O tédio dos alunos

calvinchatice5rmOntem, foi publicada uma reportagem com o título «Para que a escola não seja uma “catedral do tédio” é preciso que os alunos contem».

O ponto de partida é um estudo internacional da Organização Mundial de Saúde sobre a adolescência. Em Portugal, e citando o Público, «apenas 25% dos alunos portugueses com 15 anos disseram que gostavam muito da escola. Mais concretamente, põem em causa as aulas, que consideram aborrecidas, e a matéria que ali é dada, descrita por eles como sendo excessiva.»

O Público pediu a opinião de seis jovens que integraram o projecto Dream Teens e consultou, ainda,  Ilídia Cabral, docente da Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Portuguesa, para além de dois professores, Ricardo Montes, autor do ProfLusos, e Luísa Mantas, antiga mediadora do EPIS.

Em resumo, as aulas, em Portugal, são aborrecidas e os alunos deveriam ter uma palavra (eventualmente a mais importante ou mesmo a única) sobre, por exemplo, o currículo. Para cúmulo, segundo parece, os professores portugueses ainda não descobriram as novas tecnologias e não aprenderam a lidar com os “nativos digitais”, continuando, portanto, a leccionar a uma grande distância do século XXI.

Aconselho os textos que o Paulo Guinote, o António Duarte e o Manuel Cabeça dedicaram ao assunto.

Não querendo rejeitar em bloco todas as declarações constantes desta reportagem, a verdade é que tudo isto cheira a pólvora redescoberta misturada com uma ilusão de modernidade a que, por vezes, poderíamos chamar parolice.

Admitamos que os professores podem ter uma percepção errada sobre os jovens de hoje; por outro lado, serão, muito provavelmente, a classe que melhor os conhece, tendo em conta que lida com eles todos os dias e, por vezes, ao longo de anos, assistindo à morte e ao nascimento de modas e de modos. Os especialistas instalados em gabinetes universitários que conhecem a juventude pelo que responde a inquéritos talvez estejam mais distantes desse conhecimento, mas nunca terão a humildade de admitir, pelo menos, essa possibilidade.

Conhecer e/ou ouvir os jovens não implica, no entanto, permitir que sejam eles a tomar decisões sobre a sua própria formação, o que inclui, evidentemente, o currículo. Há uns anos, escrevi algo sobre o assunto, quando a Associação de Professores de Português se mostrou preocupada com a possível falta de interesse dos alunos relativamente ao regresso dos clássicos da literatura portuguesa.

As posições assumidas pela maioria dos entrevistados nesta peça colocam, portanto, o aluno na posição de quem não tem obrigação de se mexer. O aluno, porque prefere o Facebook ou porque não gosta de pegar em livros, tem o direito de se sentar à espera de ser motivado ou de estudar aquilo de que já gosta (ou que considera útil, que, na verdade, é o mesmo). O aluno deve olhar para a Escola e para o Professor e dizer “Estou entediado! Quero actividades que envolvam as novas tecnologias e não me apetece ler Os Maias, porque é chato e porque amanhã não vou precisar do Eça para nada!” E a Escola e o Professor terão de produzir filmes, de instalar paredes de alpinismo nas salas ou de inventar um rap que ignore os sentimentos de Carlos da Maia.

A modernidade trouxe-nos (e continuará a trazer) recursos excelentes que podemos e devemos aproveitar. Procurar motivar os alunos é, evidentemente, fundamental, especialmente se não nos esquecermos de que há muitos outros factores que influenciam o rendimento e o (des)interesse dos alunos, como o número de alunos por turma.

Nada disso, contudo, obriga a deitar fora recursos com provas dadas, como, por exemplo, pasme-se!, a sala de aula, o professor e outros suportes materiais. Ao longo da minha vida, aprendi muito em aulas e palestras entediantes ou no contacto frustrante com textos que resistiam a entendimento imediato e garanto que estive muito longe de ser um estudante dedicado, até porque o apelo dos jogos de futebol, do cinema e da televisão era fortíssimo (todos fomos nativos qualquer coisa, o que nos fez desejar, muitas vezes, não ir às aulas).

Se a Escola servir para dar aos alunos apenas aquilo de que já gostam ou aquilo que já têm, bem podem ficar em casa. O resto é conversa para pôr a responsabilidade toda em cima das escolas e dos professores.

Comments

  1. anónima says:

    “Estou entediado! Quero actividades que envolvam as novas tecnologias e não me apetece ler Os Maias, porque é chato e porque amanhã não vou precisar do Eça para nada!”

    Se é assim que os alunos são felizes na escola, o melhor é não contrariar.
    “Não tenho nenhuma dúvida; quero que tenha sido feliz, porque se aprende melhor quando se é feliz a aprender.”
    http://www.esquerda.net/opiniao/6-razoes-para-acabar-de-vez-com-os-exames-do-basico/39848

  2. Aulas no McDonald’s também já agora ehhehe

  3. Nightwish says:

    O problema é que os clássicos nacionais, além de serem uma valente merda, não são para adolescentes.

Trackbacks

  1. […] No meio de tudo isto, há, a propósito de professorezecos, uma novidade, incluída num relatório que acompanha o PISA: considera-se que os professores portugueses revelam uma estranha capacidade de adaptar o conteúdo e a estrutura das aulas aos alunos. Estranha? Sim, porque é uma ideia contrária às conclusões dos pedagogos de sofá que acusam tudo o que é docência lusa de imobilismos, conservadorismos e outras caturrices que tornariam impossível a boa aprendizagem da juventude. O Paulo Guinote deixa escapar um “In your face” e tem razão. Há alguns meses, abordei lateralmente o assunto. […]

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