Educação: o que há para mexer

É um lugar comum em Portugal – na Educação mexe-se muito e essa instabilidade é um dos problemas mais decisivos para as dificuldades que, em particular a Escola Pública, vai sentindo. Costumo dizer que a Escola funciona apesar do Ministério da Educação.

E, em boa verdade, nunca a Escola mudou tanto como com Nuno Crato que fez letra morta da Lei de Bases do Sistema Educativo (uma espécie de Constituição para a Educação), o que, na ausência de um tribunal constitucional para o sector, permitiu todo o tipo de barbaridades. E, quando atribuo a Nuno Crato esta capacidade falo do centro da Escola, da sala de aula, dos conteúdos, daquilo que é suposto os alunos aprenderem.

Com a mudança de governo chegou um Ministro com um perfil surpreendente – um jovem cientista que passou uma parte importante da sua vida fora do país e de quem, em boa verdade, nunca se ouviu ou leu, uma linha sobre Educação. Nos primeiros dias manteve um silêncio que se mostrou prudente e, há uns dias, quando falou, na Comissão Parlamentar, revelou uma surpreendente capacidade política que é, em boa verdade, aquilo que se exige a um Ministro – ser político.

Mas, o primeiro momento verdadeiramente político aconteceu com a comunicação às escolas da proposta de alteração na avaliação do ensino básico – repito o que antes escrevi: é um texto que subscrevo integralmente e, nem sequer sou muito sensível aos argumentos de quem diz que a mudança, a acontecer, deveria coincidir com um ano lectivo. Levar essa regra ao extremo impediria o Ministério da Educação de trabalhar de setembro a julho e, em boa verdade, errado seria obrigar alunos a fazer uma prova que está completamente desajustada.

Tiago Rodrigues tem em mãos uma tarefa ingrata. Até Nuno Crato houve um acordo não escrito entre o PS e o PSD para gerir as grandes questões da Educação, nomeadamente ao nível curricular – foi havendo uma linha condutora que Nuno Crato, de forma radical, quebrou. O novo Ministro tem, por isso, muito onde mexer:

A- Alunos

  • currículos: voltar a ter uma escola onde, mais do que gente a ensinar, há alunos a aprender. É para isso que sou pago – não para ensinar, mas para fazer aprender;
  • a avaliação aferida tem que acontecer em todas as áreas disciplinares e deve ser multi-tarefa, ou seja, um aluno tem que ser capaz de responder por escrito, mas deve também saber fazer uma apresentação em público, ler um texto em voz alta ou realizar alguns exercícios de educação física ou focar um microscópio;
  • programa de matemática: é só deitar fora as metas e voltar ao anterior, ok? (admito que se faça o mesmo para outras, mas falo mais do que conheço);
  • fazer regressar à escolaridade básica a actividade experimental: não é possível um aluno terminar o nono ano sem ter realizado uma única actividade experimental;
  • as expressões são uma marca que nos identifica enquanto pessoas e a sua desvalorização foi um erro que é preciso corrigir com urgência;
  • o fim dos cursos vocacionais tem que acontecer já, mas no seu lugar tem que nascer algo que, verdadeiramente, permita a formação de jovens que até aos 18 anos têm que continuar na escola;
  • a formação de adultos tem que regressar;
  • tem que ser feita uma distinção clara entre o que são necessidades educativas especiais e o que são dificuldades de aprendizagem, isto é, uma coisa é um aluno deficiente, outra coisa é um aluno com dificuldades de aprendizagem;

B- Escolas

  • modelo de gestão: dará para despartidarizar a gestão das escolas? Nas zonas menos urbanas o Director é uma escolha dos directórios partidários. Será que conseguimos mudar isso? (sou um crente!)
  • autoridade e confiança em todos os momentos do processo educativo – a Escola é um espaço de gestão permanente de relações pessoais onde a confiança, por definição, tem que existir. Os alunos nos Professores e estes nos alunos. O mesmo para a relação entre as Direcções e os Docentes, ou entre a Administração e os Docentes. Enquanto houver uma relação de desconfiança, a burocracia vai continuar a mandar e isso está a minar a Escola. Não faz sentido que eu, como Professor, passe mais tempo a justificar do que a fazer – ninguém nos paga para preencher grelhas de Excel.
  • condições físicas das EB23 – houve exageros na Parque Escolar? Houve, mas foi um projecto que valorizou a Escola Pública e foi muito mais barato que o pequeno BANIF (comparado com o BPN ou com o BES, a Parque Escolar foi uma gota no Oceano). Tem que ser feito um plano para reconstruir boa parte das EB23 que estão, a maioria, em condições deploráveis;
  • administração regional: Crato centralizou. Quase no fim houve meia dúzia que tentou municipalizar. Eu era capaz de sugerir que houvesse uma administração regional das dimensões materiais e administrativas da Educação;
  • pessoal docente: por acaso, nas “urgências escolares” ninguém morre, mas a ausência de funcionários coloca em risco, todos os dias, boa parte das nossas crianças. É criminosa a forma como Directores, Professores e Pais fazem de conta, diariamente, que tudo está a funcionar normalmente. Não está.
  • acordo com os colégios privados. Já todos sabem o que tem de ser feito, certo? Seguir a Constituição – onde há uma escola pública, não se paga a um privado. Simples.

C- Professores

  • concursos: seguir a graduação em todos os momentos do processo. Simples;
  • tornar lectivo todo o trabalho com alunos;
  • aposentação com 40 anos de serviço.

Poderia continuar a escrever, mas penso que, esta lista já é suficientemente exaustiva para que a Educação volte aos trilhos de onde nunca deveria ter saído. Obviamente, os dirigentes e opinadores de direita, procurarão fazer duas coisas, que são, em boa verdade, contraditórias: colocar em cima da mesa exigências de mudança, algo que nunca fizeram com Nuno Crato e ao mesmo tempo, criticar tudo o que possa ser feito por Tiago Rodrigues.

Nós, os docentes que defendem a Escola Pública para todos, cá estaremos para defender as medidas sempre e quando elas forem justas. Naturalmente e, como sempre, não estaremos ausentes – como a FNE esteve nos últimos 4 anos – quando for preciso dizer presente para lutar.

Comments

  1. Afonso Valverde says:

    Uma coisa é a organização do sistema de ensino. Outra, embora ligada é os sistema de avaliação dos alunos.
    Fazer exames e provas deveria ser “uma constante” para que anda a aprender.
    Contudo, as provas e os exames devem ter a sua oportunidade quer quanto à matéria, quer quanto ao nível de ensino para revelar o mérito de mudança de nível.
    A igualdade de oportunidades deve ser uma condição a atingir.
    O mérito não deve ser relativizado pela igualdade. Mérito é o resultado do trabalho de cada um dos alunos com os professores e outros educadores (incluindo família).
    Tira exame, poem exame se uma aturada discussão e reflexão não resulta em nada de bom para aqueles que estão a ensinar e para a sociedade.
    Não faltam por aí prosélitos da educação. Esquecem que no sistema de ensino público deve-se fazer ensino-aprendizagem.
    O importante que que os professores para além da matéria de ensino para a qual estão habilitados sejam eficientes pedagogos em não outra coisa qualquer.
    Este sr. ministro deve ser prudente e colocar no terreno uma política de educação que seja vantajosa para a sociedade no futuro.
    O facto de vir de Cambridge não nos dá garantias de que vai ser bem sucedido.

    • Viva, obrigado por ter comentado. Discordo profundamente da sua convicção – o “exame” que sugere como momento de avaliação é um erro. Na educação básica devemos ter um sistema de avaliação que ajude a aprender, isto é, que identifique o que não está bem, mas que permita, ao mesmo tempo, tomar medidas para se resolver as fragilidades encontradas. Na escolaridade básica (por ser básica, estrutural) não podemos deixar que um aluno se torne “gente” sem essa estrutura. Ora, um exame, é o contrário disso mesmo: aparece no fim, faz luz sobre uma falha, mas penaliza, deixa para trás e isso é um erro. Eu repito uma ideia – temos que os fazer aprender. Como é que eles aprendem? Como é que funciona a aprendizagem? Isso é muito mais importante do que ensinar.

      • Afonso Valverde says:

        João,
        Não tenho sobre o ensino-aprendizagem (diferente de educação) uma visão dogmática.
        Concordo com a sua filosofia da educação, mas tenho, porventura, divergências sobre o sistema de ensino-aprendizagem. a questão dos exames será uma delas. Todavia, compreendo que os momentos de realização dos exames devem ser ponderados. Mas um exame no fim do básico não será bem?! Realizar um exame ao fim de nove anos de ensino e aprendizagem, mesmo lançando luz sobre uma falha, vai penalizar assim tanto os alunos?!. Os alunos com essa idade já não estão adaptados a reagir a isso e a suplantar essas correções? Na vida, isso vai-lhes aparecer constantemente.
        Refere que introduz discriminação. É verdade, Mas a discriminação pelo mérito, é má?
        Quando me refiro aos prosélitos da educação em sentido lato, é uma ponto de vista contra todos aqueles quem falam de educação e de ensino-aprendizagem sem nada perceberem do assunto (prática e teoricamente falando).
        Tenho formação teórica sobre a matéria e tenho prática (não no ensino básico).
        Sobre ensino aprendizagem conheço os princípios da Psicologia e da Pedagogia-Ciência da Educação.
        O que percebo do que lei-o é muita filosofia da educação que é fundamental para estruturar o pensamento e a prática, mas não é a prática nem o pensamento que deve ser mais pragmático.
        Fiz exames, no 4.º ano do básico, no fim do 1.º e 2.´ciclo do secundário e de admissão à universidade. Sou filho de trabalhador e sabia que se reprovasse diminuía a hipóteses de sucesso na vida em função do que eram os objectivos. Mas também não era o fim do mundo caso reprovasse. Poderia sempre escolher ou voltar a fazer de novo os exames.
        Sabe a escola meritocrática acaba sempre por introduzir discriminações inaceitáveis entre os alunos mas não é por causa das provas e ou exames. tem mais a ver com os professores e com a organização do sistema.
        São s turmas com muitos alunos, com alunos homogeneizados (filhos de professores, medicos engenheiros e as outras com os filhos do beneficiários do RSI).
        Sub-repticiamente a discriminação faz-se nos detalhes e nos detalhes está o diabo.
        Quanto ao sr ministro, estou expectante.
        Cumprimentos,
        Afonso

        • Eu diria que estamos de acordo em tudo. Claro que as nossas experiências pessoais são nossas, mas não é por isso que têm de se aplicar a outros, caso contrário, ainda estaríamos a viver em grutas. Quanto aos exames, nono ano? Concordo, tal como o sr. Ministro. O facto de haver na organização escolar um conjunto (AMPLO) de mecanismo que segrega alunos, aí, infelizmente, concordo. Luto diariamente, há muitos anos, contra eles.

          • Afonso Valverde says:

            Desejo-lhe,sinceramente, que tenha a força de vontade e a sabedorai para prosseguir o seu trabalho.
            Acredito que o capital humano é a nossa grande riqueza. Como tal não é para desperdiçar, deixando alguém para trás por estupidez, por incúria.
            Cumprimentos
            Afonso

    • Sim – o tempo a mais dentro da escola, ou antes, o tempo a mais em actividades escolarizadas é uma questão importante. Muito importante.

  2. Virginia Leitao says:

    Falta-lhe falar do Reposicionamento dos professores do concurso extraordinário nos seus escalões. Devem publicar o mais rapidamente a portaria. (três anos já ultrapassa o tempo razoável ).Depois do que veio dizer o Provedor da justiça! Não há dúvidas.

    • Obrigado pelo seu comentário. A minha lista não pretendia ser exaustiva. É uma questão importante e obviamente terá que ser resolvida.

    • A reposição deve ser feita quando for o descongelamento da carreira docente, não terá lógica ser antes.

      • Virginia Leitão says:

        Há aqui um tratamento que nega o princípio da igualdade de tratamento entre professores, pois, na mesma escola, dois docentes com o mesmo tempo de serviço, na mesma situação profissional, com as mesmas responsabilidades na escola e igual horário, estão em escalões diferentes da carreira é inconstitucional.
        Será que não percebe que o que se pretende com o reposicionamento é ficar, pelo menos, na mesma situação em que o colega está, com os mesmos anos de congelamento?

      • Jorge Martins says:

        lógica?! Que lógica pode existir quando estamos a ser duplamente penalizados, pois estamos “congelados” como todos os outros colegas e, pior, não fomos reposicionados, sendo que deste grupo, existem professores com cerca de 20 a 30 anos de serviço?! Lógico seria reposicionarem-nos e ficarmos “congelados” com todos os outros, isso sim, seria tratamento igual!

      • Mário Martins says:

        A reposição tem de ser feita ANTES do descongelamento da carreira docente. O princípio da igualdade de tratamento entre professores assim determina. Depois faça-se o descongelamento ao messo tempo.

    • Rosária says:

      Concordo Virginia!

  3. JgMenos says:

    No deserto das boas intenções sempre surgem os pretensos iluminados que criam o seu mundo virtual a que chamam universo.
    «É para isso que sou pago – não para ensinar, mas para fazer aprender»
    Dogma primeiro da idiotice militante!

    • Meu caro, se quiser perceber o que eu escrevi… repare, de que serve eu ensinar, se eles não aprenderem?

      • Rosária says:

        Concordo João Paulo! O aluno tem que gostar da escola e gostar de aprender!

  4. E falando sobre os concursos extraordinários, outra medida necessária é o fim de vagas exclusivas a docentes contratados, onde os docentes do quadro não têm acesso! Não tem lógica alguma haver um docente do quadro a 300km da sua residência e ser colocado em qzp da sua residência um contratado sem esse docente ter hipótese de concorrer a essa vaga.
    Para isso, tem de acabar com a diferença temporal entre os concurso externo (anual) e interno (quadrianual ou quando lhes apetece).

  5. marau56 says:

    40 anos? Por favor…

  6. Rosária says:

    Principio da igualdade no tratamento dos docentes, funções iguais, salário igual! Depois sim,ficamos congelados
    como os outros colegas!
    Não pode ser de outra forma!
    Também não concordo com os 40 anos de serviço! Só se for para trabalhar sem componente letiva, como vejo bastantes colegas!

  7. aoler o que escreve até fico com esperança que seja agora o bom caminho. Recordando o que vi como membro da A.Pais no tempo em que os “seus” ministros estavam no poder e as classificações que as poucas comparações com outros países permitiam aferir, fico apreensivo. A aposta em formação com carácter pratico na empresas irá implicar rescisão de parte dos profs..Os resultados são bons na Alemanha e Inglaterr (onde o meu neto passou de mau aluno em TVedras, para um dos melhores da turma – mas olhando para o registo da escola publica “nossa” (vossa claro) e a gestão umbigo centrada, fico apreensivo que vá para a frente. Enfim toda a organizçaõ auto centrada tem o perigo e a realidade de colocar os clientes em segundo plano; e a escola publica “nossa” confirmou isso muitos anos até hoje.

    • Vai desculpar a arrogância do comentário, mas em nenhum estudo internacional, temos muito a aprender com o Sistema educativo desses dois países. Obviamente, para uma escola inclusiva, seria importante a escola básica ter uma dimensão de aproximação às empresas. Duvido é que os patrões estejam disponíveis para esse contributo social. Obrigado pelo seu comentário.

  8. José Antunes says:

    Tanta conversa fácil! tantas frases bonitas, que ficam bem em qualquer sítio. Mas a prática, essa, é feita muitas vezes de momentos complicados, de problemas que se resolvem com trabalho e com empenho de todos. Quem quer fugir ao escrutínio? Porque é disso que se trata, de escrutínio. Pode ser feito por avaliação externa, de carácter formativo, sumativo, diagnóstico, seja lá o que for. mas tem de haver escrutínio. E deve implicar todas as partes: alunos, pais, professores, direções de escolas, autarquias, governo. Não vale a pena dizer que todos são bons, porque sabem que todos são diferentes. O que é preciso é dar oportunidade a que cada um possa ser melhor, a fazer aquilo que gosta e que o integre na sociedade (ou que a sociedade o inclua, com a sua individualidade). Mas que ninguém fique contente com aquilo que faz, se isso não for escrutinado. Que ninguém se atreva a autoavaliar-se sem ser avaliado. E não são os seus pares quem tem essa competência, sob pena de cheirar a corporativismo.

    • Obrigado pelo seu comentário, mas ou não percebeu ou eu não me expliquei. Mistura a necessidade de escrutínio com o corporativismo, por isso terá, escrevo eu, a pensar que os exames servem para avaliar os professores. É isso?

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