A carta de Bruxelas

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A carta enviada pela Comissão Europeia ao ministro das finanças é uma coisa perfeitamente normal – uma carta de trabalho onde se alerta para a necessidade de justificar o facto de o Governo não seguir a recomendação do Conselho Europeu para a redução de 0,6% do défice estrutural – e não permite nenhuma das conclusões que vi na comunicação social. Basta ler a carta. Não é uma questão de regras, e muito menos de não cumprir o acordado. Mas sim de trabalho em cooperação olhando para a realidade de cada país. E esta carta não é mais do que isso: uma carta normal de trabalho. O alarme criado na comunicação social nacional é inaceitável, porque prejudica o país. Quanto ao veto, seria inimaginável e nunca aconteceu. Portugal não está nessa situação. Toda a gente tem de ter juízo e não desejar o pior.

Aliás, o debate deve ser feito em torno do interesse nacional procurando um orçamento (OE2016) que seja, como muito bem coloca Nuno Garoupa, “o melhor para o futuro da economia portuguesa, independentemente do que pensa a Comissão Europeia”. Os argumentos perante a Comissão Europeia serão tanto mais fortes quanto se ajustarem a este objetivo: garantir a sustentabilidade da economia e perspetivar o futuro a médio e longo-prazo.

Recordo-me que em 2010, quando se discutia o OE2011, o problema era quase o mesmo. Escrevi um texto, que aqui recordo para quem tiver paciência de ler, que colocava o foco “num plano a 15 ou 20 anos. Um plano que contenha uma visão do país para o futuro, que seja transversal aos ciclos governativos (nada de credível se faz em ciclos de 4 anos), que tenha os seus objectivos inscritos na lei constitucional (onde esteja ainda inscritos limites ao endividamento e ao deficit público, bem como os princípios da ética e responsabilização do exercício de funções públicas), que coloque o foco na re-organização do país, mais realista e mais eficiente, centrada na nossa capacidade e engenho como povo e como país. Um plano que mobilize o país e afirme de novo que Portugal é viável, tem futuro e que os portugueses sabem disso e estão empenhados. Um plano que mostre o empenhamento de Portugal em resolver os seus problemas estruturais, tendo a folga temporal necessária para o tornar viável, eficiente e consequente. Mas também um plano que explique por que razão não o fizemos até hoje. Por que razão desperdiçamos as várias oportunidades que tivemos, não sendo capazes de fazer aquilo que então afirmaríamos ser capazes. Temos muito que explicar. Por isso, só seremos convincentes se inscrevermos estes objectivos e limites na lei constitucional. Só assim acreditarão em nós. Só assim perceberão que estamos conscientes e firmemente empenhados em cumprir os nossos compromissos e introduzir as reformas que são necessárias e urgentes para que o problema não se repita“.

Seis anos depois, é um texto muito atual. É pena estarmos a voltar a 2010 e sermos, aparentemente, incapazes de um debate sério sobre os nossos objetivos, os nossos interesses e aquilo que mais se ajusta ao que pretendemos.

 

Nota colocada às 14:11 (28/01/2016): A própria Comissão Europeia vem desmistificar o alarme geral criado em Portugal com uma simples carta. Diz o comissário que é só “um pedido de clarificação“. Já em Portugal, onde somos mais papistas que o papa e, aparentemente, gostamos de ver o circo pegar fogo, contra os nossos interesses, um jornalista da área económica, José Gomes Ferreira, dizia na SIC que a carta era um ultimato. Enfim…

Comments

  1. Helder P. says:

    Nada de surpreendente, há muito gente em Portugal, daquela que até anda com o crachá da bandeirinha na lapela, que sonha que as sete pragas do Egipto caiam sob o país para castigar o “herege” António Costa. A qualquer custo. Que se lixe Portugal, o que interessa é ter eleições e depressa.

    Patriotas cuja noção de soberania é a genuflexão por reflexo pavloviano aos ditames estrangeiros.
    Da comissão europeia também não se espera outra coisa que não um órgão de burocratas da cartilha liberal, que nunca se enganam e raramente têm dúvidas. São eles os únicos detentores da verdade, o dogma da política europeia. Os 3,0% de défice nominal foi Deus quem lhes comunicou em tábuas sagradas. Esta UE não é para esquerdas nem sociais-democracias. É uma teocracia.

  2. passossalazar says:

    é a comunicação social que temos, serva da narrativa da direita austeritária.

  3. Thief says:

    Já se sabe que nos próximos 4 anos vamos assistir a isto.A malta pafiana ainda não se resignou.

  4. Socialista sempre. says:

    São os tugas que temos ,estão agradecidos a quem lhes andou a ir aos bolsos durante quatro anos. que Deus lhes perdoe .

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  1. […] assunto, deveriam ser mais sérios e cautelosos no disparate público que temos vindo a assistir. A famosa carta de Bruxelas é um bom exemplo disso […]

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