Da abstenção em particular e do desconhecimento das mulheres em geral

SUFRAGISTA PTMulheres em geral, avós e netas em particular, já vão perceber porquê, o que vos proponho é um prévio apelo à memória e uma solução para ajudar o minimizar o problema.

O problema é a abstenção. O problema é o “eles são todos farinha do mesmo saco”, o “isto já lá não ia nem com dois salazares”, os “claro, não sabias!?”. O problema somos nós!

O problema da abstenção é o tempo de antena que as experiências orwellianas têm tomado nas tv’s portuguesas, contribuindo assim para um esboroar contínuo da memória, mesmo que não seja assim tão longínqua.

O problema da abstenção é fruto de uma ignorância das mulheres sobre o que elas próprias são, da força que têm e aquilo que conseguem atingir, quando embirram com o homem!

Sigam-me, com o advento da revolução industrial, a mulher passou a integrar progressivamente o mercado de trabalho, tendo sempre de lutar contra as desigualdades e injustiças dessa sua nova condição. Ainda hoje o faz. A luta pelo direito ao voto feminino grosso modo iniciou-se há uns 150 anos, pelo que ficou conhecido pelo Movimento Sufragista e, as que o integravam, por Sufragistas, Suffragettes. “Há uns 150 anos”, acham assim tão longínquo? É do tempo da Monarquia!

Só a partir de 1910 é que o Congresso e a imprensa dos Estados Unidos da América se interessam pelo assunto e só no início da década de 20 tiveram direito a votar. Em Inglaterra, só em 1918 é concedido o voto a mulheres com mais de 30 anos e, claro, não poderiam ser divorciadas. Só em 1928 se procedeu a uma equiparação total entre sexos, baixando também a idade de voto para os 21 anos. Foi assim há tanto tempo? Nem há 100 anos!

Para tal, mulheres como Millicent Fawcet (1847-1929) e Emmeline Pankhust (1858-1928), entre muitas outras, levaram com a matraca da polícia, foram permanentemente vigiadas, presas, condenadas, mas também partiram montras à martelada, cortaram fios de telefone e telegrafo e, até foram acusadas de conspirar para dinamitar a Catedral de S. Paulo, em Londres.

E tu, Maria Saudade, quando é que te indignaste a sério pela última vez? Não tens tempo, pois é, tás ao telefone e não é propriamente com uma chamada telefónica!

Em Portugal a primeira mulher a votar, foi Carolina Beatriz Ângelo, exercendo tal direito nas eleições constituintes de 28 de Maio de 1911. Para tal, invocou a sua condição de chefe de família, após o óbito de seu marido Januário Barreto, vindo assim a obter a concessão do direito de voto por sentença do Juiz de Direito Dr. João Baptista de Castro. Faleceu em Lisboa, com 33 anos, a 03 de Outubro de 1911.

Portanto, Marias Saudades da República, tendes todas oportunidade de homenagear a Carolina Beatriz Ângelo, 104 anos e 1 dia, após a sua morte, com o vosso voto e, certamente também, com a vossa vontade de destituir de Portugal a letra Jota, a que mais escalões subiu no alfabeto nos últimos 41 anos.

Já agora e por falar em 41 anos, é há quanto tempo todos nós, homens e mulheres livres, que de facto somos, podemos votar em paridade total e absoluta. Há pouco falei em 150 anos, já passei para 41, mas dou-vos ainda mais um dado para melhor relativizarmos isto das distâncias e da memória. Só a partir de 1961 é que as missas em Portugal (e restante espaço lusófono, bem entendido) passam a ser “dadas” em português. O Concílio Vaticano II reforma a Liturgia e a Missa deixa de ser lida em latim. Ou seja, há 55 anos, as pessoas iam à Missa e não sabiam o que estavam a ouvir!

E lembrei-me agora, só há 40 anos é que se realizou a 1ª manifestação feminista em Portugal, na qual apareceram homens com crachás partidários na lapela (de todos os partidos) e tentaram impedir a realização da mesma, no Parque Eduardo VII, em Lisboa. Queimaram-se soutiens sob insultos de mais de 3 mil homens, do novo Portugal velho. Houve mulheres despidas à força, agredidas. Houve medo, muito medo, há apenas 40 anos.

Em 1980, eu e os meus amigos aqui da praceta, partimos o vidro de uma montra a jogar à bola e o dono da “loja”, disse que um novo custaria 10 contos. O meu pai na altura só ganhava 8 por mês. Este exemplo não tem nada a ver, é apenas uma memória minha.

O que quero dizer é… percebem? Será que tudo isto foi assim há tanto tempo? Será que tu, Maria Saudade, não estarás a desrespeitar todas as mulheres de novecentos que estiveram dispostas a queimar as asas pela liberdade? Será que não “percebestes” que é teu Dever preservar e defender os Direitos que “herdastes”? Nunca sentiste essa responsabilidade? Pois que a sintas agora e que digas presente no domingo, mesmo que nenhum dos candidatos te tenha convencido. Vota em branco, ou anula o voto, mas não deixes de marcar presença e não me venhas também com o “tenho direito a não votar”. Pois tens, mas não tens!

Sabes, todas estas mulheres vanguardistas, foram-no em tudo. A Carolina Beatriz Ângelo, por exemplo, frequentou o Curso de Liceu na cidade da Guarda e veio a ingressar em medicina, terminando o Curso na Escola Médica de Lisboa no ano de 1902. Nesse mesmo ano casa com Januário Barreto (um dos fundadores da Liga Portuguesa de Futebol). Enquanto médica, foi a primeira mulher a operar no Hospital de São José, em Lisboa. Boa parte da sua vida foi dedicada à luta pela emancipação e pelos direitos da mulher. Desempenhou o cargo de Presidente da Associação de Propaganda Feminista e Vice-Presidente da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas. Com Ana de Castro Osório fundou Associação de Propaganda Feminista.

Todas estas mulheres estiveram sempre no tempo certo, o homem é que inventou expressões como “antes-da-letra” e “antes-da-guarda”! Por isso mesmo, não tens direito a não votar, tens o dever de o fazer, para o manter, pois o direito há muito que foi conquistado. És uma Herdeira do mesmo, é essa a tua condição e, terás que o passar à(s) tua(s) filha(s) e neta(s), através de convicções, valores e interesses legítimos. Como? Praticando-o, exercendo o teu dever de preservação de um direito que te foi passado, a cada pleito eleitoral. Garanto que pescadinha-de-rabo-na-boca melhor que esta, não há. Auto-sustenta-se, renova-se!

Proposta de acção

Como proposta de acção para a tentativa de minimização do problema da abstenção em Portugal, convoco agora avós e netas.

A ideia é simples, as avós, que muitas ainda são do tempo da Missa em latim e, cujas memórias estão muito menos poluídas por sonhos ao nível do bigue bróder e do maquedonale, deverão partilhar com as netas as suas realidades de infância e adolescência. As dificuldades, os não direitos, os muitos deveres e obrigações, o namoro à janela e às escondidas, os sacrifícios salazarentos que se faziam para se poder ir à escola, das distâncias que se percorriam a pé, de como é que se ia à casa-de-banho. Dessas coisas todas e de como hoje achamos que tudo o que temos sempre lá esteve. Certamente que já o fez. Faça-o de novo, peço-lhe. Aliás, nunca deixe de o fazer, em nome da Memória!

Ambas, avó e neta, deverão também fazer esta conversa à hora da refeição, para assim ensanduicharem a restante família e esse passar a ser o tema discutido por todos/as. Caso não jantem todos juntos, o que deverá ser o mais provável, instrua a sua neta e a sua filha, para serem estas a ensanduicharem os rapazes e o efeito será o mesmo.

Parece-me simples e, caso os netos estejam agarrados ao telemóvel, é tirar-lhes e concentrar a conversa naquilo que menos sabemos fazer. Cidadania e perceber que a podemos fazer todos/as no próximo domingo. Debater direitos e deveres e perceber que o que conta são sempre as acções. Por isso mesmo, poderemos no domingo ir às urnas, não pelos partidos, mas com o sentimento maior de que estamos a honrar a memória das nossas egrégias avós. Com o sentimento de que somos herdeiros da Liberdade, o que nos confere de imediato a Responsabilidade de a proteger e preservar, pois há mais herdeiros a caminho.

Não te deixes substituir enquanto portuguesa! Não te deixes substituir enquanto português! Vai lá e vota. E “prontos” era só isto que eu tinha para dizer!

Raúl M. Braga Pires, a Low Level Researcher, em Lisboa e que escreve de acordo com a antiga ortografia!

Fonte da biografia e foto de Carolina Beatriz Ângelo

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Comments

  1. tatiana says:

    podendo falar por algumas mulheres, não por todas!, agradecemos as referências a algumas das lutas feministas. contudo, cometes um erro neste texto que compromete o objectivo das mesmas lutas, responsabilizando as mulheres pela abstenção quando em causa está um sistema que as afasta do pleno uso do direito de participação.
    querendo fazer parte desta luta poderás começar por rever as tuas práticas, despendendo por exemplo do mesmo tempo no trabalho e em casa…
    outras coisas como iguais salários e iguais oportunidades não te poderemos (talvez) pedir, a ti em particular, mas havendo tempo e espaço para tod@s podemos lutar junt@s por isso também.
    anda daí.

    • Grato Tatiana, as responsabilidades são partilhadas, mas o “motor”, “catalizador” podem/devem ser vocês. A responsabilidade exclusiva vossa, é de desconhecerem o vosso real poder e, por isso mesmo, não estão em sintonia “única” umas com as outras. Mas percebi-te!

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