Entrecampos a feia e desorganizada

entecampos placa

Paralelamente aos múltiplos encantos com que se deleita o visitante em Portugal, ele não deixará, também, de constatar certas especificidades que dificultam a vida, acima de tudo a dos habitantes locais, sem que isso a estes provoque a menor agitação. Será por indiferença? Resignação estoica? Propensão natural?

Uma dessas especificidades é a falta de capacidade de organização portuguesa; eu chamar-lhe-ia uma incapacidade endémica e iria até mais longe, aventando que poderá tratar-se de uma rejeição alérgica da população portuguesa à organização.

É ela visível por todo lado, mas há alturas em que uma pessoa colide em força, como é o caso daquela abominável estação de Entrecampos. Primeiro, temos o abalo provocado pela perversidade da construção, cujo arquitecto deveria ser forçado a utilizar todos os dias, inclusive fins de semana, para se poder aperceber em toda a extensão da monstruosidade que projectou. Porque aquilo é um bofetão em forma de feiúra.

Abananado, o viajante entra no pesadelo cinzento de nariz no ar em busca de orientação, carregando a mala e talvez à beira de chegar atrasado. Se calhar não sabe português, porque enfim, cada vez há mais turistas e já em 2012 Entrecampos era “a mais movimentada de todas as estações ferroviárias portuguesas, com 405 comboios (no total dos dois sentidos) em cada dia útil”. Com ligações que vão do Norte ao Sul do País, não deverá faltar gente a quem daria muito jeito ler ou ouvir informações em inglês… mas isso seria talvez um luxo.

À entrada encontra-se uma visão geral com indicações; mas cheio de pressa, o visitante que ainda não conhece bem o país e quer ir para Faro, não faz ideia se a linha relevante para o seu destino será a de Sintra, de Azambuja, do Sul Coina/Setúbal ou do Oeste. A seta dos comboios aponta para cima, mas esta estação tem mais do que dois pisos… Não há guichet para informações e nas bilheteiras a fila é em geral longa e lenta.poste indicativo entrecampos

Ainda de nariz no ar e já com o coração apertado, descobre o esforçado viajante um pouco à frente um minusculinho écran que sim, mostra os destinos dos comboios e a respectiva linha de partida. Agora note-se que em toda a estação existem 5 (!) destes mini-monitores informativos – um em cada entrada, mais um para quem vem do metro – significando isto que, para encontrar um deles, pode ter-se que andar perdido pelos desolados espaços o tempo suficiente para perder o comboio pretendido. No segundo piso nem um único mini-monitor à vista!monitor

O viajante, que neste caso como foi dito deseja ir para Faro, fica então a saber que tem de ir para a linha 4, embora o número do comboio que tem no seu bilhete por alguma ignota razão não coincida com o número indicado no monitor.

Inicia então a aventura da procura da escada rolante adequada, arrastando a sua eventualmente pesada mala. Ah!, lá está, mas vai até ao piso do meio e acaba; é preciso procurar a continuação. Não, esta mais perto só vai para baixo, é mais à frente, sim essa. Lá chega ao piso certo e à linha 4 e quer confirmar no dístico pendurado no alto da linha se está no sítio certo. Qual o quê, segundo o dístico, vai passar o comboio para Coina e não o intercidades para Faro. Pergunta às pessoas, sim, sim, está certo ali. Mas a hora aproxima-se e o dístico não muda. Finalmente, apenas 2 minutos antes da suposta partida do intercidades para Faro e ainda sem que tenha passado comboio algum para Coina, o dístico finalmente indica o comboio certo! Já saber onde vão parar as carruagens de primeira e segunda é apenas um sonho totalmente impossível de realizar, pois não há indicação nenhuma, ou seja, há que correr no fim, depois de perguntar a algum controlador ou entrar à balda e depois percorrer o comboio a arrastar a mala pelas carruagens.

Como por acaso falo português, resolvi, num dia em que apenas a 10 minutos da partida do comboio nem no raio dos minúsculos monitores a indicação estava actualizada, postar-me numa fila para o guichet das bilheteiras para pedir um livro de reclamações, a fim de reclamar contra este verdadeiro caos. Esperei a minha vez na fila, colocando assim em risco a tomada do comboio. Pois não é que a sra. do guichet, à qual expressamente disse que queria reclamar, não contra ela, que obviamente não era responsável por este estado de coisas, mas contra os responsáveis, se vira contra mim por ter essa veleidade? E mais me disse que o comboio para Faro não pára em Entrecampos, apenas passa em Entrecampos.

Vá se lá perceber esta lusa alma…

 

Comments

  1. há uma coisa que não percebo e que me complica a vida em Portugal, saber onde se encontra a carruagem correspondente à reserva.
    Em França há um sistema que existe desde há mais de um século e que funciona lindamente.
    Reparei até que a estação do Oriente foi até preparada para isso de forma embrionária.
    As estações e gares, mesmo a pequenas, têm os cais divididos por sectores de A até Z (conforme o comprimento).
    A distância regular há uma letra (A, B, etc.) dependurada dum poste.
    No cais há um indicador com as próximas partidas e a composição dos comboios. Nas grandes há pelo menos dois ou até quatro destes indicadores, em cada cais.
    Antes eram manuais e hoje são electrónicos.
    Que se pode ver no tal indicador ?
    Uma representação dos comboios, tipo imagem miniatura.
    No sítio onde estamos há um disco a dizer (está aqui) e, ao longo do comboio podemos ler o n° da carruagem e as tais letras A, B, C, etc.
    E também indica o n° e o horário do comboio.
    Com o bilhete na mão, procuramos a hora e o n° do comboio.
    Quando encontramos este, procuramos o n° da carruagem e a letra mais próxima da porta.
    Suponhamos que vou apanhar o comboio n° 4373, com partida às 12h45 em direcção de Lyon, e que tenho marcação para a carruagem n° 23.
    Procuro o boneco do comboio n° 4373, com partida às 12h45 (se vem com atraso não tem importância aqui) e a carruagem n° 23. As letras mais próximas são as V e W.
    Ando até à letra V e ponho-me mais ou menos perto do W em função do desenho que vi.
    Quando o comboio chega, a porta da minha carruagem fica logo ali à minha frente, ou quase.
    é só subir.

    Em França nunca vi ninguém a correr como desalmado à procura da carruagem. A menos que seja um atarantado ou turista português ou espanhol.

    E notem que até há poucos anos, os tais painéis eram feitos à mão !!!! como quem compõe quadrinhos para animar crianças da pré-primária !

    Será assim tão difícil ?

    • Ana Moreno says:

      O Sr. fala-me do coração. Quando se sabe que é possível e fácil, não se entende porque não se faz, abandonando as pessoas à sua sorte desorientada. Obrigada pela explicação, pode ser que tenhamos todos a sorte de alguém relevante a ler e enfim, iniciar uma mudança 🙂 Eu também, quando a Sra. do guichet ainda começou a discutir comigo defendendo aquele sistema indizível, escrevi na reclamação que, se não sabem fazer, que vão aprender onde já há feito. O maior absurdo é quando as pessoas começam a defender uma coisa que é contra elas próprias.

  2. j. manuel cordeiro says:

    Ainda recentemente andei às voltas na estação de Entrecampos à procura desse malfadado monitor com os comboios e as linhas. Estive na plataforma, desci um piso, desci outro pisos andei de ponta a ponta em cada um deles até que, por fim, descobri-o à saída do metro. Já vi muitos maus exemplos quanto à informação na CP, mas esta o caso desta estação bate todos os outros.

    Mais, sendo verdade que em Portugal abundam as falhas de organização, a CP consegue ser a número um neste aspecto, a nível nacional. Não é de agora. A CP sempre foi mal organizada e sempre teve péssimo serviço, ao qual se alia uma tremenda falta de educação na forma como trata os clientes. É uma cultura transversal na empresa, que vai desde a forma como as infraestruturas são concebidas, passando pelos horários e terminando na informação e no atendimento.

    Uma pena, pois as vantagens sobre o transporte privado são imensas.

  3. sinalética tipo Metro seria um princípio de solução.
    A regra de base para a orientação de fluxos de passageiros é :
    Se não há sinalização, vá enfrente.
    Mas para isso é preciso que haja uma primeira informação e, a dado momento, outra que lhe indique a nova direcção.
    em vez disso a CP acha que painéis de informação “grandes e no meio” com toda a informação ao mesmo tempo e multiplicação se setas e vectores em todos os sentidos é que são a solução.
    Por último, que se lixe a estética :
    uma sinalética tem de ser VISÍVEL !
    e não aqueles painéis discretos ao nível do corrimão, da gare do Oriente.

Trackbacks

  1. […] falta de organização da estação e aos WC pagos, mas que às 20:00 já encerraram – como se sabe, as necessidades estão […]

Discover more from Aventar

Subscribe now to keep reading and get access to the full archive.

Continue reading