Nem toda a deficiência é visível

Ricardo Antunes
cadeira

 

Ao fim de 21 anos numa cadeira de rodas senti discriminação. Que sentimento horrível!

Nunca pensei passar por isto no meu país, em 2016 e, numa cidade como Lisboa.

Este fim-de-semana, fui sair com um grupo de amigos à discoteca Bosq, que fica na Rua Rodrigues de Faria, 103, na Zona de Alcântara, em Lisboa.

Quando cheguei à porta, ainda na rua, inserido no tal grupo – éramos 15 – vi logo que algo se passava por ter reparado nos seguranças a segredar uns com os outros. Amigos houve que, após se dirigiram aos seguranças, tiveram permissão para entrar. No entanto, quando repararam em mim, algo mudou.

Houve ali um impasse. Até que, minutos depois, dizem que não posso entrar porque a discoteca não tem rampa, nem WC.  Pedimos para chamar o gerente, mas a pessoa não teve coragem de aparecer. Os meus amigos, indignados com a situação, pediram o livro de reclamações mas, como não tínhamos ainda entrado,  não nos deram o livro.

Mas, azar dos azares, dentro da discoteca já estavam duas amigas que tinham ido mais cedo, e foram elas que pediram o livro de reclamações e puderam manifestar a indignação por não me deixarem entrar.

A página tantas, e como não saímos da porta, um dos seguranças disse-nos que se quiséssemos entrar o consumo mínimo, para cada uma das pessoas do grupo, seria de 300€. Engraçado como se realizam milagres: se anteriormente a questão eram as condições para receber alguém numa cadeira de rodas, nomeadamente a rampa e o WC, ao fim de 30 minutos, a questão estava resolvida e era simplesmente financeira.

Não tenho a mínima dúvida que nem era essa a questão, até porque o senti na pele. À falta de argumentos legais e lógicos, foram pelo mais fácil para me impedir de entrar: a questão financeira. Quiseram lançar para baixo do tapete, de uma forma pouco airosa, alguém que se desloca numa cadeira de rodas. Já frequentei tantos espaços nocturnos, sem rampas e WC, e nunca, mas nunca, fui tratado de tal forma. É triste ser tratado assim e dói muito.

Mas não são pessoas como estas que me deitam abaixo: são apenas pessoas pequenas e medíocres e, essas sim, devem sentir-se inferiores.

Só espero que um dia, elas próprias, alguém da família, ou próximo, não passe pelo mesmo. Não posso deixar de referir um segurança que falou comigo, compreendeu a minha revolta, mas que justificou a sua posição por estar estava a cumprir ordens.

A essas pessoas digo: eu amo viver e não tenho vergonha de ser deficiente. O que não faltam são outros espaços nocturnos para me divertir.

Nem toda a deficiência é visível, essa é que é a grande verdade.

Comments

  1. Joaquim Silveira says:

    O facto em si, por tão absurdo, não merece sequer comentário.
    Será contudo muito importante saber qual o encaminhamento que as autoridades darão à reclamação e o tempo que demorarão a reagir.

    • j. manuel cordeiro says:

      Infelizmente, por experiência própria em outras situações, o livro de reclamações é um pró-forma.

    • Eva Garcia says:

      A reclamação por situações análogas a esta, deve ser feita na página do Instituto Nacional para a Reabilitação, com base na Lei n.º 46/2006, de 28 de Agosto.
      Neste link está disponível um formulário de queixa
      http://www.inr.pt/content/1/1185/lei-da-nao-discriminacao
      E é através das queixas enviadas por aqui que há actuação das autoridades competentes.

      • Agostinho Miguel says:

        … mais a lei aprovada, na passada quinta-feira, na Assembleia da República!

  2. Maria Apolinario says:

    deixei mensagem no face desta discoteca e não fui a única…devemos não calar estas injustiça e exigir que lei seja respeitada…esperemos que a reclamação do livro amarelo seja atendida e a devida pena imposta.

    • armando cardoso says:

      A unica pena justa a impor e obrigar essa gente a fazer obras que permitam o acesso das pessoas em cadeiras de rodas e o cancelamento da licenca de exploracao ate a sua realizacao

      a

  3. Martinhopm says:

    Vai ficar tudo em águas de bacalhau. Vai uma aposta? Se nem os não-deficientes são tratados como deve ser…A menos que pertençam às elites dirigentes. Costa falou hoje no congresso sobre o apoio aos deficientes. Que algo mude, para que não fique tudo na mesma!

    • Ana Moreno says:

      Por favor!!! Perder ou tirar a coragem de avançar é o deita-abaixo que impera em Portugal! Foram aqui indicadas duas vias para levar o caso em frente, é isso que se deve incentivar e não fazer questão de ganhar apostas tristes! Ricardo Antunes, vale a pena sim contactar com as entidades aqui referidas, não só por si, mas também por outras pessoas a quem possa acontecer o mesmo. Só comentar e indignar-mo-nos sem sermos consequentes é totalmente irrelevante. Força!

  4. Caríssimos, embora nunca divulgado, vai lá saber-se porquê, devem encaminhar a queixa para a ASAE que fará a inspecção ao estabelecimento. A ASAE tem as competências para actuar sempre que um estabelecimento não cumpra com a legislação portuguesa no que acessibilidades diz respeito (wc, acessos, etc). No caso de estar conforme então é fazer uma queixa crime do estabelecimento em causa por discriminação. O livro de reclamações nada mais é que um pro-forma e um “despacha” descontentes. Um abraço a todos!

  5. Agostinho Miguel says:

    Três palavrinhas, simples, limpidamente entendiveis: FILHOS DE PUTA!

  6. Ricardo Lobo says:

    Fdp esses gajos mereciam uma lição

  7. Discriminação em Lisboa? Pedofilia em Lisboa? Xenofobia, homofobia e racismo em Lisboa?
    Mas isso só existe nas localidades mais pequenas do interior, segundo alguns iluminados da Sic e da TVI.
    Não deixem morrer o assunto que é muito grave.

  8. Eu mesma says:

    O meu maior apoio e solidariedade para com este cidadão. O que lhe fizeram na discoteca é apenas o espelho do que se passa na sociedade.
    Se me dão licença, conto aqui o caso de outra forma de discriminação, encapotada, que fizeram a uma pessoa a nível de cadeira de rodas que só pode sair de casa assim e tem de se deslocar de ambulância, teve de ir ao banco da localidade onde mora resolver um imbróglio criado pelo próprio banco, em Dezembro do ano passado. No lugar reservado ao estacionamento e paragem para ambulâncias, no passeio dessa entidade bancária, estava um carrão topo de gama estacionado. Os tripulantes da ambulância “suaram as estopinhas” para encontrar um lugar para estacionar a ambulância e para levar a senhora ao banco. Avistaram a poucos metros dois agentes da PSP e alertaram para a óbvia infracção. Os agentes fingiram que não ouviram nem viram nada, deixando tudo como estava. A ambulância foi forçada a cometer uma infracção, estacionando onde não devia, para visível contragosto de uma finória que passava perto do local. A cidadã de cadeira de rodas lá foi atendida e regressou a casa. Horas depois, o tal carrão ainda lá estava mal estacionado. Na localidade que falo, só falta os donos dos carros mal estacionados ou parados insultarem e agredirem os peões que ousarem protestar contra a óbvia infracção, porque suas excelências, os senhores agentes da autoridade (?) têm mais o que fazer do que salvaguardar o direito de circulação de quem anda a pé, com ou sem dificuldades…

  9. É de lamentar estas situações e as pessoas não compreendem o quanto magoam as pessoas diferentes…tenho um filho que também anda em cadeira de rodas, e que felizmente nunca teve este tratamento…costuma ir a eventos de Hip Hop a vários locais e nunca foi impedido…aqui fica o facebook dele:https://www.facebook.com/AndreFDFerreiraDancer?fref=ts

Trackbacks

  1. […] (Nota do Aventar: “Nem toda a deficiência é visível”  […]

Discover more from Aventar

Subscribe now to keep reading and get access to the full archive.

Continue reading