Das confusões

A notícia apareceu ontem, o falso padre foi condenado em Tribunal por 22 crimes de usurpação de funções.

Estranhei  fiz a pergunta e passei por ignorante já que toda a gente me respondeu com o artigo do código penal. O artigo que diz que há um crime de usurpação de funções quando  se “exerce  profissão ou pratica  acto próprio de uma profissão para a qual a lei exige título ou preenchimento de certas condições arrogando-se, expressa ou tacitamente, possuí-lo ou preenchê- las, quando o não possui ou as não preenche”.

A minha questão , simples, era só se alguém que se faz passar por padre pode ser acusado do crime de usurpação de funções, crime esse previsto e punido no Código Penal Português na forma como atrás indiquei. Ou seja, trocando agora por miúdos, a profissão de padre, se é que isso existe, é uma das tais em que a  lei exige título ou preenchimento de condições? E lei, entenda-se, é uma lei da república.

Não vou discutir particularidades da lei e muito menos meter a Concordata ao barulho mas tão só constatar o facto de que, mesmo gente com formação jurídica, respondeu de imediato que claro que sim, que há usurpação de funções, sem se preocupar em pensar que as leis do Estado, as mesmas leis que são invocadas no tal artigo do código penal que citei, o único por onde se pode condenar alguém por usurpação de funções,  são diferentes das leis da Igreja e há muito que não devem ser confundidas e  pensar se  o Estado deve e pode zelar assim pelos interesses da Igreja e considerar que um falso padre se enquadra nos crimes contra a autoridade pública já que é a autoridade pública que se tenta proteger quando se consagra na lei um crime de usurpação de funções.

O Estado é laico, diz na Constituição, mas nós, todos nós, e este todos nós é muito abrangente,  de laicos temos muito pouco. Digamos o que dissermos, está enraizado, é quase automático, a lei da Igreja é a lei da República.

Comments

  1. Maria Fernandes says:

    Eu não lhe vou responder com o código penal, pois nem sou advogada, mas vou-lhe tentar responder como cidadã Portuguesa, por acaso ateia, mas que até concorda com esta lei e com a punição aplicada, do ponto de vista humano, isto é, na óptica das pessoas que foram enganadas e que pedem que se faça justiça.

    Concordo consigo que Estado é Laico, mas dá a certas organizações o poder de reconhecer (ou não) certas profissões. A Ordem dos Médicos reconhece os Médicos, a Ordem dos Advogados reconhece os Advogados, a Ordem dos Contabilistas Certificados reconhece os Contabilistas Certificados, etc.. E a Igreja Católica reconhece os Padres Católicos, a igreja Protestante Evangelista os Pastores Evangelistas, etc.. Concordo que as Igrejas não devem ser tratadas com especial favor, mas também não devem ser tratadas desfavoravelmente em relação às outras organizações (ex. Ordens Profissionais). Concorda?

    Além disso, a lei neste caso não está a proteger a religião. A lei está a proteger as pessoas religiosas que confiaram neste Padre falso e foram defraudadas. E, se há um grupo de cidadãos, que tem uma determinada crença, eles devem ser defendidos pois a liberdade religiosa também faz parte da Constituição Portuguesa, não acha?

    Neste caso os cidadãos são Católicos, mas poderia ser outra crença qualquer. Os Católicos acreditam que se se confessarem a um Padre “certificado” pela Igreja Católica serão perdoados dos seus pecados e se forem à missa e esse padre “benzer” o pão eles estão a comer o corpo de Cristo. Você e eu, podemos não acreditar em nada disso, mas como seres humanos empáticos, será-nos possível imaginar quão defraudadas, usadas, frustadas e desprotegidas estas pessoas que confiaram naquele individuo se sentem depois de saberem que afinal não era um “padre certificado” e que andaram este tempo todo a contar os seus pecados a um estranho e a comerem pão (em vez do tal corpo de Cristo)… E, muito mais grave, as missas com celebrações de casamentos, baptismos, funerais, que esse falso Padre celebrou e que, para esse conjunto de cidadãos Católicos, agora não têm valor nenhum, porque na crença deles agora essas cerimónias não valem nada (e quem se casou ou baptizou ainda pode repetir a cerimónia, mas um funeral…). Consegue-se pôr no lugar destas pessoas por uns minutos?

    Espero que depois desta explicação, consiga ver que existiram pessoas lesadas por este indíviduo e, assim sendo, efectivamente houve um crime cometido contra estes cidadãos, crime esse de usurpação de falsa identidade de Padre. Se houve um crime, deve também haver punição. Para além de tudo mais, ele ainda burlou e roubou!

    • José Gonçalves says:

      Parabéns pela sua lucidez desempoeirada, tornada ainda mais evidente pelo anti-clericalismo beato do artigo. E não, a beatice não é exclusiva dos religiosos: há beatos do futebol, da política partidária, do politicamente correcto, etc.

  2. Nos termos da Concordata, um padre católico pode casar, com os mesmo efeitos de um casamento na Conservatória do Registo Civil (à qual, naturalmente, tem a obrigação de enviar o duplicado do assento paroquial, a fim de se assegurar a unificação de registos). Parece-lhe pouco?

    • José Gonçalves says:

      Parabéns pela sua lucidez desempoeirada, tornada ainda mais evidente pelo anti-clericalismo beato do artigo. E não, a beatice não é exclusiva dos religiosos: há beatos do futebol, da política partidária, do politicamente correcto, etc.

      • José Gonçalves says:

        Publiquei fora de sítio! Referia-me ao primeiro comentário de todos.

  3. José Lima says:

    Subscrevo absolutamente tudo o que está escrito no primeiro comentário. É uma pena que a Teresas autora do artigo, como tantos outros pretensos “laicistas”, confunda o Estado laico (Estado que não sobraça oficialmente qualquer religião), com Estado ateu ou irreligioso, isto é, o Estado que não só nega a existência do fenómeno religioso como combate abespinhadamente qualquer manifestação pública deste.

  4. teresa says:

    Pondo a questão de outra forma. Se um médico for considerado culpado de um crime de pedofilia cometido no exercício da sua profissão pode ser condenado, para além da pena principal, a não poder exercer a profissão durante um determinado número de anos. E se um padre for condenado pelo mesmo crime, poderá um tribunal impedi-lo de rezar missas?
    Obviamente que aquele homem cometeu vários crimes, entre eles os de burla, mas continuo a acreditar que se o que separa um padre de um falso padre é a ordenação, e esta é um sacramento segundo a doutrina da Igreja, não deve o Estado meter-se nesses assuntos porque só deverá aferir se profissões para as quais ele próprio exige determinadas competências estão a ser ou não exercidas segundos as regras que a lei exige e penso que um sacramento não faz parte das leis da República.

    • Maria Fernandes says:

      Houve de facto um CRIME cometido pela igreja Católica de encobrimento de padres pedófilos, que durou décadas (se não séculos!). Não tem qualquer desculpa e os culpados, e os que ajudaram a encobrir, deveriam ser todos punidos e infelizmente não foram.

      Entenda, por favor, que com o meu comentário não estou a defender a igreja Católica, pois eu condeno e abomino o que a igreja fez ao longo da história e acho que TODAS as religiões, obscurantismos, clubismos e fanatismos são um atraso para a humanidade. Apenas não concordo com os seus argumentos, pois, na minha opinião, parece-me que a senhora está a misturar conceitos. Vamos por partes:

      1) «Se um médico for considerado culpado de um crime de pedofilia cometido no exercício da sua profissão pode ser condenado». É verdade!… «para além da pena principal, a não poder exercer a profissão durante um determinado número de anos», isso já não é bem assim, pois é a Ordem dos Médicos que vai decidir em relação a isso. Em cada profissão regulada existe um Código Deontológico e, todos os profissionais que não cumprirem com esse código serão penalizados e a pena máxima é perder a carteira profissional.

      2) «E se um padre for condenado pelo mesmo crime, poderá um tribunal impedi-lo de rezar missas?» – Sim, bastará dizer que não pode ficar a mais de x metros de uma criança/adolescente e ele não poderá celebrar nenhuma missa com crianças/adolescentes presentes, tal como a um Médico poderá fazer o mesmo nas suas consultas. E, a igreja Católica deixou nenhum padre condenado por pedófilia celebrar missas? Acho que não… Fez MUITO PIOR, eu sei! – OCULTOU os crimes, protegeu os padres transferindo-los para o Vaticano e, como é um Estado soberano, os outros países não puderam fazer justição e condená-los – mas “tecnicamente” nunca foram condenados, logo o Estado Português não poderiam impedi-los de exercer a sua profissão (tal como a um Médico que não tivesse sido condenado e fosse apenas acusado de um crime).

      3) Acho que a grande confusão está aqui: O Estado não «exige determinadas competências», são as Ordens Profissionais é que exigem do Estado que faça leis para reconhecer as Ordens como organizações competentes para reconhecerem uma determinada Profissão mediante um certo número de exigências. Basta observar, por exemplo, o caso dos Técnicos Oficiais de Contas (recentemente renomeados Contabilistas Certificados): Há menos de 2 décadas atrás não era necessário ninguém assinar as escritas (e era “para o lado que o Estado dormia melhor”). Quem se preocupou com isso foi, a então, Associação da Ordem dos Técnicos de Contas, que lutou para que fosse obrigatório na lei a definição da profissão de TOC e que os seus estatutos internos fossem reconhecidos na lei. E a organização foi crescendo, e de Associação passou a Câmera, e de Câmera passou a Ordem, e hoje em dia trata de tudo relativo à profissão de Contabilistas Certificados… É assim que se regulam as profissões, através de Organizações Externas e Independentes do Estado, sejam Médicos, Advogados, Contabilistas, Padres, Etc., Se conseguir olhar apenas para a questão meramente profissional e esquecer, por uns segundos, todas as m#$%@s que a igreja Católica fez (é difícil porque foram muitas!) e olhar para a instituição apenas como uma Organização Profissional, como tantas outras, vai ver que descomplica e mais facilmente vai entender porque é que a justiça aplicou a pena ao falso Padre de um crime de usurpação de funções.

      4) E, pessoalmente, acho que, simplificar o acesso à profissão de Padre ao Sacramento da Ordenação, seria o mesmo que dizer que um Médico (Advogado, Contabilista, etc.) é Médico por causa de ter ido à cerimónia de entrega dos certificados aos novos membros… Em ambos os casos, é preciso um longo caminho para chegar a essa cerimónia: Um curso superior, um estágio (e é exactamente os mesmo com os Padres… Aliás, o curso de Teologia é superior e dura 6 a 7 anos, e têm que ir fazer uma espécie de estágio e, quando os padres vão para outros países fora da Comunidade Europeia, é necessário terem um visto de trabalho, por isso são tratados como outra profissão qualquer).

      Na minha opinião, o facto de tratarem este falso Padre como tratariam se fosse um falso Médico, prova exactamente o contrário, que o nosso Estado Laico trata os Padres como os profissionais que são (e não como seres superiores aos outros, com regras diferentes e que têm que ser tratados numa entidade à parte). Assim, até tenho esperança que, se algum Padre voltar a ser acusado de pedófilia, seja logo encarcerado por perigo de fuga para o Vaticano e julgado em Portugal.

      E, para quem acha que ser padre não é uma profissão num Estado Laico, só digo uma coisa: Consultem a Tabela de actividades do artigo 151.º do CIRS no código n.º 1210 – Sacerdotes de qualquer religiã”. Se a profissão existe para as Finanças (tal como Médicos, Advogados, etc) então existe para o Estado Português… E, ainda bem, pois eu pessoalmente quero é que eles paguem impostos como todos os outros profissionais!!!

    • Coplaartemayor says:

      Partilho integralmente a opinião da Teresa e a pertinência do seu argumento (os “padres” não podem ser proibidos de “padrear”… exactamente porque o “padreamento” não é função a que a lei reconheça estatuto especial – os artistas da IURD até têm “bispos” e vestem-se de “rabis” para abrilhantaram os mega-shows de “salvação financeira”.

      A única razão pela qual podiam condenar o artista era por burla.

      Mais um exemplo da qualidade dos recursos humanos afectados à função judicial…

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