A imprensa portuguesa deu conta de um suposto apelo de Pedro Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque a Bruxelas, com vista a que a Comissão Europeia não imponha sanções a Portugal devido ao défice de 4,4% em 2015, resultado da acção destrutiva do governo PSD/CDS-PP e de uma cereja em cima do bolo chamada Banif.
Em sentido contrário, o PPE, quartel-general europeu do PSD e CDS-PP, apelou à tolerância zero por parte da Comissão. Numa carta enviada ao presidente Juncker, Manfred Weber, líder do PPE, afirma que “Todos os instrumentos, incluindo os da vertente corretiva [do PEC], devem ser usados na sua força máxima“. Weber, que surge na foto em cima com o seu parceiro fascista Viktor Orbán, é o mesmo que em Novembro se juntou ao coro nacional de negação da democracia representativa, alinhado com o discurso da direita radical portuguesa.
É a velha história do polícia bom e do polícia mau. Perfeitamente alinhados, os representantes do PPE em Portugal fazem o teatro do patriotismo, de bandeira na lapela e discurso abnegado, ao passo que os seus pares pedem a cabeça de todos os portugueses, exigindo sanções violentas e potencialmente geradoras de mais recessão e sacrifícios. E o que tem a dizer Paulo Rangel, representante máximo do PSD no PPE, sobre tudo isto? Que foi apanhado de surpresa. Que, na qualidade de vice-presidente do PPE, não foi informado sobre um acto oficial do seu líder que visa precisamente o seu país. Comovente. Ou será que, tal como no PSD, os vices do PPE são meramente decorativos?
O facto de existir “geringonça” e de ela aparentemente funcionar (sem precisar de quaisquer apoios à Direita, como sempre aconteceu com governos PS do passado) deixa PSD e CDS sem hipótese de influenciarem o curso dos acontecimentos, ou de estarem nos centros de decisão, em Portugal durante os próximos anos. A não ser… a partir de Bruxelas ou das agências de rating de Wall Street. — como se viu aquando do deplorável espetáculo dos nossos ex-governantes praticamente a ‘rezarem à Virgem’ para que a Standard & Poors e a DRBS baixassem a notação a Portugal.
Como já escrevi e já vi outros escreverem aqui, o projecto para o país destes “chicago boys de bandeira na lapela” é uma bancarrota. Nada de anormal. Giorgio Agamben diz que a palavra “dívida” deve ser desmascarada por aquilo que verdadeiramente significa, que é simplesmente “obey!” — como no filme “Eles vivem” de John Carpenter dos anos 80 (em que o personagem principal descobre uns óculos que lhe permitem ver as verdadeiras mensagens escondidas na aparência superficial das coisas). A “crise” não é mais que o modo normal de como funciona o capitalismo no nosso tempo. Sem crises, não poderia haver agendas radical de cortes salariais e sociais, não poderia haver privatizações de serviços rentáveis do Estado, e a transferência de riqueza pública para mãos privadas sem escrutínio, ou seja toda a agenda que define a “raison d’être” da caranguejola! — a qual, tal como qualquer viciado necessita da sua dose, necessita do espectro de crises (eminentes ou reais) e de imposição externa de medidas de austeridade. No fundo, a economia portuguesa está transformada numa economia de capitais oportunistas, capitais esses que não lhe trazem qualquer competitividade, que não se enquadram em qualquer modelo de desenvolvimento a médio e longo prazo, e as crises são a cobertura perfeita para uma elite que vive de negócios e dinheiros duvidosos. E são, de resto, a única forma de regressarem ao poder.
Fernando Antunes, óptima análise. Gostaria de poder argumentar com o seu discernimento e capacidade de análise. Parabéns.