PSD, CDS-PP e PCP unem-se contra os direitos humanos em Angola

LB

Neste momento estão presos em Angola 17 cidadãos cujos crimes foram ler um livro, cantar música de intervenção e debater modelos de transição pacífica de uma ditadura para um regime democrático. E ao contrário do que se passa com outros regimes repressivos, o regime angolano é tratado como se democrático fosse. E ninguém pede um golpe de Estado. Se Lula da Silva fosse pedir emprego a José Eduardo dos Santos em vez de pedir a Dilma Roussef, safava-se bem e ainda arranjava um espaço de comentário político num jornal cá da terra.

Habituados a ver sucessivos governos beijar o anel ao regime de Luanda, com o ocasional e humilhante pedido de desculpas de um qualquer ministro despido de espinha dorsal, dois dos partidos que suportam o actual governo – PS e BE – apresentaram votos de condenação da conduta do governo angolano. Não tenho recordação de um governo português cujo partido tenha tido a ousadia de afrontar desta forma o reino de terror do clã Dos Santos. Infelizmente, a votação das propostas foi uma repetição daquilo que tinha já acontecido em Janeiro, com PSD e CDS-PP a reafirmar a sua lealdade a Luanda – Paulo Portas é um quase-herói por aquelas bandas – e o PCP a mostrar que a defesa dos direitos humanos é circunstancial. A cobardia repetiu-se.

E se a cobardia é, por si só, revoltante, as declarações com que os partidos defensores do regime angolano justificaram o seu chumbo são no mínimo bizarras. O PCP destaca a soberania, que deve ser imune a ingerências externas, afirmando o direito do seu povo decidir, apesar de estarmos perante uma ditadura em que o povo não decide nada. Porque se decidisse, a corte de Eduardo dos Santos não seria multimilionária e o sistema de saúde angolano não se assemelharia tanto a uma morgue.

Por seu lado, PSD e CDS-PP escudaram-se por trás da soberania, do respeito pela separação de poderes – como se ela ali existisse – e da não-ingerência nos assuntos internos do estado angolano. Estamos a falar dos mesmos partidos que legitimam, vezes sem conta, invasões e ingerências em assuntos internos de outros estados soberanos sem nunca pestanejar. Iraque, Afeganistão, Líbia ou Síria são apenas alguns exemplos entre os mais recentes. Na falta de justificações para o injustificável, imperam as desculpas hipócritas de quem há muito se habituou a olhar para problemas iguais de maneiras distintas. A expressão máxima da hipocrisia, da contradição e do absurdo está bem patente nas declarações de Duarte Marques, o humorista de,pu,tado, que num dia condena a conduta do regime angolano para três dias depois votar contra essa mesma condenação. Afirmar que “por princípio que o Parlamento português, como qualquer órgão de soberania, não se deve intrometer em assuntos de justiça de qualquer outro Estado soberano, exceto em situações muito concretas e excecionais desde que estruturantes ou definitivas e, sobretudo, em matéria de direitos humanos” é pura e simplesmente ridículo e abjecto.

Temos, então, uma coligação improvável que junta PSD, CDS-PP e PCP na defesa da ditadura angolana. Três partidos demasiadamente cobardes para defender os direitos humanos daqueles que mais não fizeram do que ler, debater e procurar soluções nos princípios mais elementares da democracia. Como português, mas sobretudo como ser humano, sinto-me envergonhado e triste. Os meus pensamentos estão com estes corajosos activistas que ousaram desafiar o poder absoluto de um regime repressivo, sacrificando-se por uma nação oprimida e pobre, governada por uma elite violenta e rica. Não é preciso ser muito instruído para perceber onde está o bem e o mal. Pena que tantos optem por defender o segundo.

Mural de Octávio “Slap”, Amoreiras

 

Comments

  1. Konigvs says:

    Nem sabia da notícia, mas de facto por vezes o PCP surpreende pela negativa. E não estivéssemos aqui no caso, até a falar do partido que mais anos lutou ativamente, e na clandestinidade, contra a ditadura em Portugal.
    Ou então acham que Angola é uma democracia.

    • Rui Silva says:

      Sim, o PCP considera que a ditadura é boa, desde que seja de ideologia comunista. Sempre assim foi.
      Realmente lutou contra a ditadura portuguesa, mas com o propósito de instaurar outra.
      Álvaro Cunhal foi o maior opositor ás primeiras eleições livres em 1975.
      O caramelo achava que uma vez derrubado o antigo regime, bastava que os comunas assumissem o poder e estava tudo bem. Para quê perder tempo com eleições ? Se o que o Povão queria era uma ditadura do proletariado ?
      Em relação ao PSD(P.artido S.ocialista D.isfarçado) o que é que estavam à espera ? É a táctica na persecução da estratégia.

      cumps

      Rui SIlva

      • Sobre o CDS, nada?

        Já agora, em que planeta é que o regime angolano é comunista?

        • Rui Silva says:

          Sim tem razão, se Angola estivesse sobre um regime comunista seria muito pior do que já é. Seria do género de Cuba, Coreia, Venezuela isto para falar nos mais conhecidos.
          Em relação ao CDS (C.entro D.emocratico S.ocialista), tal como o PSD é mais uma jogada tática, para cumprir a estratégia.

          cps

          Rui SIlva

          • O seu mundinho alucinado é genial meu caro amigo troll. Nunca deixe de passar por cá, o seu humor faz me falta 🙂

    • Uma contradição intrigante, não lhe parece? A mim parece.

  2. Carvalho says:

    Qual é a surpresa?
    No que toca a estar a cagar-se para a verdade e preferir a distorção da realidade em prol do que lhes dá jeito, PCP, PSD e CDS são especialistas. Se um diz “Mata!”,…
    Qual é a surpresa?

  3. Sinceramente não entendo (mais) esta do PCP.
    Acho mesmo uma traição com grande parte do seu eleitorado.
    Se tivessem dito em campanha que eram a favor da prisão dos activistas angolanos e a favor da tirania angolana, teriam uma votação residual.
    Fico a pensar que se o Donald Trump tivesse um cartão do PC eram por eles apoiados.
    A atitude do PCP é pelo menos VERGONHOSA.

    • atentoàs cenas says:

      já com a líbia foi a mesma coisa, tambem achou má a ideia do derrube do ditador
      depois o tempo veio a dar-lhes razão, mas, como diz a outra: isso agora não interessa nada

      • Eu gostava de saber o que “motiva” ou obriga o PCP a votar assim… Acho que Cunhal deu uma volta na tumba. Pelos mesmos motivos foram presos muitos camaradas antifascistas.
        Não consigo arranjar meia justificação para tal ato. Só a direita poderà cinicamente perceber, eu não. É triste mas é verdade.

  4. Hélder P. says:

    Sou eleitor frequente da CDU mas tenho perfeita noção que em relações internacionais o PCP é uma nódoa pela sua intransigência. Se o próprio MPLA já se diz “social-democrata” e não mais “marxista-leninista”, um partido com um jogo de cintura mais inteligente teria aproveitado a deixa para se desvincular de tão nefasta colectividade. Mas não o PCP, no PCP as mudanças vem muito devagarinho e tenho pena que assim seja.

    • Rui Silva says:

      Caro Helder P.,
      O PCP sendo marxista-leninista não pode mudar. O marxismo-leninismo só pode ser aplicado em ditadura. O ser-humano em liberdade não admite a ideologia comunista .
      Quando o PCP mudar nesta questão pura e simplesmente desaparece. Como se costuma dizer: “é da Lapalisse”.

      cumps

      Rui Silva

      • Helder P. says:

        O que é de La Palisse é que o Rui também tem uma cassete encravada no esófago e não consegue mudar. A cassete de quem acha que é dono da “realidade” sem espelhos e só vê defeitos na ideologia do outro.

        Mas já nos vamos habituando a desmontar essa cassete aqui no Aventar.

        • Rui Silva says:

          Ai a doce ilusão. Desmontar a realidade! Como se isso fosse possível.
          Veja o que aconteceu por toda a Europa após a queda do Muro de Berlim.
          O único que resistiu foi o PCP. Porquê ? Porque não mudou. Mantém-se fiel aos velhos e ultrapassados dogmas marxistas.

          cps

          Rui SIlva

        • A cassete troll 🙂

  5. Carlota says:

    Que mal fizeram aqueles activistas? Onde fica a liberdade de expressão? Na condenação.
    A própria Constituição, diz o seguinte: A República de Angola promove e defende os direitos e liberdades fundamentais do Homem.
    Artigo 23.º
    (Princípio da igualdade)
    1.Todos são iguais perante a Constituição e a lei.
    2. Ninguém pode ser prejudicado, privilegiado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão da sua ascendência, sexo, raça, etnia, cor, deficiência, língua, local de nascimento, religião, convicções políticas, ideológicas ou filosóficas,grau de instrução, condição económica ou social ou profissão.
    Onde estão os direitos destes cidadãos? No papel.
    Cambada de besoures, PCP, PSD e CDS, moralistas da treta.Podiam ir para Angola, mandar algumas papaias ao Eduardo dos Santos, lerem a bíblia, benzerem-se com água de coco.,Cuidado com as leituras, parece que existe livros censurados. Farta de tanta santidade…. tapem os olhinhos…políticos fantoches.

  6. anónima says:

    Que outros parlamentos (de outros países) condenaram a sentença? Que outras sentenças (de outros países) foram condenadas pelo parlamento Português? Claro que neste caso Portugal, como ex-potencia colonial, tem obrigações especiais relativamente à Angola …

  7. anónima says:

    O único partido oportunista neste processo foi o PS. Porque das duas uma:
    – o PS acha que em Angola não vigora o Estado de Direito em regime democrático (possivelmente com insuficiências – ver, por ex. o Brasil). Vigora portanto uma ditadura. Neste caso tem a obrigação de promover um corte no relacionamento entre os dois países (sanções, saída do capital financeiro, …);
    – caso contrário, não faz qualquer sentido um Órgão de Estado Português pronunciar-se sobre uma decisão judicial de Angola.
    Isto não significa que cada um de nós, a nível individual ou através de associações, não emita opinião é não tente pressionar o Governo Angolano. Mas do ponto de vista formal, não faz sentido uma tomada de posição do Parlamento Português.

    • Concordo que o PS é oportunista. Comparar Angola com o Brasil é, contudo, delirante. No Brasil existe um sistema judicial independente do poder executivo, existem outros poderes na sociedade quiçá bem mais fortes que o poder executivo actual, e não é essa a situação de Angola. Portugal tem responsabilidades para com Angola que advêm da história, dos laços linguísticos, etc, e não podemos fazer de conta que não existem. Um dos presos políticos tem dupla nacionalidade e é Português. Dar o argumento que outros países não condenaram, é um argumento que não colhe. Relembro a importância que o nosso país teve nos anos 90 na condenação ao regime da Indonésia pelas atrocidades em Timor, que na altura o resto do mundo ignorava. Na altura criticávamos os Estados Unidos e a Austrália pelas relações com a ditadura Indonésia. Mas adiante.. Em relação a este caso em particular, ninguém em Portugal parece questionar que se tratam de presos políticos, pois não fizeram mais que expressar opiniões. Reuniram-se, sem armas nem incitação à violência, e não cometeram qualquer crime à luz de qualquer Estado de Direito Democrático. Não condenar uma decisão emitida por um tribunal fantoche, num julgamento completamente parcial relativo a um imaginário golpe de Estado, tem um nome feio e não, não é “ingerência”. Chama-se cumplicidade!

      A verdade é que aliás “ingerência” nem faria sentido. Portugal é que é o quintal da família Dos Santos, como escrevi noutro lado. Se existe colonização ou arrogância é da parte de Angola em relação a nós, neste momento da História. E nem é preciso relembrar o nosso Rui Machete de joelhos perante os seus patrões angolanos pela maçada das investigações judiciais… “Peço imensa desculpa, isto não volta a acontecer”

      • anónima says:

        Portugal não tem qualquer responsabilidade para com Angola! Esse é que é o erro paternalista e neo-colonialista que esta tomada de posição do Parlamento traduz! O que em nada inválida a análise que a sociedade civil faça da situação Angolana ou Brasileira ou dos EUA. Mas o Parlamento Português é um Órgão de Estado!

        • Paternalismo??? Você entendeu a referência a Timor Leste? Neo-colonialismo??? What??

          • anónima says:

            Então só resta ao Parlamento criar uma comissão permanente de análise dos direitos humanos no mundo e pronunciar-se sobre todas as violações. Pode começar por protestar de cada vez que for aplicada a pena de morte nos EUA. Ou que os tribunais ilibam polícias brancos de matar cidadãos negros.

      • anónima says:

        Concordo com toda análise que faz da situação Angolana. Mas a nível individual. Se o PS acha que o Estado Português também faz essa análise, então só tem de ser consequente: em vez de tomar “boa nota” num papel a que depois limpou o rabo, ao mesmo tempo que reúne com Isabel dos Santos para aprovar negócios na banca, devia ser coerente e avançar para outras medidas concretas. O que fez no Parlamento foi um exercício cínico de política.

      • anónima says:

        “No Brasil existe um sistema judicial independente do poder executivo”
        Concordo. Mas então que sentido fazem as críticas de “golpe de Estado”, de ” ingerência dos EUA “, …? Que sentido faz discutirmos as decisões da justiça Brasileira como se dum país do 3o mundo (passe a expressão) se tratasse?

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