Viana, vaidosa e formosa

santaluzia2Chegamos a Viana já noite cerrada, com o plano de visitar a cidade durante o dia seguinte e à noite seguir para Braga, onde já temos hotel reservado. Manhã cedo, saímos para a rua e começamos a cirandar. E, cirandando, sem dar por isso vamos ficando enredados em cada esquina que percorremos. Mais e mais aprisionados, a rendição total ao encanto ocorre no início da tarde. Anulamos a reserva em Braga, procuramos um local de pernoita nos arredores (na cidade está tudo esgotado) e dedicamos os 3 dias livres de que dispomos a Viana do Castelo e arredores.

Tal como uma mulher, uma cidade “tem que ter qualquer coisa além de beleza”. Mas ao contrário do que diz o poeta, não deverá ser “qualquer coisa de triste”, mas sim uma coerência e um magnetismo próprios.

Sem dúvida, o património monumental do centro histórico de Viana é deslumbrante, a sua recuperação primorosa. Mas o que emana por todo o lado, entontecedor, é um cuidado especialíssimo dos governantes e dos cidadãos na gestão da sua cidade. Uma inteligência, um bom gosto, uma harmonia e uma identificação amorosa dos habitantes que se revela, por exemplo, na limpeza irrepreensível e esmerada – um brinquinho! – que seria impossível de manter sem o empenho de todos.

Nas ruas, ar arejado e poucos carros à vista – a circulação de viaturas foi quase totalmente banida do centro da cidade, que nem por isso deixa de ser de fácil acesso a visitantes motorizados: a permitir essa proeza, um parque de estacionamento subterrâneo, inédito no seu comprimento ao longo de uma das principais avenidas, planeado com capacidade para o futuro. Que Viana é membro fundador da rede portuguesa de cidades saudáveis e faz parte do projecto cidades sustentáveis, só viemos a saber mais tarde, já depois de o termos sentido ao vivo, no cuidado social e ambiental e numa calma que embala a alma.

Na biblioteca desenhada por Sisa Vieira, o impacto da vista para o rio quase inviabiliza a leitura e a exposição da rica e diversificada etnografia de Viana prende-nos às gentes pela sua habilidade e singularidade nos bordados, ourivesaria, filigrana, rendas, louças, cestaria, danças e trajes…

No funicular subimos ao monte de Santa Luzia (à saída, a casa de banho pública limpinha e com papel higiénico) e assistimos, nas varandas da Pousada do Monte de Santa Luzia, a um crepúsculo inesquecível no topo de uma vista esmagadora sobre a cidade, o mar e a foz do rio Lima. Jantámos um jantar que antes fosse de uma frugalidade espartana, pois saciados estávamos já pelo estonteamento da paisagem.

Os habitantes parecem achar natural tanta beleza, e, aos elogios, aquiescem com sobriedade e acrescentam, a maioria das vezes – “e o tempo que está tão bonito”. Mas um vianense revelou-nos, em segredo, que os vianenses têm vaidade na sua cidade (“Viana é vaidosa”). Isso nota-se implicitamente e têm toda a razão para a ter.

Como visitante, a imagem que se leva é a que é oferecida. Estará a pobreza, tão visível noutras cidades portuguesas, escondida nos bairros periféricos? Haverá uma larga e efectiva participação dos cidadãos na tomada de decisões e transparência no controle da integridade? Perguntas que ficam no ar, seja onde for.

À partida, fica o desejo de voltar e de que Viana continue a ser gerida com discernimento e brio pelos dirigentes e pelos cidadãos e não sucumba à tendência desenfreada para o lucro fácil e “camas para o turismo”. Um fenómeno todo especial faz crer que sim: não vimos no centro da cidade uma única “loja de chineses” nem de “tudo a um euro”.

Havemos de voltar a Viana!

Comments

  1. Esteves says:
    • Ana Moreno says:

      Preconceitos, caro Esteves, são maus conselheiros. Apresentei argumentos…

  2. Ricardo Ferreira Pinto says:

    «Havemos de ir a Viana, ó meu amor de algum dia».
    Fizeste bem. Viana não se compara com Braga, é a mais bela das cidades médias portuguesas.
    Não só a cidade (espero que tenhas ido conhecer as melhores Bolas de Berlim do mundo na Natário), mas toda a costa até Valença. Em especial Vila Nova de Cerveira, uma pérola…

    • Ana Moreno says:

      Fomos costa acima pois! É um belíssimo pedaço de Portugal! O Armindo forneceu-nos as dicas… obrigada!

  3. Orlando Sousa says:

    E a Citânia de Santa Luzia (sítio arqueológico da Idade do Ferro, com Centro Interpretativo e onde a manutenção da vegetação é feita com um rebanho de ovelhas residentes), junto ao Hotel e as empadas de lampreia (também no Natário)!

    • Ana Moreno says:

      Oh pena, vimos algo indicando a Citânia, mas não fomos, tem de ficar para a próxima. Lampreia é que no way! 🙂

  4. Ricardo Ferreira Pinto says:

    E é a primeira cidade portuguesa AntiTouradas (e penso que a única).

  5. Esteves says:
  6. Afonso Valverde says:

    Bom naco de prosa sobre um pedaço de Portugal muito bonito.
    O monte de Santa Luzia , onde se encontra a citânia, merece ser “saboreado” assim como os petiscos de que falaram os comentadores.
    Vivi 3 anos em Viana e conheço-lhe quase todos os seus cantos.

  7. Esteves says:

    Se me deixarem, escrevo um post sobre as miúdas mais bonitas deste mundo, a minha mulher e as minhas filhas.

    Mai nada.

    https://youtu.be/6N3CRg8q-rA

  8. Nightwish says:

    “Que Viana é membro fundador da rede portuguesa de cidades saudáveis e faz parte do projecto cidades sustentáveis, só viemos a saber mais tarde, já depois de o termos sentido ao vivo, no cuidado social e ambiental e numa calma que embala a alma.”

    Pois, também deve ser a cidade que mais lucra com cada turista, já para não falar de quem trabalha.

    Fora isso, também gosto de Viana, vou acreditar em si que os arredores também valem a pena e alargar a minha próxima visita.
    Aliás, tudo o que vi do Minho é uma beleza. Se for até Caminha, dê um salto a Moledo e coma no Gaivota.

    • Ana Moreno says:

      Obrigada pela dica, vai para a lista, porque faço questão de ir conhecer muito mais a região – e aliás Portugal todo. Descobri que é o país onde mais gosto de viajar. Não é só pela beleza – infelizmente, às vezes até se encontra mais a feiúra e tristeza da pobreza – é também por poder conhecer algo das suas gentes, das suas histórias, da sua vida nessas paisagens e lugares. E muitas vezes fico emocionada com o que vou conhecendo (sendo que, é claro, outras vezes fico indignada, mas é raro 🙂 )

Discover more from Aventar

Subscribe now to keep reading and get access to the full archive.

Continue reading