A Esquerda ganhou as eleições e pode governar, mas o Cavaco não vai deixar

Estamos a viver tempos singulares. Dias que correm e que nos surpreendem a cada momento. Mas, há uns tempos, ainda antes das eleições, a propósito das sondagens escrevi:

“Ora, comparando os resultados daquelas coisas a que alguns chamam sondagens, podemos verificar que nunca a direita teve um resultado tão mau como agora. Ou, dito de outro modo, a direita para ganhar eleições, só em 1985 conseguiu ficar abaixo dos 40%. E, os números hoje em cima da mesa mostram que a Esquerda vale 51%, valor suficiente para ganhar as eleições.”

Os resultados mostram que a coligação teve 36,83%, isto é, 37%. Os votos, à esquerda totalizam 50.87%, isto é 51%. Os números são claros: a coligação não tem maioria parlamentar. E, esse, é o único facto absolutamente rigoroso neste momento. Ou seja, da eleição resulta um parlamento onde a coligação (partido) mais votada não tem capacidade de suportar um governo. Mas, apesar da ausência de enquadramento constitucional, a verdade é que o povo votou mais num tipo para ser primeiro-ministro e votou menos noutro.

E, se calhar por isso a direita, em pânico, diz que se trata de um assalto ao poder. Até o representante da direita que dirige a UGT se presta ao papel da direita. Não surpreende – é para isso que serve a UGT e, na educação, todos o sentimos na pele há muitos anos.

Mas, a direita tem uma solução muito fácil: tente governar. Ou, agora que ganharam, querem obrigar o PS a aprovar, quando o António Costa foi tão claro durante a campanha?

Aliás, vossas excelências, à direita, até disseram que isso foi um dos motivos da derrota do PS, a quem acusaram de ser radical. Podem vir os mercados, as quedas da bolsa ou os martelos comentadores fazer toda a pressão que o Vosso pânico vos exige. Isso de pouco servirá porque o factor decisivo é a Presidência da República. Cavaco vai nomear Passos Coelho para ser primeiro – ministro. O programa de Governo não necessita de aprovação parlamentar. E o problema é atirado para o orçamento.

Quando esse dia chegar teremos uma de duas coisas:

  • António Costa conseguiu um acordo que compromete o Bloco e o PC na governação. Não creio que um governo PS com apoio parlamentar seja suficiente porque, historicamente, o PC tem quebrado acordos atrás de acordos em várias autarquias deste país. Isto é, a acontecer um entendimento, isso terá que significar participação no governo.
  • O PS, perante a ausência de acordo à esquerda ou perante um rotundo não de Cavaco a essa ideia (esta é a minha aposta), terá que se abster e dizer ao povo – daqui a meio ano, quando for possível derrubar estes aldrabões, é isso que faremos. Eles têm meio ano para mostrar que vão, finalmente, fazer o que dizem e não o seu contrário. Se isso não acontecer, no primeiro dia em que a Constituição o permitir apresentaremos uma proposta no Parlamento para derrubar o governo.

Dito isto, creio que o caminho de Costa é curto, mas não há outro – conseguir a todo o custo que um governo de Esquerda seja formado ou, então, mostrar ao país que Cavaco, Passos e Portas são parte do problema. Quanto à direita, se acham que não é este o caminho, apresentem soluções que permitam o apoio de mais deputados, aqueles que o povo não vos deu. Deverão ter muitos na UGT, não?

 

 

 

Comments

  1. Nightwish says:

    Há mais do que isso em jogo, infelizmente. A economia não está bem, mas a narrativa ficou. O preferível é mesmo deixá-los estar e deixá-los enterrar com o défice e mais austeridade, senão a culpa de estragar tudo vai cair nos irresponsáveis que deviam ser proibidos de ter poder e volta tudo ao mesmo faz de conta do passado e o país nunca mais muda.

    • Nightwish says:

      E aquilo que é mesmo preciso fazer, investimento do estado, é impossível, por isso pouco pode mudar.

      • É um argumento que faz sentido. Aliás, as contas públicas estão tão miseráveis que do ponto de vista meramente partidário, o interesse do PS apontaria para um afastamento do poder, deixando o PSD arder lentamente durante um ano ou dois… Mas, e o país? E as pessoas?
        JP

  2. A esquerda não ganhou eleições nem teve maioria. Se a esquerda teve 20 ou 30 % dos votos é maioria do quê?

  3. Esqueci-me… Os votos, à esquerda totalizam 50.87%, mas os votos de esquerda são 20%…

    • As palavras são sempre um instrumento fantástico. A questão é simples: o PS está do lado direito ou do lado esquerdo? Em função da resposta a isto, temos as contas muito claras.
      JP

      • Está históricamente no centro mas na pratica na direita. A bipolarização do AC sobre “coligação de Direita” durante a campanha só fazia sentido face ao “partido de direita” concorrente.

        • A questão é mais complexa do que isso. Obviamente, num quadro partidário em que há mais “jogadores”, o jogo é condicionado por todos ao mesmo tempo. A política não permite espaço vazio e por isso, havendo uma área sem “cobertura”,ela é de imediato ocupada. Se o PS está mais para um lado ou mais para o outro, quando temos gente a sair do BE pela esquerda, podemos sempre dizer tudo. Mas, obviamente, há uma ENORME diferença entre as práticas governativas do PS e as do PSD, até do ponto de vista social ou das causas “de esquerda”.
          JP

          • Em termos puramente prácticos o PS tem uma base mais sólida de votantes na Função Publica e faz depender a sua politica disso para se diferenciar disso do PSD, pouco mais de substancial.

            Claro que falo até há 2 semanas! 😉

          • Nisso, estamos de acordo -há um antes e um depois, especialmente para o PS, depois destas eleições.

  4. Ernesto Martins Vaz Ribeiro says:

    O PS considera-se de esquerda, mas tem vindo a fazer despudoradamente o jogo da direita, ora votando com eles, ora abstendo-se como andamos a ver sistematicamente há 40 anos. Muda de discurso e veste a roupa socialista, apenas em campanha eleitoral
    O partido foi tomado por personagens como Assis, Sérgio Pinto, Jorge Lacão, Maria de Belém e muitos outros que preferem uma aliança à direita (ainda que hoje seja extrema direita) em detrimento de uma ligação à esquerda configurada pelo BE e CDU.
    O exemplo mais claro do modo como a gente dita socialista pensa vai ficar patente nas eleições presidenciais. Não chega o que aconteceu com a eleição e reeleição de Cavaco (duas maiorias a quem o PS estendeu duas passadeiras vermelhas por clara divisão interna e falta de liderança), mas vai repetir-se em 2016 com Maria de Belém e Sampaio da Nóvoa. A mesma divisão para que outros reinem.
    Esta tem sido a política do PS, um partido sem coluna vertebral e sem princípios programáticos claros, dividido entre a esquerda (há pessoas de esquerda, sem dúvida no partido) e a direita que até agora, tem governado o partido.
    Assim sendo, não concordo que se chame ao actual PS um partido de esquerda. É um partido que continua refém de algumas vozes antigas (algumas delas que despudoradamente já afirmaram que o socialismo foi para a gaveta), muda a cor da bandeira e o símbolo por manifesto complexo de esquerda e lá vai contorcendo o corpo e a perder votos de umas eleições para outras.
    Torna-se inacreditável que, perante a extrema situação de pobreza, de desigualdade e de injustiça social que a extrema direita criou em Portugal, que o PS não tivesse uma arrebatadora vitória nas urnas. Mas nem ganhou e passou a campanha a acusar a esquerda de fazer o jogo da direita.
    Assim, chamar esquerda ao PS, conforma uma verdadeira colagem deste partido à esquerda.
    Que Portugal precisa de um PS, isso é indubitável. Mas um PS que seja efectivamente socialista, em vez deste partido híbrido que se tem revelado responsável nas perdas de regalias conseguidas com Abril e nos ganhos de força sistemáticos que a direita tem conseguido.

    • Bom, diria que, no que diz respeito à necessidade, estamos absolutamente de acordo: o país precisa de um PS realmente à esquerda. E, que melhor forma do que conseguir um entendimento parlamentar à esquerda?
      JP

      • Ernesto Martins Vaz Ribeiro says:

        Completamente de acordo, mas há uma condição base: que os Assis, os Sérgios, as Marias de Belém, os Sócrates e quejandos viagem definitivamente para o PSD ou CDS, partido que lhes assenta muito bem. Mas se houver um entendimento à esquerda, verá que esses caramelos vão minar definitivamente PS. Depuração, precisa-se é a minha opinião e repare que já tinha 25 anos quando se deu o 25 de Abril. Os tiques da extrema direita e os “arrufos” dos Assis & CIA, conheço-os muito bem.

        • Eu não tinha 25 anos no dia 25 de abril… de 1974. O passado é sempre algo interessante, mas, como a experiência, só ilumina para trás. Se temos uma oportunidade, vamos agarrar. Esperar pela situação ideal significa que nunca a vamos ter. Quanto a esses, não merecem uma linha.

          • Ernesto Martins Vaz Ribeiro says:

            Meu caro João Paulo.
            Olhe que o passado e a experiência não iluminam só para trás. São uma excelente forma de antecipar, porque os erros da História e da Sociedade repetem-se a uma velocidade assombrosa. O futuro, só pode ser antecipado, nunca vivido. E a antecipação assenta justamente no conhecimento, na experiência e na capacidade de associação. Abraço.

  5. joão lopes says:

    a direita teve 37% dos que foram votar ate porque houve uma enorme abstenção,pelo que esta direita representa apenas um quinto do eleitorado,sendo assim porque razão a “direita” representada pelo Paf(que para mim não é a direita,mas sim meia duzia de arrogantes chicos espertos a quem eu espero que o marcelo faça a folha) tem que ser governo? alias,basta vêr o delirio arrogante e mal educado dos colunistas do mirone para perceber que esta gente não presta.

  6. Antonio Santos says:

    Quando os portugueses foram colocar as cruzes nos boletins, não vi lá nada a indicar esquerda ou direita. Como é que se pode dizer que a esquerda ganhou? Eu vi a coligação PSD/CDS a ganhar as eleições, mais nada.

    Acho piada agora o BE dizer que já não pretende renegociar a divida, anda a atirar-se ao PSD/CDS, caso o namoro com o PS dê para o torto?

    E como diz o Durão Barroso: “Há uma coisa que sei: os eleitores socialistas não votaram no PS para um Governo com o PCP e o BE. Toda a gente sabe que não foi esse o sentido de voto dos eleitores socialistas”

    http://expresso.sapo.pt/politica/2015-10-13-Durao-Barroso-Eleitores-socialistas-nao-votaram-no-PS-para-um-Governo-com-o-PCP-e-o-BE

    • Ernesto Martins Vaz Ribeiro says:

      Durão Barroso (Camarada Abel para os que se lembram do seu passado revolucionário) é um político incontornável, mais não seja porque já percorreu todas as franjas políticas da extrema esquerda à extrema direita – posição que lhe fica muito bem – dando muito trabalho a contorná-lo. Eu, pelo menos, não me dou ao trabalho de contornar gente tão volúvel.
      Mas terá ele, porventura, alguma vez afirmado que, os eleitores socialistas não votaram no PS para um Governo com o PSD / CDS?
      Eu não sei qual foi o sentido de voto dos eleitores socialistas e resta-me saber se o espectro de eleitores socialistas tem mesmo um sentido de voto…
      Eu tenho a certeza que não. Basta ver a Ana Gomes (por acaso saída do mesmo bloco de Durão Barroso, mas com menos poder de mobilidade) e um Assis que deveria ter assinado ficha no CDS ou mesmo um Sócrates saído das fileiras do PSD.
      Este, é o grande problema do PS: Falta de identidade.

    • Essa do “toda a gente sabe” é como quem diz. Se eu lhe disser que votei no PS precisamente para que isso fosse possível acreditaria? Ora leia novamente a citação no arranque do post. Foi antes das eleições. JP

  7. Antonio Santos says:

Discover more from Aventar

Subscribe now to keep reading and get access to the full archive.

Continue reading