Escola a tempo inteiro

IMG_20150108_083900Aí está o debate e, se a economia foi trocada pela política, também agora, no que à Educação diz respeito, fala-se de Escola, de Alunos e de Educação. Mérito, mais uma vez de António Costa.

Vamos então ao debate.

Segundo algumas informações que hoje vieram a público, o governo quer ampliar a oferta de Escola a tempo inteiro, permitindo que todos os alunos possam ter um espaço público de educação entre as 7h30 e as 19h30.

E, começo por acrescentar, que, num debate maniqueísta, onde tivesse que escolher entre um sim e um não, responderia sim.

Sem conhecer a proposta do governo, escaldado que estou com a miserável campanha que tem vindo a ser feita pela comunicação social, escrevo agora no plano dos conceitos, procurando argumentar com o que me vai na alma.

Hoje, a nossa organização social e em especial do mundo do trabalho, são diferentes de ontem. Creio que são múltiplos os factos que comprovam esta convicção – mais mulheres a trabalhar; pais e avós em simultâneo no mundo do trabalho; desregulação dos horários de trabalho; precariedade, etc…

Mas, se o mundo do trabalho está como está, as políticas governamentais que promovem a articulação entre a vida laboral e a família são quase inexistentes. Podemos, claro, colocar a coisa do lado dos miseráveis exploradores (não é ironia, é mesmo a aplicação de um adjectivo para classificar) que nas nossas empresas apostam nos Ferraris e não nos trabalhadores.

Obviamente, os famosos empreendedores que preferem os colaboradores aos trabalhadores têm uma boa parte da responsabilidade e nenhum governo pode demitir-se de regular o mundo do trabalho, bem como, de promover políticas de apoio às famílias.

Perante esta dificuldade social, não creio que a Escola, enquanto instituição, possa ser a responsável por responder a esta enorme fragilidade social. Não compete, por maioria de razão, aos profissionais da Educação, substituir as ausências parentais motivadas ou não pela pressão dos patrões.

É também evidente que as nossas crianças passam tempo em excesso na escola, nomeadamente em actividades curriculares. Qualquer puto do 2º e 3º ciclos tem mais de 30 horas de aulas por semana e, se a isso juntar, os trabalhos de casa e o tempo de estudo, está visto que “trabalham mais do que qualquer adulto.”

Será um erro procurar que as nossas crianças tenham mais tempo de escola, mas poderá ser uma vantagem ter mais tempo de educação não escolar.

Não é menos verdade que uma parte dos alunos – pelo menos na realidade urbana que melhor conheço – sai da escola e vai para o ATL e, muitos deles, foi de lá que vieram, pela manhã, para a escola. Ou seja, uma parte muito grande dos nossos alunos está, de facto, em contexto “escolarizado” cerca de 12h por dia.

Um excesso e quanto a isso, não há que ter medo das palavras – é tempo a mais.

Ora, nos últimos anos, mea culpa, fui fazendo um percurso intelectual que me levou do campo do ideal, para o território do possível. Não espero mudar o mundo todo de um dia para o outro, mas vou procurar mudar o mundo todo, uma pessoa de cada vez. Pelo menos, enquanto cá andar e isto dever ser parte da chamada crise de meia-idade.

E, da experiência que vou acompanhando em Gaia, vou vendo como a sociedade reage positivamente a uma experiência que permitiu abrir TODAS as escolas do 1ºciclo das 7h30 às 19h30.

Não, estou, neste momento, por não conhecer os detalhes da proposta, nada interessado em discutir as questões sócio-profissionais. Essas, terão comentário posterior. E, permitam-me, caros colegas professores, que procurem ver esta questão com olhos profissionais e não com os olhos pessoais, ok?

Parece-me também, pelo que escrevi acima, que, do ponto de vista dos alunos, o ideal será passarem mais tempo com a família. Mas, é realmente isso que se passa?

Os vossos alunos, quando deixam a escola às 13h30 têm depois acompanhamento em casa? Quando os meninos só têm aulas de tarde, os pais poderão ficar com eles em casa?

Não creio – parece-me que o mais comum será: sozinhos em casa ou sozinhos num ATL.

Assim, numa lógica de apoio familiar e de resposta a um problema social, penso que o equipamento social “escola”, enquanto espaço recheado por n equipamentos sub-aproveitados, pode ser utilizado para apoiar as nossas crianças.

Temos as bibliotecas, os pavilhões, os polivalentes, as salas, os computadores.

Quanto é o problema da escola receber os nossos jovens às 7h30m em vez de abrir portas apenas às 8h?

E, que dificuldade terá em ficar aberta até às 19h30?

Recursos materiais? Talvez?

Recursos humanos? Claro. Muitos. E não faltarão clubes e associações com muita disponibilidade para colaborar, por exemplo, na área desportiva ou musical.

Mas, penso que este não é o momento dessa discussão, a questão é ainda teórica.

Sim ou não à Escola a Tempo Inteiro?

Eu, respondo, sim à EDUCAÇÃO a Tempo Inteiro, como resposta à ausência de Educação.

É uma resposta para a sociedade de hoje, que quero mudar de modo a dispensar esta necessidade de mais Educação.

 

 

 

Comments

  1. Pois, pois, pois… eu sou um velho do Restelo. Penso o mesmo sobre isto que pensava quando a MLR e o engenheiro inventaram a ideia. Discordo e não preciso de muitas palavras para explicar que isto é terceiro-mundismo.

    • Oi, não estou a ver isto com os Lusíadas na mão, por isso não há velhos do Restelo quando se discutem ideias. Todas as tuas dúvidas são as minhas. Ponto. A minha dúvida é se a medusa tem mais desvantagens para os alunos do que vantagens para as famílias… Eu também andei e brinquei na rua. Tive três disciplinas no 12. Mas naquele tempo final dos anos oitenta, onde eu vivia, existia um sentido de comunidade, de bairro, de rua. Todos, na minha rua, tomavam contam e educam, mesmo os que estavam mais sós. Mas hoje isso não existe. Por outro lado reconheço a dúvida da escola ser vista como instrumento de guarda e não de educação e aprendizagem. Mas, para começar, aceito o debate.

  2. Helder P. says:

    Em princípio, não concordo. E digo em princípio porque pouco se conhece de momento. Mas ter as crianças de sol a sol dentro das escolas não me parece nada bom a vários níveis para o seu desenvolvimento.
    E como diz, os alunos já tem uma carga horária + trabalhos de casa bastante assinalável. Se as actividades forem do género teatro, música, pintura, etc fora do âmbito curricular até às 19h30, quando é suposto terem o tempo para estudar para os testes, fazer os trabalhos de casa? Durante a noite?
    Parece-me uma ideia mais a pensar nos pais que assim dispensariam um ATL para depositar os seus rebentos, que nos verdadeiros benefícios para as crianças.

    • A parte dos tpc é fácil— não há. Estudar? No tempo em que estão na escola. Claro que é uma medida apoio à família. E só vai quem quer.

  3. Ricardo Santos Pinto says:

    «Temos as bibliotecas, os pavilhões, os polivalentes, as salas, os computadores.»
    Tirando os Centros Escolares, quantas escolas primárias têm pelo menos uma dessas coisas? E o que ficariam as crianças a fazer até às 19.30 nesse depósito humano?

    • Viva, quanto às primárias, mas cidades, tens razão. Mas, por exemplo, em Rio Tinto ou em Almada, que alternativa temos para as crianças? Uma qualquer menos a escola?

  4. Elisa Veiga says:

    Concordo com o que aqui foi dito e subscrevo os meus cumprimentos

  5. Mais um contributo para o debate – A posição de Mário Nogueira sobre esta questão:

    https://youtu.be/2HUcWRsr-JY

    • Muito de acordo.
      Registe-se (entre outros factos) o que é referido:

      1- Vamos pôr em cima de aulas novas aulas?
      2- A relembrar as AECs no 1º ciclo antes das lectivas ou no meio, entremeadas com as lectivas propriamente ditas, algumas delas deixadas para o fim do dia?

  6. 1- Compreendo os argumentos apresentados no post, e considero-os pertinentes.
    Compreendo que a solução que passa pelos horários laborais das famílias compatíveis com a da prole em termos de novos esquemas de horário de trabalho seja, ainda, impossível de acontecer no nosso país. Temos demasiados patrões e poucos empresários que pensem de modo diferente da quantidade versus qualidade/produtividade. Muitos ainda despedem ou fazem despedir mulheres grávidas, quanto mais pensarem noutros esquemas laborais…..
    2- Confesso que certos conceitos como “escola” ou “educação ” a tempo inteiro me põem em guarda, tal como o aprender a aprender, os exames, o rigor e a avaliação formativa, o reter e o não reter, as áreas estruturantes e as nem por isso, os programas assim e logo depois nem por isso, as metas e as não metas, a Mª de Lurdes Rodrigues, o Crato e o Justino e mais a CNE e as associações de pais e mais etc….

    3- Resumindo: em vez de se lançar umas notícias genéricas cá para fora, que tal apresentá-las depois de devidamente pensadas, nomeadamente, a resposta ao básico:

    -Quem?
    – Onde?
    – Quando?
    – Porquê?
    – Com quê?

    Caso contrário, vamos lembrar o que frequentemente dizia o ex-comentador M Rebelo de Sousa:

    “As políticas do governo PSD/CDS até que são boas. A comunicação/explicação é que é fraca!”

    • Sim, estou de acordo em quase tudo. Mas, não creio que da parte do Ministro, tenha saído o que quer que seja. Nessa altura teremos, digo eu, a resposta a essas perguntas e a capacidade de, aí sim, discutir, a matéria em concreto. Por agora, estamos no plano das ideias, digo eu… Obrigado pelo comentário.

      • Fernanda says:

        João,

        De algum lado esta medida ou proposta de medida saiu.

        Ou não saia ou teria de ter saído já pensada e respondendo às questões que logo se colocam.

        Já basta a contra-informação da CS e da direita acossada.

        Eu gostava que medidas como esta e/ou outras futuras viessem já com respostas muito concretas porque estamos fartos, muito fartos e fartas.

        Mais do que nunca: Organizem-se (e expliquem.)

        Explique-se, também, e já agora, como se está a pensar repôr as 35h semanais de trabalho nas escolas. O que se vai ouvindo é do mais diversificado que se pode imaginar. E isto não é bom.

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  1. […] o escrevi e mantenho – sou completamente a favor de Educação a tempo inteiro, como resposta à não Educação. Houve um tempo – talvez o meu, em que a rua fazia parte da […]

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