A estabilidade do governo de esquerda explicada por Paulo Portas

Portas

Muitos são os que ainda duvidam da estabilidade do governo minoritário do PS, apoiado no Parlamento pelo BE, PCP e PEV. É legítimo. Eu que estou, até ver, satisfeito com a solução, tenho as minhas reservas. E é aqui que entra Paulo Portas.

Como o caro leitor estará certamente recordado, a 2 de Julho de 2013, Paulo Portas apresentou a sua demissão ao então chefe de governo, Pedro Passos Coelho (por SMS ou carta, dúvida nunca dissipada). Num comunicado emitido pelo próprio, obedecendo à sua consciência, Portas elencava os motivos por trás da sua famosa decisão irrevogável. Destaco alguns pontos, que me parecem legitimar a esperança de ver o actual governo cumprir o seu mandato, aos quais acrescentarei alguns comentários:

São conhecidas as diferenças políticas que tive com o Ministro das Finanças. A sua decisão pessoal de sair permitia abrir um ciclo político e económico diferente. A escolha feita pelo Primeiro-Ministro teria, por isso, de ser especialmente cuidadosa e consensual.

Comentário: portanto existiam diferenças políticas no seio da coligação, tal como existem entre os partidos que sustentam a maioria parlamentar de esquerda.

O Primeiro-Ministro entendeu seguir o caminho da mera continuidade no Ministério das Finanças. Respeito mas discordo.

Comentário: o primeiro-ministro não tomou uma decisão consensual, tal como com certeza acontecerá no futuro do actual governo, causando discordância.

Expressei, atempadamente, este ponto de vista ao Primeiro-Ministro que, ainda assim, confirmou a sua escolha. Em consequência, e tendo em atenção a importância decisiva do Ministério das Finanças, ficar no Governo seria um acto de dissimulação. Não é politicamente sustentável, nem é pessoalmente exigível.

Comentário: em função da decisão fracturante de Passos Coelho, Portas entendeu que manter-se no governo seria um acto de dissimulação. Da mesma forma, é possível que, no futuro, decisões do actual governo com as quais os restantes partidos não concordem possam levar a que estes entendam, tal como Portas, que manter o seu apoio a António Costa represente um acto de dissimulação e, tal como o líder do CDS-PP, cessar o seu apoio ao governo socialista, argumentando não ser politicamente sustentável ou pessoalmente exigível.

Ao longo destes dois anos protegi até ao limite das minhas forças o valor da estabilidade. Porém, a forma como, reiteradamente, as decisões são tomadas no Governo torna, efetivamente, dispensável o meu contributo.

Comentário: até determinado momento, os partidos à esquerda do PS tudo farão para proteger, até ao limite das suas forças, o valor da estabilidade. Porém, decisões tomadas pelo governo de Costa poderão, efectivamente, tornar dispensável o seu contributo.

O que sucedeu depois? Passos promoveu Portas a vice-primeiro-ministro, cedeu o Ministério da Economia ao CDS-PP e o governo, cuja morte foi inúmeras vezes anunciada, aguentou até ao final do mandato. É portanto legítimo assumir que, em casos extremos, António Costa esteja disposto a fazer cedências aos seus parceiros parlamentares para apagar fogos resultantes das suas decisões. Se a coligação PSD/CDS-PP sobreviveu à crise política criada por Portas, porque motivo não poderá o entendimento à esquerda sobreviver aos percalços que com certeza surgirão no caminho? No limite promove-se Jerónimo de Sousa a vice-primeiro-ministro, entrega-se a pasta das Finanças à Mariana Mortágua e resolve-se o impasse. Desde que os juros da dívida não disparem para os 8% e a bolsa de valores não perca mais de 2 mil milhões de euros num dia, a coisa não será assim tão catastrófica. Querem ver que chegam mesmo ao fim do mandato?

Comments

  1. Quero ser anónimo says:

    Só a direita (fascista) tem o direito divino de governar e só há democracia quando a direita tem a maioria de votos e a maioria no parlamento…
    Sem isso… é tudo vermelhusco…

  2. joaovieira1 says:

    Bem visto, sem dúvida.

  3. Ana A. says:

    Estou em crer que mesmo que este governo não aguente a legislatura, nada será como antes.

  4. Quero ser anónimo says:

    Este governo, dure o que durar, já ensinou ao país e aos fascistas do rectângulo que, quem tem a maioria do parlamento é quem governa.

  5. martinhopm says:

    E deixou o fascitóide do Portas sob um violentíssimo ataque de nervos. Irá apagar-se?

    • ... é trabalhar a dois portalós... says:

      Foi histerismo da “piquena”…

Trackbacks

  1. […] Contudo, importa recordar que, um ano depois da novela da TSU, no Verão Quente de 2013, Paulo Portas apresentou o seu pedido de demissão e atirou o governo para a maior crise política do seu mandato. Uma crise política que teve elevados custos para o país. Um momento que não nos deixa esquecer que aquele governo não era assim tão estável, credível e duradouro. No entanto, perante a chantagem do CDS-PP, e recorrendo à novilíngua da direita radical, Passos Coelho optou por fazer-se refém de Paulo Portas, promovendo-o a vice-primeiro-ministro, chutando de seguida Álvaro Santos Silva da pasta da Economia, que entregou ao CDS-PP. Se a estabilidade de um governo maioritário depende deste tipo de golpes, então estou ainda mais convencido que prefiro, de longe, a actual solução ao anterior calvário. É que entre esquemas chantagistas de assalto ao poder, com contornos anedóticos e irrevogabilidades de ocasião, e um acordo em que os diferentes partidos cedem sem perder a sua identidade, a escolha é fácil. Não percebeu? Paulo Portas explica. […]

  2. […] fosse, por si só, terrível, ainda vão ter que aguentar com o facto de esta solução ser mais estável que a caranguejola que a antecedeu. Ain’t she […]

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