Carta do Canadá: Regresso à normalidade

2015-11-26 Francisca van Dunem

oto: imago/GlobalImagens

Para compreenderem o orgulho e a alegria que senti ao ver Francisca van Dunen jurando o seu compromisso de honra como Ministra da Justiça do governo liderado por António Costa, vou explicar-vos algumas coisas. E jurou de cabeça levantada, a olhar de frente, em voz forte e serena.

Vivo há muitos anos no Canadá, um país de democracia parlamentar. Por decisão referendada, a chefe do estado canadiano é a Rainha de Inglaterra. O Canadá tem 10 províncias e 3 territórios, vai do Atlântico ao Pacífico, tem ao norte o mar Árctico. Cada província tem o seu parlamento e este elege o governo local. Na capital federal, em Otava, a Rainha está representada pelo Governador Geral, que tem guarda de honra como a soberana. É ali que está o parlamento federal, eleito por todo o país,  donde sai o governo federal.  Nas capitais provinciais a representação é garantida pelo Governador-Adjunto.  Quando os imigrantes, depois duns anos de residência e de provas dadas, requerem a cidadania canadiana, juram respeito ao país e à Rainha. As pessoas com mérito para o cargo, tenham a origem, a religião e a raça que tiverem, podem ser escolhidas.Nos anos que levo deste país, vi como governadores gerais uma senhora francófona, um ucraniano, uma senhora chinesa e outra negra do Haiti. Todos eles cumpriram com brio os seus mandatos, mas devo sublinhar que as cidadãs de Hong Kong e do Haiti, ambas jornalistas da TV estadual, respectivamente Adrienne Clarckson e Michaelle Jean, foram brilhantes e são tidas com respeito e afecto pela população.  No Ontário, tivemos um governador-adjunto negro, Sir Lincoln Alexander, um verdadeiro ícone de elegância e popularidade. É comum termos ministros e altos funcionários públicos negros, mestiços, indianos, chineses, índios. O mesmo se diga do jornalismo, audiovisual e escrito, das equipas hospitalares. Em todos os sectores da vida canadiana, há pessoas de todas as raças e credos. Viver no respeito pela diversidade, faz parte do ADN do Canadá. Ninguém refere a raça, a religião, a origem ou a orientação sexual dos outros.  Somos todos canadianos, temos todos os mesmos deveres e direitos perante a lei, prezamos a paz e a harmonia.

De passagem refiro que, em todos os níveis da vida pública canadiana, temos servidores com deficiências físicas que executam as suas tarefas como qualquer pessoa escorreita. Por exemplo, no Ontário já tivemos um governador-adjunto paraplégico, que vivia na sua cadeira de rodas. Era um jornalista muito simpático e bem disposto, janotíssimo nas cerimónias oficiais. A maior prova de respeito do estado canadiano pelas pessoas atingidas por uma deficiência, é que há  em todo o lado rampas, elevadores e sinais auditivos nas passadeiras das ruas. Eles não são uma excepção, têm a sua vida normal como cada um de nós.

Depois, nasci e cresci em Angola. Vi injustiças que desejaria nunca ter visto e que foram decisivas nas minhas opções cívicas. Felizmente, a minha família não era racista. Fiz a escola primária no ensino público, lado a lado com meninos negros e mulatos. Os meus companheiros predilectos eram a negra Angelina e o mulato Aristófanes. Frequentavam a minha casa e partilhávamos merendas. Em Portugal, tanto no Colégio de Tomar como na Universidade, nunca deixei de ter esta postura.  Por isso, mesmo longe, sempre segui, com apreço e orgulho, a carreira de duas magistradas da minha terra: Francisca van Dunem, de Luanda, e Maria José Morgado, de Malanje (a cidade onde nasci).

Tenho de confessar a minha perplexidade e desconforto por não ver em altos cargos da vida portuguesa muitos cidadãos doutras raças. Pergunto-me, em sobressalto, se 40 anos não chegaram para integrar, educar e valorizar aqueles que, por decisão própria, se abrigaram em terra portuguesa.  Ou mais claramente, que espécie de integração foi essa? Provavelmente, a mesma, eivada de incompetência e desleixo, que dá origem ao abandono escolar, à mão de obra indiferenciada a quem mandam, desenvergonhadamente, emigrar.

Podem perceber agora a minha alegria por termos como Ministra da Justiça a Francisca van Dunem, uma secretária de estado cega e um secretário de estado de ascendência cigana. E, também, por a Cultura merecer ministério e haver promessa formal de se investir mais na Educação, no Conhecimento, na Investigação Científica.

É o regresso de Portugal à normalidade, isto é, à democracia.   Um país democrata é um país normal. Anormal é um país onde a democracia, embora declarada na Constituição, é espezinhada por actos todos os dias.   Que Deus ajude Portugal!

Comments

  1. Pela descrição desta senhora, o Canadá parece ser o sítio para os maus da direita vão parar quando morrem
    Parece que estou a ver o Cavaco Silva a dizer aos seus meninos da JSD:
    “Os boys bonitos que lambem os rabiosques certos podem passar a eternidade na sede do partido Nazi. Tudo o resto vai para o Canadá…”

  2. Tenho muito orgulho de ter nascido na Canada e preservar a minha nacionalidade de nascimento a que depois juntei a de sangue e país em que vivo Portugal.
    Agora, também é verdade que as percentagens de diferentes etnias e culturas é muito mais forte que em Portugal, para não sentir ” perplexidade e desconforto por não ver em altos cargos da vida portuguesa muitos cidadãos doutras raças”.
    O Primeiro-ministro tem sangue indiano, mas não é o primeiro membro de um governo com estes genes, o PSD já teve van Dunen na sua Comissão Política Nacional, tivemos autarcas com sangue africano e duplas nacionalidade, já sou autarca há quase 20 anos.
    Talvez ainda tenhamos uma sub-representação política de origem africana, mas penso que não tanto por exclusão mas mais por dificuldades na auto-inclusão por termos uma sociedade menos multiétnica.
    Claro que me lembro de muitos dos casos citados e até me lembro de um líder da oposição que tinha dificuldade em se expressar na língua de S Majestade, mas o Canada já nasceu multiétnico e multicultural, Portugal vai-se tornando assim o que não é defeito de origem é evolução para ser difícil compararmos os dois Países aos quais eu sou fiel e cidadão nacional

  3. Nascimento says:

    Para mim a senhora até podia ser amarela com pintas vermelhas! O que é que eu tenho a ver se é preto, branco, amarelo ,coxo, marreco, zarolho etc…? O que é que me diz se é uma jeitosa ou jeitoso, com ( sangue?) indiano ou marciano,ou lá a treta de conversa a que leva sempre as pessoas a ficarem muiiiito “felizes” por a senhora o senhor ser negra/o???
    O que é que prova? Vejamos: o candidato ( negro) républicano nos STATES não é a coisinha mais nojenta que há á face da terra? A ranhosa da Condoleezza Rice é amarela?Tem sangue indiano, africano , tuga, de corcodilo , lagarto,ou a p. que a p.?

    O que eu quero é mais Justiça.!!!E já agora , isso sim é que é IMPORTANTE ; pagar menos nos custos judiciais. Ok?

    ps. Bem sei que começou o enorme aumento com um merdoso chamado Sócrates, mas estes , ainda vão a tempo de emendar a porcaria…

    • Danielle Foucaut Dinis says:

      o seu sangue deve ser lama, para falar deste modo de pessoas que tem só o inconveniente de ter outras idéias !

  4. Carvalho says:

    O assunto é ridículo e já cheira mal.
    Desde que este governo tomou posse que os parolos/parolas não falam de outra coisa que a cor da pele deste ou daquela. Percebam uma coisa: falar da cor da pele é um absurdo igual a discutir o comprimento do nariz, o peso da pessoa, a altura ou se tem cabelo loiro ou castanho; não passam de pormenores físicos que não fazem a pessoa.
    Uma pessoa (um político) vale pelo que faz ou deixa por fazer. Eu quero lá saber se tem o nariz curto ou comprido, se tem pele roxa ou esverdeada!
    Continuar a bater nesta tecla (ainda que seja para elogiar) é revelador de espírito tacanho e provinciano, bem português…

  5. Concordo com todos vós sobre as cores da pele…

    Mas que o nosso “garante” tem cá uma cara de parolo montanheiro, lá isso tem!

  6. Fernanda Leitão says:

    Estas ausências demasiado marcantes e duradouras de algumas etnias na vida pública eram o pão nosso de cada dia durante do periodo colonial (que durou 500 anos). Mas Portugal deixou de ser país colonizador em 1975. Passaram 40 anos. Onde estão os milhares de jovens, negros, mestiços e orientais, que vivem em Portugal, muitos deles nascidos em Portugal? Não são visíveis na vida política nem na comunicação social ou mesmo nas fileiras de outras profissões. O que aconteceu? Andam nas obras? Emigraram? Estão nos bairros degradados?
    Porque não foram integrados totalmente?
    É verdade que um politico vale pelo que realiza e não pela cor da sua pele. Mas, então, porque não dar oportunidade de mostrar o que vale a toda e qualquer pessoa de qualquer cor?
    É natural que estas perguntas inquietem. Ou só têm direito à carreira política os Passos e os Relvas, nados e criados em Portugal, só porque os papás passaram vagamente por Angola? Acredito que esta questão incomode algumas pessoas, mas é preciso ter a noção da realidade.
    O Canadá não nasceu multiérnico: nasceu índio ocupado por ingleses e franceses. É um país novo, com pouco mais de 200 anos, aprendeu a viver com todas as etnias. Portugal é muito mais velho. E não aprendeu? Não aprende? Porquê? Talvez pela mesma razão que a chamada élite não tem querido, desde há séculos, que a educação seja para todos. Só assim ela, essa elite, pode reinar impunemente e… os outros que a sirvam ou emigrem.

  7. Luis f vz palha says:

    regresso ao futuro e o que se precisa neste país. .que acaba de fazer marcha a ré contra a vida contra a família contra o ensino …isto só nos primeiros dias
    …que mais irá acontecer. ..DESTRUIÇÃO DO PROCESSO MARQUÊS? ??

    • A destruição do processo Marquês NÃO ! A demonstração ampla da canalhice que ele representa, um processo assente em COISA NENHUMA, em NADA, como já disse um juiz, de perseguição nojenta a um cidadão, SIM ! E quanto a corruptos, eles não faltam e andam por aí, mas esses não são acusados !

  8. Fernanda Leitão says:

    O país fez marcha atrás? E receia-se por isso? Não dou a ninguém o direito de ter lutado mais contra a possibilidade de uma ditadura comunista em 1975. Num tempo em que muitos dos pais dos jovens politicos da actual direita se assustaram tanto que fugiram para o Brasil, uns, enquanto outros se juntavam aos que estavam em Espanha. Compreendeu-se, nessa altura, que o perigo era real porque existia a União Soviética, que municiava de dinheiro e tudo o mais os partidos comunistas por esse mundo. Quem. em Portugal, deu logo a cara e gritou que o povo português não aceitava outra ditadura, tinha chegado bem a outra de 48, anos foram justamente os opositores de Salazar, os democratas. Em todo o país. O partido que mais se bateu contra essa possível ditadura foi o PS, goste-se ou não, é da História. A União Soviética deixou de existir, o Muro de Berlim caíu, o PCP é um partido como outro qualquer. Têm medo de quê? E não têm medo duma direiita que passou grande parte do património pátrio para as mãos de comunistas chineses e angolanos? Haja seriedade na argumentação.

  9. Haja seriedade na argumentação.

    Aqui está uma coisa que a nossa direita não tem…seriedade!

  10. A leitura desta carta devia de ser lida ou publicada em todas as ESCOLAS e UNIVERSIDADES .E todos os portugueses mesquinhos ,egoístas,falsos ,corruptos ,gananciosos ,analfabetos mentalmente ,e mal cheirosos dos ouvidos deviam de ser obrigados a ler a carta tantas vezes quantas forem precisas.para mudar a sua mentalidade .

  11. placido monteiro says:

    Apreço as suas palavras faço delas as minhas sou caboverdeano de nascença português por nacionalidade com 35 anos em portugal congratulo com o novo primeiro ministro nas suas opçoës já era tempo de fazer algo ao país que amamos obrigado Sr.António Costa bem haja a portugal.

  12. onde foi parar o meu comentário ?`Não agradou, foi ?

    • j. manuel cordeiro says:

      O WordPress tinha marcado erradamente o seu comentário como spam. Desfiz o erro.

  13. Um texto realmente interessante e muito bem escrito. Parabéns

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