Luzinha aqui tão perto

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Cavalgando célere o seu ginete de ganância desumana, içando, desfraldado, o espectro do desemprego e da pobreza, avança imparável o garboso ideal neoliberal, submetendo, na sua conquista global, governos e povos aquém e além mar, amarfanhando a dignidade, desmantelando direitos conquistados ao longo de duras e longas lutas, restaurando a escravidão, arrasando o planeta.

Impossível fazer-lhe frente? Parece bem que sim. A chaga social da precariedade alastra incessantemente, a vulnerabilidade torna mansa a mão-de-obra e ideologias de extrema-direita ganham terreno.Porém, apesar de encurralado, David não se rende a Golias sem luta. Ergue-se em focos de resistência e protesto que mantêm acesa uma lamparina de esperança. Uma dessas luzinhas, aqui ao lado, é protagonizada pelo Sindicato dos Estivadores do Porto de Lisboa.

Em luta há mais de 10 anos, os estivadores estiveram em greve contra a lei dos portos – que dá as boas vindas à precarização do trabalho – de 20 de Abril a 27 de Maio de 2016. E, quase inacreditavelmente nos dias que correm (e certamente impossível se estivéssemos ainda em tempo de governo PAF), a greve terminou com um acordo que, representando um compromisso, contempla a reivindicação mais importante dos estivadores: a celebração de um novo contrato colectivo de trabalho que incluirá cláusulas conducentes à desactivação da Porlis, empresa de exploração de trabalho portuário que recorre a trabalho precário e mal pago, sem o anacronismo dos direitos laborais padrão e criada para concorrer com a AETPL, que muito para seu desgosto, emprega estivadores profissionais com direitos e que respondeu à greve ameaçando com um despedimento colectivo. Criada para furar greves e conduzir à insolvência da AETPL, a Porlis é detida por 4 dos 7 sócios que detêm a empresa de trabalho com direitos. Gente boa, estes sócios modernaços que sabem dar valor ao trabalho de precários contratados à jorna!

Ademais, os estivadores conseguiram assegurar o exorbitante (não é?) ordenado mínimo portuário de 850€.  Parece pouco? Mas é imenso, e só foi possível pela unidade que sempre existiu entre os Estivadores de Lisboa, que sabem organizar-se contra os patrões portuários como deve ser, com fundo de greve e tudo, e estão em rede a nível internacional. E que, por solidariedade, querem estender a luta aos outros portos do país, às outras profissões ameaçadas de precariedade, a todos os que não querem cruzar os braços e aceitar que temos de nos conformar a sermos servos, a ver recuar os ponteiros da história das conquistas sociais.

Por isso, o Setc – Sindicato dos Estivadores, convoca todos os cidadãos de bem para a Manifestação Contra a Precariedade no dia 16 de Junho, às 18h, entre o Cais do Sodré e a Assembleia da República.

Vale a pena ver o vídeo!  TODOS POR TODOS CONTRA A PRECARIEDADE!

 

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Comments

  1. João Paz says:

    Excelente artigo Ana Moreno. Contra a corrente principal (main sttream de pensamento único, muitas vezes nenhum) Coloca os pontos nos ii Parabéns!

    • Ana Moreno says:

      Obrigada! Participar na manif de 16 de Junho é uma boa forma de mostrar que não vamos todos arrastados pela mainstream!

  2. A Ana coloca muito bem a tónica na precariedade. É um ponto fulcral. A grande ofensiva do capitalismo global visa extorquir cada vez mais rendimento ao factor trabalho através de uma concorrência acrescida e da instauração da lei da selva. O caso dos estivadores é exemplar a vários títulos. O que interessa neste caso, não é apenas contabilizar o que se ganhou ou não se ganhou. O mais importante foi o processo e não apenas o resultado. E este processo fica na história pela sua exemplaridade. Os trabalhadores souberam ganhar sem ajuda de partidos nem centrais sindicais (que sempre se mantiveram à distância), mas porque se conseguiram organizar, mantendo-se unidos e solidários. Conscientes da sua força, nunca mostraram medo, antes humildade e resistência face às enormes pressões do patronato, bem apoiado na vergonhosa campanha dos media. Os efectivos fizeram questão de proteger os precários. Foi uma luta inclusiva que contou tb com a poderosa ajuda dos seus colegas internacionais. Ou seja, aqui o internacionalismo não é um slogan vazio, é uma prática consequente. Claro que a vitória não foi total. Nunca seria. Mas o facto de se ter lutado e vencido mostra a todos o caminho. Naturalmente que o fundo de greve que os sindicatos burocratizados detestam, desempenhou um importante papel na manutenção do esforço continuado. O apoio das mulheres tb teve a sua quota parte no sucesso.
    Os trabalhadores que quiserem lutar a sério, lutar para vencer, já sabem o caminho a tomar.

  3. Nightwish says:

    Pelo que li, estiveram coisas bem piores em disputa, como a contratação à jorna e a obrigação de entre 20 e 40 horas extra como obrigatório.

    • Ana Moreno says:

      Foi outro ponto da vitória da solidariedade: “A oferta irrecusável que apresentámos no início do processo negocial, a qual consistia em trocarmos trabalho suplementar, a que estamos constantemente obrigados, pela criação de emprego permanente para os estivadores precários do porto de Lisboa, foi integralmente aceite. Assim, quase 7 dezenas de estivadores irão fugir do regime de precariedade em que permaneciam, alguns há mais de 8 anos, sendo celebrados os primeiros 23 contratos sem termo no prazo máximo de 6 meses e os restantes no decurso dos próximos 2 anos.” https://oestivador.wordpress.com/2016/05/30/acordo-para-a-operacionalidade-do-porto-de-lisboa/

  4. fleitao says:

    Continue, Ana, até que a voz lhe doa! Porque é a voz dos que não têm voz. É tempo de todos acordarmos para a dura realidade dos factos e nos colocarnos no lado certo da barricada.

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