da informação, com conluio da comunicação social, que não fez a análise que devia ter feito. Caramba, o Estado a entrar com 4900 milhões de euros e escreve-se isto?

E esta frase “BES será vendido no fim do ano e já há interessados”, também do anterior artigo do Económico? Fantástico. Tantos interessados mas, chegada a hora da venda, nem a pedinchar consegue o Governo vender.

4 Em jeito de conclusão, vemos que o processo BES é muito pouco claro, seja porque a informação publicada é incompleta e manipulada, seja essa informação não existe de todo. Descontando questões de semântica e olhando para as responsabilidades de facto, concluímos que a solução do BES não difere substancialmente da solução BPN. Não deixa de ser irónico Passos Coelho ter passado o debate com Costa a demarcar-se de Sócrates para, afinal, seguir-lhe as pegadas. Finalmente, toda a questão sobre o prejuízo vir da participação da CGD no Fundo de resolução é um logro para esconder que o grosso do prejuízo virá, isso sim, do empréstimo de 3900 milhões de euros ao Fundo. A estes prejuízos ainda se somarão aqueles derivados do Banco Mau e outros já anunciados pelo Banco Bom, perdão Novo Banco.

Comments

  1. JgMenos says:

    Os mais inteligentes dentre nós assentam as suas sábias sentenças em dois factos irrecusáveis:
    1 – O Banco do Estado, está no mercado em concorrência com os outros bancos mas tem o privilégio de tirar o cavalo da chuva sempre que lhe convenha.
    2 – O que havia a fazer era deixar falir o BES:
    2.1. Pagar os subsídios de desemprego aos funcionários, aproveitando os excedentes da Segurança Social.
    2.2. Activar o Fundo de Garantia para cobrir os depósitos até 100.000 euros
    2.3 Pegar fogo ao sistema financeiro e manter a Troika a visitar Lisboa em permanência
    2.4 Assobiar para o lado e ser feliz para sempre.

    • j. manuel cordeiro says:

      «1 – O Banco do Estado, está no mercado em concorrência com os outros bancos mas tem o privilégio de tirar o cavalo da chuva sempre que lhe convenha.»

      Não é isso que o post diz. Diz, isso sim, que foi o governo que autorizou a intervenção da CGD. Como qualquer outro executivo dos outros bancos, poderia ter pensado primeiro no interesse do banco que gere.

      «2 – O que havia a fazer era deixar falir o BES:»
      Já o escrevi antes mas não me importo de repetir.

      É muito giro vir com esse comentário depois do Presidente da República, Primeiro-Ministro, Ministra das Fianças e Governador do Banco de Portugal terem garantido que podiam estar descansados quanto ao BES.

      E não, o BES não devia ter falido. Se a falência do BPN era comportável pelo sistema, dada a sua pequena dimensão, e portanto poderia ter falido e ter-se usado o Fundo de Garantia para os depósitos, já o mesmo não poderia ser feito com o BES. Por isso isso existe regulação, para impedir que estas coisas aconteçam. O que devia ter acontecido é o BES ter sido travado há muito tempo, antes de ser irrecuperável. Mas claro que muita coisa deveria mudar para que isso alguma vez acontecesse, como por exemplo, um banco não ter capacidade de nomear ministros (Manuel Pinho) ou até Directores Gerais das Finanças (Paulo Macedo, agora ministro da Saúde). Muito teria que ser diferente, mas para isso para isso só quebrando o clico PS/PSD e seu atrelado CDS. E nem mesmo com outros há garantia alguma que seja diferente, apesar de com estes sabermos como será. A mudança começa nas pessoas, não é na política. Sim, estou a ser lírico. Às vezes também é preciso. Mas mais vale lírico do que ser simplista e fazer de conta que era deixar falir e aproveitar para fazer de conta que o actual governo não tem nada a ver com o assunto.

      • JgMenos says:

        1 – Qual foi essa intervenção da caixa que a distinga dos outros bancos no caso BES?
        2 – Se começarem a pagar aos Ministros salários compatíveis com os das áreas omde onde os recrutam, é mais seguro e mais barato.
        Se levantarem a suspensão das leis que responsabilizam os gestores de empresas (Artº 35ª do C.das Sociedades) isso valerá mais que qualquer regulação. Só isso poria o Salgado 3 anos na prisão em vez de dar a despesa continua a dar.

        Mas dizer mal do Governo e dos políticos é o consolo geral…

        • j. manuel cordeiro says:

          Agora um peditório

          por NUNO SARAIVAHojePedro Passos Coelho não para de surpreender. Ontem, de visita a um mercado de pré-campanha eleitoral, viu-se cercado e insultado por um grupo de lesados do BES. A cada passo lá ia explicando que nada tinha que ver com o assunto, que não era problema dele nem do governo que lidera, que não pode fazer patavina para minimizar as perdas daqueles aforradores porque isso é coisa para ser tratada pelos tribunais. Acossado, apertado, castigado, lá acabou por assumir um compromisso perante quem se lamentava por não ter dinheiro para financiar um processo contra o banco: “Organizarei uma subscrição pública para os ajudar a ir a tribunal.” A demagogia, de facto, não tem limites. Um primeiro-ministro não é provedor da Santa Casa nem presidente da Cáritas ou do Banco Alimentar. Não lhe compete ser promotor da caridadezinha ou de exercícios de crowdfunding que têm por único objetivo servir-se do desespero alheio à procura de votos. Não se tivesse Passos Coelho demitido das suas funções, isto é, de resolver os problemas que afligem a comunidade, e, provavelmente, o Novo Banco já estaria vendido. Na verdade, o primeiro-ministro e líder da coligação Portugal à Frente, que nunca hesitou em tomar decisões que puniram o país, lavou as mãos como Pilatos da decisão política mais importante do último ano. Escondeu-se atrás do Banco de Portugal (BdP), o regulador, ao qual delegou o papel de tratar dos negócios. E com isso quis desresponsabilizar-se das suas consequências. Na verdade isso não acontecerá porque os efeitos que a operação vier a ter na derrapagem do défice público não deixarão de lhe ser assacados. Aquilo que Passos Coelho devia ter dito, é também para isso que é primeiro-ministro, é que fará tudo o que esteja ao seu alcance para que o BdP e a CMVM se entendam para acudir a esta gente, garantindo-lhes o acesso universal à justiça. Mas não, optou pela demagogia e pelo eleitoralismo mais básico, que já lhe vimos, aliás, na campanha de 2011. Que não cortava salários nem pensões e que não aumentava impostos. Os mercados eram os mesmos, os eleitores porventura também. Passos promete pois, a título pessoal, contribuir com dinheiro seu para financiar as custas judiciais de eventuais processos que venham a existir. Ficamos à espera de outras subscrições, ainda faltam três semanas para as eleições, promovidas pelo primeiro-ministro para trazer de volta aqueles que emigraram, ajudar os que não têm emprego ou comprar os remédios aos reformados a quem cortou nas pensões ou no complemento solidário. De facto, a demagogia não tem limites. Já agora, e só em jeito de fait divers, convém lembrar que este Passos Coelho, generoso e pronto a abrir os cordões à bolsa, é o mesmo de quem o pai, António, disse há poucos dias numa entrevista: “O meu filho é um teso! Tudo o que ganha, gasta.” O que, a ser verdade, não augura grande peditório.

          • JgMenos says:

            NÃO disse ‘Organizarei’
            Disse que seria o primeiro a sunscrever…

            Muito se mente para conseguir um mentiroso…

        • Abel says:

          “2 – Se começarem a pagar aos Ministros salários compatíveis com os das áreas omde onde os recrutam, é mais seguro e mais barato.”???
          Está a dizer que os ministros devem ganhar mais para não se deixarem corromper? E a ética, a honra, o dever de trabalhar em prol dos cidadãos e do país em geral sem dar preferência a este ou àquele grupo económico? Isso não conta; é tudo uma questão de dinheiro.

          “Se levantarem a suspensão das leis que responsabilizam os gestores de empresas (Artº 35ª do C.das Sociedades)”
          E quem tem de fazer isso? São os que dizem mal do governo?

          • JgMenos says:

            A maior ambição cidadã é baixar de rendimento para ser insultado por um coral de treteiros que fazem da política um campeonato partidário!!!
            Lugares de poder com baixos salários atraem corruptos; ignorar isso é estupidez.
            O 35º aplicar-se-ia a empresas e gestores públicos e daí que nehum partido mexa no caso…

  2. anonimo says:

    “o empréstimo está em vias de ser incobrável”

    Está em vias de … Futuro. Condicional. Quando muito, portanto, para si, o BES está em vias de ser nacionalizado. Futuro. Condicional. Pode ser que sim. Pode ser que não.

    Já o BPN nunca esteve em vias de … foi nacionalizado e pronto. Não existiu sequer a hipótese de não ser.

  3. martinhopm says:

    Li os comentários, esclarecidos e bem elaborados. Pergunto: vai ou não, no caso do Novo Banco, sobrar para os contribuintes?
    Quanto aos «lugares de poder com baixos salários atraírem corruptos» na opinião do comentador JgMenos, pergunto-lhe se «lugares de poder com elevados salários não atraem corruptos»? Quer exemplos? Logo, a solução, estará tão só nos salários?!

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