Vamos imaginar que é tudo mentira

EB23

Que os 26 colégios privados do Grupo GPS, totalmente dependentes de financiamento estatal, não receberam mais de 52 milhões de euros entre 2010 e 2011. Que não receberam mais de 20 milhões de euros no ano passado.

Vamos imaginar que muitos dos colégios deste grupo não foram construídos apesar de haver oferta suficiente nessas áreas para integrar todos os alunos na escola pública. Que ao lado destas parcerias público-privadas não existem excelentes escolas a meio gás, com dezenas de professores em horário zero.  Que o facto do Grupo GPS ter à cabeça António Calvete, ex-deputado do PS que integrou a comissão parlamentar de Educação no mandato de António Guterres, não tem qualquer relação com a facilidade com que o seu império se expande.

Vamos imaginar que o facto do ex-Secretário de Estado da Administração Educativa de Santana Lopes, José Manuel Canavarro, e do antigo Director Regional de Educação de Lisboa, José Almeida, terem sido contratados pelo grupo após cessarem as respectivas funções, depois de terem negociado, em 2005, um aumento do financiamento público dos colégios do grupo GPS, é pura e simplesmente irrelevante. Isto apesar de terem dado luz verde para a construção de quatro novos colégios GPS quando o governo de Santana Lopes estava em gestão e a apenas cinco dias das Legislativas.

Vamos imaginar que os professores do Grupo GPS não foram forçados a assinar contratos onde aceitam cargas horárias superiores àquilo que está previsto na lei. Que a AEEP não lavou as mãos deste abuso. Que as denúncias de professores e ex-professores do grupo, que para além de leccionar são convidados a pintar muros, servir cafés ou fazer trabalho de administrativo, são meras conspirações esquerdalhas. Só pode ser mentira. Pessoas decentes, dedicadas à causa da Educação, nunca poderiam ter um comportamento destes.

Vamos imaginar que o facto das portas de emergência de alguns destes colégios estarem fechadas a cadeado, algo que foi abertamente assumido pelo responsável dos colégios de Santo André e Miramar, não envolve qualquer tipo de perigo. Só um lunático seria capaz de fechar todas as portas de emergência de uma escola a cadeado, colocando assim a segurança de todos os alunos e funcionários em risco, sem ter a certeza que era 100% seguro.

Vamos imaginar que na mesma área geográfica, escolas públicas foram impedidas de abrir novas turmas ao passo que as escolas do grupo GPS obtinham autorização para aumentar o número de turmas sempre que desejavam. Que entre 2008 e 2012 a escola pública das Caldas da Rainha não perdeu mais de 500 alunos ao passo que os privados locais viram as suas fileiras engrossar em número idêntico.

Vamos imaginar que as notas de alguns alunos não foram alteradas para garantir os números desejados no ranking, o que levou a chumbos injustos. Que professores que procuraram contrariar esta pulhice, que não pode ter acontecido, não foram despedidos. Manipular rankings? Onde é que já se viu tamanha atrocidade?

Vamos imaginar que muitos destes colégios, apesar dos milhões que recebem, não sofrem limitações materiais, coisas tão básicas como, sei lá, aquecimento. Que indivíduos como Manuel António Madama, proprietário de um autêntico museu de bólides e director do colégio de São Mamede, um das tais onde nada falta, não construiu fortuna à custa da gestão opaca das transferências estatais.

Agora imagine que vive num país onde uma pequena minoria, instrumentalizada por um grupo de privilegiados, sai à rua porque um Estado semi-falido é governado por pessoas que decidiram reduzir o financiamento ao sector privado de Educação. Que o Grupo GPS existe e não é caso único. Que os partidos de direita nesse país, supostos ferozes opositores à intervenção do Estado na economia, defendem, com unhas e dentes, um sector privado de Educação dependente de subsídios. Que sugerem como solução para o problema o fecho de mais escolas públicas. Cujos líderes surgem agora preocupados com o hipotético despedimento de alguns professores quando ainda ontem mandavam milhares emigrar. Que mandam os seus sabujos atacar os sindicatos, após quatro anos a fazerem-se de mortos aos pés do dono enquanto este cortava financiamento à escola pública.

Imagine também que essa minoria, pequena em tamanho mas gigante em recursos e influência, que se estende do Patriarcado à São Caetano à Lapa, tem o apoio subversivo de parte significativa da imprensa, conseguindo assim que algumas mentiras se propaguem como verdades, enquanto domina o horário nobre, e que mesmo assim não hesita em transformar crianças em objectos de arremesso, usando-os na sua disputa com recurso à mais cobarde e repulsiva das armas, o medo.

Finalmente, imagine que vive na minha cidade, a Trofa, onde a única E.B. 2/3 que existe ainda tem telhas de fibrocimento com amianto. Parece que faltam 60 mil euros para resolver o assunto. Mas o momento é de solidariedade. Se alguns colégios aguentam ficar sem uma turma e meia, os alunos da Professor Napoleão Sousa Marques podem aguentar mais uns anitos com o amianto. Ai aguentam, aguentam!

Foto: Escola E.B. 2/3 Professor Napoleão Sousa Marques, Trofa@O Notícias da Trofa

Comments

  1. adeus passos says:

    finalmente um ministro atacou as gorduras. aplausos.

  2. Edgar Carneiro says:

    Imagine-se que este é mais um relato dramático da corrupção que grassa quase impunemente neste neste país. E, já agora, imagine-se que a PGR resolve investigar.

  3. joão lopes says:

    vamos imaginar…que os mentirosos do cm faziam um trabalho de jeito(para variar) e levantavam esta lebre.mas como nunca o fizeram,esta é a prova que é um jornal sectario e apoiante de direita,logo falsos como judas.

    • Já o fez a TVI. E que adiantou?

      • adeus passos says:

        a TVI não fez nada. foi uma jornalista de investigação, por sua conta, que o fez. e acabou despedida.

      • joão lopes says:

        “Já o fez a TVI” Ó jc(superstar?) você acredita naquilo que disse?

    • maria ferreira says:

      Excelente análise!!

  4. Ana A. says:

    É por estas e por muitas outras que os eleitores não devem deixar que se formem Maiorias nem Blocos Centrais para nos governarem. É que a carne é fraca, e convém que os apetites sejam refreados…

  5. Muito bem, João Mendes, um texto brilhante que usa o recurso da imaginação para pôr o(s) dedo(s) na(s) ferida(s) de mais este abandalhamento da nossa vida social e política. Eu só acrescentaria : vamos imaginar que os ictéricos não eram compostos de gente rude, trauliteira e mal-educada (será por isso que se batem ? para que os filhos lhes não sigam as pisadas ?); vamos imaginar que um dos amarelos não exibiu um cartaz à porta do Congresso do PS onde proclamava que o Primeiro Ministro é uma rameira, ao mesmo tempo que exibia uma t-shirt a oferecer emprego a especialistas em sexo oral (andará o seu filho numa escola católica ? não sentirá o filho uma profunda vergonha de tal pai ?); vamos imaginar que não exibia essa gente cartazes onde se lia “os nossos filhos estão destabilizados” , “em nome do meu, filho” e quejandos;
    vamos imaginar que não tinham mentido acerca do apoio do PR e do relatório do Tribunal de Contas; vamos imaginar que não houve uma turba de jovens mentecaptos (todos devotos e tementes a Deus, mas esquecendo a mensagem fundamental de Jesus Cristo) que coreografaram na avenida uma dança tribal com os cânticos a proclamarem que ali não havia misturas e que era tudo boa gente; vamos pois imaginar que é tudo espontâneo, que não tem por detrás uma máquina bem oleada e financiada (com que dinheiro ?); vamos pois imaginar que tudo isto não é uma ignominiosa farsa, manipulada pelos partidos da arrastadeira.

    • JgMenos says:

      Gostava de imaginar que há problemas a resolver com razoabilidade, mas a bruteza argumentativa da esquerdalhada traz-me à realidade da enxurrada em formação por acção desta malfadada geringonça..

  6. Vou imaginar que 100% do ensino obrigatório é ministrado numa escola 100% pública…

    Que sossego!

  7. Pedro Tedim says:

    Excelente artigo de opinião João. Pior cego é o que não quer ver. Só uma correção. Não sei se foi engano ou estavas apenas a referir-te à cidade da Trofa e não a todo o concelho. EB 2/3 de S. Romão e EB 2/3 de Alvarelhos também fazem parte. Relevo o facto da EB 2/3 de Alvarelhos (porque conheço em particular) ser um caso de uma escola pública onde os resultados são muito bons com muito poucos recursos.

  8. A municipalização das escolas é outra na manga, onde o chamado bloco central pretende investir há muito. Não é muito diferente desta problemática. E é assustador se pensarmos na dimensão do país e na quantidade de caciques que gerem câmaras……..e eu não percebo como câmaras do PS vão nisto. Enfim, percebo……ele há assizes em todo o lado.

    • Se um dia a municipalização do ensino avançar, vamos ter professores coagidos a apoiar o sr. presidente da Câmara Municipal. E aqueles que não apoiarem têm o contrato de trabalho revogado.
      Será ainda pior que esta praga das parcerias PPP dos colégios.

  9. Vamos averiguar quais foram os cortes no grupo GPS com esta medida… e depois vamos imaginar que realmente se cortou onde se comete irregularidades e permaneceram os contratos em locais onde estas escolas fazem falta. Imaginar é fácil … na prática é um pouco mais complicado.

  10. j. manuel cordeiro says:

    É isto mesmo, João.

  11. Lídia Pires says:

    O que foi dito sobre o grupo GPS è ainda pouco. Ah! Pois é!
    Belíssima exposição! Espero que ela surta efeito.
    Um abraço solidário de mãe e de professora. Acima de tudo de Cidadã!

  12. j. manuel cordeiro says:

    Vamos imaginar que esta reacção desproporcionada não é um cartão amarelo para impedir futuras mexidas no enorme bolo das IPSS.

    • Vamos imaginar que um reputado colegio católico de Coimbra com CA me disse que não tem ensino especial(mas tem alunos com PEI Ligt para parecer bem,mas me disseram qu o não tinham ensino especial para o meu filho especial()…mas podia sempre colocar os outros dois irmãos…nao pagava o estado português para todos terem uma boa educação?…ou so os bom alunos tem vagas nestes colégios que estão nos lugares cimeiros dos rankings,mas não querem investiram em algo que todas as escolas públicas são obrigadas a ter….

  13. Ana Moreno says:

    Óptimo resumo de informação João, agora o que eu não consigo imaginar nem por nada, é como é possível que um tema que afecta uma parcelinha pequenita de gente ocupe um TAL e tão insuflado espaço na comunicação social, enquanto há tantos temas que afectam e fazem sofrer uma montanha de gente e sobre os quais quase nada se lê e ouve. Visto assim de longe, isto é um absurdo e seria uma prova, se mais fossem precisas, da enorme capacidade de lobby do grupo a que toda esta agitação se refere.

  14. Carlos Santos says:

    Mais uma parceria público privada em que meia dúzia de chicos espertos com conivência de alguns governantes andam a sacar dinheiros públicos. Isto se fosse na Islândia era capaz de fazer rolar cabeças.Quantos mais sectores de actividade vivem a custa de golpadas ao Estado? Nojento a manipulação de crianças em manifestação com compadrio de Pais manipulados.Todo o meu apoio ao actual ministro da educação para continuar a limpeza

    • JgMenos says:

      Mais um que partindo do princípio de que o Estado ou é corrupto ou não sabe fazer contas para pagar serviços, vai ser eficiente gestor de investimentos e explorações em tudo idênticas.
      Pelo caminho aquilo que financiou tem por destino a total inutilidade ou fica reservado a privilegiados.

  15. João Paulo Águas Tomé Ferreira dos Santos says:

    Se a minha esquerda não obrigar a que se faça Justiça, demito-me.

  16. E eu já estou demitido de certeza !!!

  17. JgMenos says:

    Sempre se omite referir que um Estado que subsidia uma escola a ponto de esta poder funcionar durante anos com boas instalações e bom desempenho vá investir numa escola na vizinhamça para tornar aquilo que pagou inútil e como tal pura perda, é um Estado de cretinos!

  18. Muito bem, o meu aplauso. Nunca é demais denunciar a canalhice, ainda por cima no sector que classifico como o mais importante da sociedade, o da Educação.

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