Postcards from the U.S. #9 (New York)

‘One, A, triangle, blue, Mom’, the young girl said or «We’ll have Manhattan…»*

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Diz-se que o melhor se guarda para o fim. Ou aconselha-se. Segui esse vago conselho e guardei o Central Park e o Guggenheim para o último dia em Nova Iorque. Ou seja, hoje. Embora amanhã ainda esteja aqui um bocadinho, não vou ter tempo para ver mais nada, a não ser o Empire State Building ali na esquina da 27 st East com a 5ª Avenida. Aliás, vi-o há pouco, iluminado, da esquina, pela última vez. Vinha a subir a 5ª Avenida, do Madison Square Park, mais exatamente do Eataly, que é capaz de ter sido o meu sítio favorito para jantar e para comprar comida. Se pudesse tinha provado tudo, mas aquilo é imenso e a comida e os produtos alimentares nunca mais acabam. Mas dizia eu que o melhor se costuma guardar para o final e que eu guardei para o final o Guggenheim e o Central Park. Passei o dia nestes dois sítios e se mais dia houvesse, mas tempo haveria passado, sobretudo no Central Park que é gigantesco e bonito e fresco e tinha o sol a brincar nas folhas das árvores, neste dia que foi de verão absoluto, incluindo um céu azul sem nuvens.
 
Saí do hotel não muito cedo, para apanhar o autocarro (M1, mas podia ter sido o M2 ou o M3) para o Upper East Side, onde fica, na 90ª st East com a 5ª Avenida, o museu. Apanhei o autocarro na Madison Avenue com a 30 st East. O autocarro demorou muito tempo a chegar à paragem e eu fui-me entretendo a ver as pessoas. Umas que trabalhavam, outras que, como eu, apenas passeavam. Pessoas de todas as cores e feitios e medidas, como se diz na canção do Sérgio Godinho ‘A Vida é feita de pequenos nadas’. Quando finamente o autocarro chegou, sentei-me porque a viagem era longa, atendendo ao trânsito que sempre há em Nova Iorque. Atrás de mim uma menina de uns 3 ou 4 anos brincava com a sua mãe. Esta perguntava-lhe ‘what’s your favorite number?’, ‘one’, respondia a criança. ‘What’s your favorite letter?’, ‘A’. ‘What’s your favorite form?’ ‘triangle’. ‘What’s your favorite color?’ ‘blue’. ‘What’s your favorite person?’… a criança gargalha mais e responde ‘you, Mom!’. Eu sorrio também, embora esteja de costas voltadas para elas.
 

‘One, A, triangle, blue, Mom’… podia bem ser um título de um dos quadros expostos no Guggenheim. Mas eram apenas as coisas favoritas de uma criança pequena que se entretinha com a mãe, no autocarro M1 em direção à Uptown. Na 60 st East com a Madison Avenue entra uma senhora que se senta ao meu lado. Olha para mim e diz: ‘I love your blouse’, sorrio, já não me espanta. Desta vez deixo o recado e o pedido de patrocínio de novas viagens à Vintage Bazaar, que tem realmente blusas lindas. Agradeço à senhora que, logo a seguir, me pergunta se estou satisfeita com a máquina fotográfica que carrego. Digo-lhe que sim, bastante. Ela diz que tem uma de outra marca e que também está satisfeita. Está bem, penso eu. Esta mania dos americanos (ou serão apenas os nova iorquinos) de amarem tudo o que vêem e não terem qualquer problema em o dizer seja a quem for, é uma característica extraordinária. As pessoas dirigem-se a ti com uma intimidade impressionante que dura cinco ou dez minutos, até regressarem às suas vidas e se esquecerem que existes.
 
Saio na 89ª Avenida e ando um bocadinho a pé, entre a Madison e a 5ª e depois entre a 89ª e a 90ª. Ali está ele. O edifício espantoso de Frank Lloyd Wright, cheio de curvas e sombras. Entro e espanto-me mais, não sei decidir se é mais bonito por fora ou por dentro. Compro um bilhete com um desconto de 3 dólares, por ter o CityPass e vou à descoberta do Salomon Guggenheim Museum de Nova Iorque. Conheço todos os Guggenheim’s. São só três, vá, pelo menos até 2017 quando abrirá, num edifício igualmente espantoso, como este onde estou, desenhado por Frank Gehry (tal como o de Bilbao, que é fenomenal), em Abu Dhabi. Receio bem que nunca vá visitar este museu em Abu Dhabi. Não tenho lamentavelmente a mínima curiosidade por tal localidade. Mas agora estou em Nova Iorque, no belo edifício com seis andares, de um lado rotundas a fazerem espiral e encimadas por uma clarabóia magnífica e, do outro lado, uma torre com 7 andares.
 
Nas rotundas está uma exposição de Moholy-Nagy, bastante exaustiva. No 4 e 5º pisos da torre está ‘But a storm is blowing from paradise: contemporary art of Middle East and North Africa’, que naturalmente também visito. Depois vou visitar a coleção permanente do museu, que inclui, entre muitos outros, Picasso, Kandinsky, Brancusi, Gaugin, Delaunay, Cézanne, Miró, Chagall, Toulouse-Lautrec. Pelo meio como qualquer coisa no café do museu. O dia está radioso lá fora, mas as curvas doces desenhadas por Frank Lloyd Wright interessam-me mais, por agora, tal como me interessa a exposição-tributo que o Guggenheim de Nova Iorque lhe dedica. Quando saio do museu, algumas horas mais tarde, depois de ter passado pela loja onde a empregada me diz – que surpresa – ‘I love your hair!’ (Ana, à sua atenção!), o sol já baixou bastante e as sombras são outras nas curvas exteriores do museu. Tiro mais fotografias e subo um bocadinho a 5ª Avenida para entrar no Central Park.
 
O Central Park é gigantesco. Ocupa um rectângulo que, na vertical, vai desde a 110 até à 59 st e na horizontal da 8ª até à 5ª Avenida. Não tinha a pretensão de percorrer todo o parque hoje. mas queria ver o reservatório pelo menos, um enorme espelho de água, chamado Jackie Kennedy Onassis, que oferece paisagens absolutamente magníficas. Percorro uma parte do percurso que ladeia este grande reservatório, admirando o skyline e as cores que o sol e as sombras emprestam à paisagem. É bonito. Muito bonito. Há patos neste grande lago, e gaivotas. Ladeio o Grande Relvado a sul do reservatório e continuo mais para sul. Há bancos com dedicatórias. Entretenho-me a lê-las. Gosto de bancos com dedicatórias e tenho o desejo secreto que alguém, um dia que eu morra, me dedique um, ao pé de um castanheiro, com uma frase bonita e sentida.
 
Desço imenso até à fonte e terraço Bethesda, em frente ao lago. Há uma bailarina vestida de vermelho que dança. Passo outra grande área relvada, onde está a decorrer um festival de cinema, ou que eles chamam um film festival mas a mim me parece apenas uma exibição ao ar livre de alguns filmes (e o programa é muito insignificante, praticamente composto de blockbusters) e continuo para a direita, em direção ao Uper West Side. Quero passar por Strawberry Fields e pelo mosaico ‘Imagine’. Esta área fica praticamente em frente ao Dakota Building, onde vivia John Lennon até ao dia em que foi assassinado (8 de dezembro de 1980). Fica na West 72 st, e está ali mesmo à minha frente. Parece que a Yoko Ono ainda ali vive. A área do Central Park foi chamada assim em homenagem a John Lennon, claro, como creio que já havia dito num postal anterior.
 
Estou cansada e a precisar de um cigarro (ou dois!) quando saio do parque. Parecendo que não andei quase 20 ruas na vertical e 4 avenidas na horizontal. Sento-me nos bancos cá fora e fumo. Não se pode fumar em todo o Central Park, apesar de ser ao ar livre, tanto como é ao ar livre o banco em que agora me sento. Fumo menos aqui, naturalmente. Faz-me bem, noto que não me canso tanto como quando cheguei há 16 dias a Toronto. Se calhar devia fingir que tudo é o Central Park e fumar apenas depois de andar 20 ruas e 4 avenidas, ou o equivalente. Seja como for, depois de fumar, apanho o metro na estação da West 72 st com a 8ª Avenida. Apanho o metro C para a baixa. A paragem na West 23 st fica um bocado longe do hotel, onde pensava ir antes de jantar. Tenho de atravessar a 8ª, a 7ª, a 6ª e a 5ª Avenidas, com tudo o que há pelo meio. Quando chego ao Eataly vou esfomeada, cheia de sede e com os pés numa lástima. Espero uns 15 minutos por um lugar. Janto bem. Bebo um bom café expresso acompanhado por um pequeno bombom de chocolate e laranja. A vida não é difícil, neste momento.
 
Regresso depois à East 27 st, atravessando o Madison Square Park. Vou pensando em tudo o que não vi e em tudo o que não fiz. Vou pensando também em como Nova Iorque foi generosa comigo, de várias maneiras. Em como aprendi alguma coisa sobre esta cidade, permanecendo ainda estranhas, ela e eu. Mais eu, que viajo sozinha. Sim, ainda não tinha citado o Vila Matas… (‘quando viajas com alguém, tudo te é estranho. Quando viajas só, o estranho és sempre tu’)… e afinal aquilo que dá sentido a esta vontade ou necessidade (ou não sei que seja) de estar sozinha quando viajo para certos locais. Lembro-me de até há pouco tempo achar que Nova Iorque não deveria ser uma cidade boa para visitar sozinha. Enganei-me. Nova Iorque foi generosa comigo e ali está, à esquina, o Empire State Building completamente iluminado, a mostrar-me justamente essa generosidade. A mostrar-me que fui uma estranha em Manhattan, mas que terei Manhattan para sempre.
 
*Ella Fitzgerald, ‘Manhattan’, aqui: https://www.youtube.com/watch?v=x8MEVzVVQQ0

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