Crónicas do Rochedo VII – Europa

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Chovem pedras na vidraria

Estava aqui a olhar para esta vista e a pensar que ando a falhar ao treinos do Aventar. E a distância não é desculpa bastante. Entretanto um aventador casou e resmas de outros fizeram anos. E por estes dias o mundo, pelo menos aquele que nos é mais próximo, mudou e muito.

Em terras de Sua Majestade o povo falou. Escolheu seguir outro caminho. Tenho lido e ouvido muitas opiniões sobre este referendo. Que votaram sem saber bem o quê (tenho que tal até pode ser verdade no caso de uma pequena maioria mas não façam do povo estúpido), que a culpa é de Bruxelas e dos seus burocratas (lá ajudar, ajudou), e eu sei lá que mais culpados e razões encontraram. Uma coisa tenho como certa: independentemente do resultado, aplaudo o facto de terem feito um referendo. Assim ninguém vai ao engano.

O resultado só veio confirmar a enorme, gigantesca crise europeia. E não estou a falar de economia. Estou a falar de valores, de civilização. Em praticamente todos os países europeus cresce o extremismo. Tanto o de direita como o de esquerda. Fico espantado ao ver que até em Inglaterra se verifica uma clivagem perigosa entre gerações. Os mais novos dizem que foram os mais velhos que escolheram o caminho da saída. Os mais velhos afirmam que o problema é o desconhecimento e a falta de experiência dos mais novos. Vi, li e ouvi discursos inflamados de uns e outros, o mesmo género de palavreado que ouvi em Portugal sobre as reformas e a crise, a dívida e o futuro para as novas gerações. Cá como lá, uma divisão geracional destrutiva e estúpida. Estamos a assistir a um espectáculo dantesco: chovem pedras entre telhados de vidro.

E cresce o racismo, a xenofobia, o radicalismo. No dia em que escrevo estas linhas está a sol aqui na Europa. Um sol enganador. Estamos a viver tempos de escuridão. De enormes nuvens negras. Reparem, coincidentemente até estamos a assistir a um europeu de futebol (e o circo é uma óptima fotografia do tempo) onde russos, ingleses, polacos, franceses e outras faunas se agridem violentamente nas ruas de França. Não se pense que é só futebol. Não, não é. É um sinal dos tempos, destes tempos.

Para muitos o projecto europeu é um sonho de idealistas sem noção da realidade social. Até pode ser. Porém, os factos mostram coisa diferente: este sonho permitiu (e permite) uma Europa em paz, sem grandes guerras. Uma Europa onde se vive melhor, mais desenvolvida, procurada por povos de todos os continentes como porto seguro. É verdade que estamos no meio de uma crise económica assustadora. E somos nós, a geração nascida nos anos setenta, assim como as nascidas nas décadas seguintes quem mais sofre com esta crise. Mas isso não nos pode impedir de reconhecer que estamos hoje bem melhor que os nossos avós, com mais qualidade de vida, com mais segurança, com melhores cuidados de saúde e maior protecção social (ok, infelizmente com menos dinheiro). Será que todos os outros povos podem dizer o mesmo? Não me parece que o possam afirmar em imensos países africanos, em vários países muçulmanos, nalguns países asiáticos e noutros tantos do continente americano. Perguntem aos sírios, aos venezuelanos, aos líbios e a tantos outros povos por esse mundo fora se vivem melhor do que os seus avós…

A Europa precisa, urgentemente, de novos dirigentes, de novas políticas e de uma profunda reforma interna. Sim, é verdade que os burocratas (e os políticos) da UE pelos seus actos, pelas suas palavras e pelas suas omissões são, também, responsáveis pela decisão tomada pelos ingleses (mais do que pelos britânicos). Porém, quem os escolhe, quem os elege e quem os nomeia são os diferentes governos das diferentes nações europeias. Ou seja, no fim da linha, a culpa é igualmente nossa. E sim, é mesmo nossa. Porque nos abstraímos completamente do que se passa em Bruxelas ou Estrasburgo. Porque até sabemos de cor e salteado o nome dos jogadores do Manchester United, do Bayern de Munique, do PSG ou do Real Madrid mas duvido que a esmagadora maioria saiba quem são os seus deputados europeus ou o presidente da comissão europeia e ainda menos o líder do parlamento europeu.

Cada um de nós, bem ou mal, define as suas prioridades. E acarreta com as devidas consequências. A Europa é hoje uma espécie de vidraria onde todos estão a atirar pedras uns aos outros e os vidros estão todos a estalar. Quando tudo estiver em cacos vamos todos sofrer as consequências de não estarmos protegidos dos elementos. Foi assim no final da década de 30 do século passado. Foi assim há mais de um século. Provavelmente faz parte. No fundo, continuamos todos sem aprender as lições da história.

Comments

  1. Danielle Dinis Foucaut says:

    Sim, você tem mil vezes razão, mas como faremos para mudar o que tem de ser mudado ? O PPE,com Merkel e Schaübble a cabeça, seguidos de sarkosies, hollandes, raroyes, renzis e mesmo tsiprases…domina a filosofia austeritária que não para de rugir e de ameaçar (ainda esta semana o ministro da economia alemã!)
    belo texto sim sehnor!

  2. F. Moreira de Sá, os meus cumprimentos pela clareza e realidade retratada na sua prosa. Mto. Obrigado. Quanto a Danielle Foucaut, bom, será que ainda não deu pelo facto de a cada eleição aumentar o nível de abstenção??? É mais cómodo justificar não ir votar com a alegação que os politicos é que têm culpa disso, do que assumir a condição de parte INTEGRANTE da vida dos Países e VOTAR. A cidadania de braços caídos é que elege aqueles que, depois, com igual “comodidade e conforto estival” e IRRESPONSABILIDADE solidária e social ,criticamos. A culpa do estado a que chegámos é de todos nós; dos que votam acreditando em PATRANHAS, dos que votam sem cuidar de se informarem sobre quem é quem, dos que AINDA continuam distraídos com a dicotomia ideológica: esquerda direita, enquanto, A VERDADEIRA ideologia que vai reinando é O Capitalismo ESCLAVAGISTA E AGIOTÁRIO ESPECULADOR, que reclama maior flexibilidade laboral, Melhoria da economia assente em baixos salários, investe em I&D para criar robots que substituem os HOMENS e tudo o mais que, de café em café vamos comentando e de praia em praia de cinema em cinema de futebol em futebol, vamos deixando as nossas vidas em algumas mãos e CABEÇAS, social e humanamente, MUITO POUCO RECOMENDÁVEIS.

    • Joe Baptista says:

      Ricardo, belíssima análise e brilhantemente escrita, para juntar à prosa do autor JB

  3. Tudo nesta vida funciona da mesma maneira :como diria o Einstein tudo é relativo,como os interruptores uma vez está em cima outras está em baixo.Pode ser que as circunstancias da vida façam alterar as coisas !!! Calma e paciência para cada um ,que o que tiver que acontecer é enevitavel !!!

  4. Nightwish says:

    “Mas isso não nos pode impedir de reconhecer que estamos hoje bem melhor que os nossos avós, ”
    O problema é que muitos estão piores do que os pais e sem perspectiva de melhoria. Há países com estagnação do salário (ou seja, perda efectiva) há 40 anos, e em muitos países europeus há 20. A bem ou a mal, há que partir a loiça.

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