Refletindo sobre o Banif e BES. Mais perguntas.

A propósito do artigo “Porque não um bail-in?“, gostaria de deixar mais algumas perguntas e reflexões suplementares, nomeadamente, sobre o impacto que tudo isto pode vir a ter – com elevada probabilidade – no contribuinte, na imagem e confiança em Portugal, e no nosso futuro a médio e longo prazo. Eu gosto de fazer perguntas e procurar respostas. Isso é saudável, recomendo mesmo que todos o façam, pois isso pode ajudar a evitar calafrios futuros e faturas surpresa gigantescas para pagar pelo contribuinte.

A verdade é que alguns meses depois da resolução do BES – feita a 3 de Agosto de 2014 -, o Banco de Portugal vem agora assumir que não foi eficaz na capitalização do Novo Banco, isto é, fez mal as contas. Na decisão de ontem e em complemento da resolução do BES, o Banco de Portugal alterou a decisão original (diz agora que faz um complemento) e reclassificou a dívida sénior passando-a do Novo Banco para o BES (Banco Mau). Com isso resolve problemas atuais de balanço, reduzindo o passivo em 1985 milhões de euros, antecipando de forma parcial a nova Diretiva Europeia de bail-in e contrariando as decisões de 3 de Agosto de 2014. Ora, parece evidente que no caso do Banif – onde se faz um intervenção com dinheiro dos contribuintes e de investidores – e agora do Novo Banco – recorrendo somente a investidores -, o Banco de Portugal não quis que ficassem sobre a alçada da nova diretiva Europeia de bail-in (entra em vigor no dia 1 de Janeiro de 2016). Porquê?


1. Este valor agora reclassificado e que volta ao BES/Banco Mau, e portanto totalmente perdido, poderá ser apresentado, no todo ou em parte, ao contribuinte quando (e se) o Fundo de Resolução (entidade pública) for ordenado pelos tribunais a pagar indemnizações. Isso é muito provável, dada a forma como tudo isto foi feito, contrariando as decisões de Agosto de 2014 – reconhecendo implicitamente erros de avaliação e julgamento-, e decidindo este bail-in seletivo em investidores com grande poder de litigância – ou seja, pode estar criada mais uma tempestade perfeita, sem necessidade. Se o bail-in acontecesse em 2016, daí a 2 dias, estaria ao abrigo da nova Diretiva Europeia e envolveria potencialmente todos os investidores (os seniores, todos os outros e também os acionistas privados) e os depósitos acima de 100 mil euros – por esta ordem, e estaria muito mais bem protegido legalmente pela própria Diretiva. Essa diretiva Europeia foi construída para evitar que os contribuintes sejam chamados a contribuir em situações deste tipo: só o serão numa situação limite, e via Fundo de Resolução (se o Estado tiver de o reforçar), em que não exista uma solução interna à instituição que é resolvida. Por que razão não se esperou por 1 de Janeiro de 2016? O que é que verdadeiramente se protegeu com isso? Um bail-in baseado na diretiva Europeia – que envolve todos internamente, por ordem de prioridade – teria uma explicação razoável: correu mal, o que é possível em negócios de risco, pelo que todos internamente são chamados a cobrir o prejuízo. E é uma norma Europeia, pelo que a litigância seria muito menos eficaz. No entanto, a 2 dias do final do ano, o Banco de Portugal quis, aparentemente, afastar um bail-in baseado nessa diretiva (que ainda não está em vigor), e colocou a fatura somente nos investidores seniores – apesar de justificar que isto antecipa a utilização dessas regras. A pergunta é: qual a motivação e o objetivo desta posição do Banco de Portugal? Pergunto isto porque parece mais uma decisão tomada em desespero, e muito pouco fundamentada – portanto, pouco competente.

Aditado às 16:01 de 31 de Dezembro de 2015 – Finantial Times: Novo Banco investors threaten legal action over €2bn losses

2. Teve o cuidado de dizer, na mesma comunicação de ontem, que contingências futuras a cargo do Novo Banco passam para a Fundo de Resolução. Não precisava de o dizer, porque isso decorre da nova Diretiva Europeia. Mas isso só protege o contribuinte se as contas estiverem bem feitas (e o Banco de Portugal reconheceu agora que fez mal as contas em Agosto de 2014, tendo agora a necessidade de as corrigir em cerca de 2000 milhões de euros), a supervisão e a regulação funcionarem, os bancos estiveram bem capitalizados, os seus balanços estiverem saudáveis (sem imparidades), tiverem reservas para bail-in, etc. Porque caso contrário, o castelo de cartas desmorona-se e vai tudo parar ao Fundo de Resolução, entidade pública, e, mais tarde ou mais cedo, dada a fragilidade do sistema bancário, com elevada probabilidade ao contribuinte: através de reforço do Fundo de Resolução com capitais públicos.

3. A imagem de Portugal fica muito danificada (proteger essa imagem e confiança foi a razão utilizada em Agosto de 2014 para classificar a dívida sénior no Banco Bom/Novo Banco), pelo que será ainda mais complicado vender o Novo Banco, a um preço que permita recuperar uma parte significativa dos quase 4 mil milhões de euros que o Estado colocou no Fundo de Resolução para resolver o BES. Isso significa que esses valores, com elevada probabilidade, nos serão também apresentados um dia: a história recente mostra que os buracos no sistema financeiro veem parar, mais tarde ou mais cedo, de forma direta ou indireta, aos contribuintes.

4. Permanecem no Novo Banco vários problemas para resolver, pelo que esta solução pode ser somente adiar o problema por mais alguns meses. O que mantém a pergunta: por que razão se quis evitar que a intervenção fosse feita já sob alçada da Diretiva Europeia de bail-in? Por que razão se foi abrir um imbróglio que nos pode prejudicar a nós Portugal (e contribuintes), não contando com a proteção e solidariedade decorrente da nova Diretiva Europeia?

Efeito colateral muito grave: Quem é que, de fora do país, vai alguma vez mais financiar a banca nacional? Seja pela forma acionista, obrigacionista ou por depósito, não fica definitivamente perdida a confiança? De forma alguma esta situação protege o contribuinte, pelo que afirmo que há razões sérias para preocupação.

Empurrar com a barriga resulta em fatura gigante passado algum tempo. O Banif, o BES, o BPN, o BPP e os outros que estão para vir, são prova de tudo isso.

 

Links para leitura suplementar:

  1. Novas regras de bail-in (press-release).
  2. Diretiva Europeia para bail-in.
  3. Pontos essenciais da nova diretiva de bail-in.

 

Editado no dia 31/12/2015 15:27 – Links suplementares

Público: Artigo de Cristina Ferreira – Regulador resolve problema do Novo Banco à custa de obrigacionistas

Rádio Renascença: Entrevista a Pedro Santos Guerreiro – “Bail-in” do Novo Banco. “Processos judiciais podem chover em catadupa

Finantial Times: Novo Banco investors threaten legal action over €2bn losses

 

 

Comments

  1. Eu avento says:

    Para quem aparentemente só lê o Expresso, não admira a sua fixação pró bail-in e contra as medidas de urgência de António Costa para resolver o problema do BES/Novo Banco, que Passos Coelho varreu para baixo do tapete.
    É incrível que quando Passos Coelho enterrou uns quantos mil milhões no fundo de resolução, o meu amigo, calado que nem um rato, concorria pelas listas autárquicas do PSD. Quem andou a empurrar com a barriga, com o seu apoio, foi o PSD.
    Será porque, à maneira de Passos Coelho, se pode sacudir a água do capote e responsabilizar a Comissão Europeia ?

    Por outro lado, parece desconhecer que o bail-in tem a mesma fundamentação europeia legal que o dito mecanismo de resolução.

    É ainda de admirar que um cientista fundamente grande parte da sua argumentação em algo que … não aconteceu. Será a tempestade perfeita … que não aconteceu, será a futura litigância … que ainda não aconteceu e que a acontecer deverá existir em qualquer dos casos, é a imagem de Portugal que supostamente virá a ficar prejudicada perante os fundos abutres e outros especuladores do mercado (já não estava ?), será mais difícil vender o Novo Banco, esquecendo que o NB passou a valer mais 2 mil milhões.

    • 1. O que foi feito agora no NOVO BANCO foi um bail-in, antecipando de forma parcial a Diretiva Europeia. As minhas preocupações estão escritas no artigo, com o fundamento que entendo.
      2. Ao contrário do que diz eu sempre manifestei a minha opinião, e nunca tive nenhum medo de desalinhar. É simples de comprovar, basta ir ao Google e pesquisar. Aliás, foi por nunca ter estado calado (sobre o BPN, BES, etc.) e ter sempre alertado para o caminho errado que tive a reação do poder que tive.
      3. A imagem e confiança em Portugal, nomeadamente no seu sistema financeiro, é muito importante. Pelo que as perguntas se mantêm e as preocupações se adensam.
      4. O Novo Banco não vale mais 2 mil milhões de euros. O seu balanço é que se viu “livre” de um passivo dessa ordem de grandeza. Permitiu, por isso, que mantivesse os rácios exigidos pela legislação europeia. Mas nem é seguro afirmar que as coisas feitas desta forma facilitem a sua venda. Aliás, a notícia de hoje do Banco de Portugal, o qual propõe um perdão fiscal a quem comprar o Novo Banco mostra isso mesmo. Parece algo mais em desespero do que outra coisa qualquer.
      5. Informação e reação dos investidores já é reportada pelo Finantial Times: http://www.ft.com/cms/s/0/da45fb10-aede-11e5-993b-c425a3d2b65a.html#axzz3vuf2CBUL

      Quanto ao resto eu não faço politiquice e sou imune, totalmente imune, à partidarice. Sou social-democrata por convicção. Não me identifico com os atuais partidos, pelo que escolhi sair daquele em que era militante – sempre muito crítico, sempre livre e sempre pensando pela minha cabeça. A minha candidatura autárquica tinha um programa próprio que defendi e continuo a defender: por isso me mantenho como vereador independente. Gosto da política feita com verdade e sem medo, em que se coloca sinceridade em tudo o que se faz. Nisso subscrevo totalmente Francisco Sá Carneiro: “Saber estar e romper a tempo, correr os riscos da adesão e da renúncia, pôr a sinceridade das posições acima dos jogos pessoais, isso é política que vale a pena”.
      Cumprimentos.

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  1. […] da reclassificação de dívida sénior do Novo Banco para o BES, de que falei aqui e aqui, e depois da conflitualidade que era previsível por parte dos investidores internacionais, surgem […]

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