Carlos Alexandre, um juiz do Antigo Regime

Não sou suspeito de admirar José Sócrates. Por mim, ia apodrecer uns anos valentes nos calabouços de Évora. Só não digo que é culpado porque não posso.
Defender a Justiça neste caso é outra coisa totalmente diferente.
A verdade é que não consigo defender a extrema morosidade deste processo, por mais complexo que seja. Nem as constantes fugas ao Segredo de Justiça, promovidas pelo Ministério Público através do inenarrável Correio da Manhã (podiam ter escolhido o Público, mas não seria a mesma coisa). Nem a inexplicável entrevista – no timing e no conteúdo – do juiz Carlos Alexandre à SIC.
O timing é parvo, mas é o conteúdo que mais me preocupa. Pelo que diz o entrevistado, mas sobretudo pelo que revela sobre ele.
Em primeiro lugar, o que diz põe em causa a sua independência. Alguém que tem como missão julgar de forma imparcial não pode vir dizer publicamente que não tem dinheiro em contas de amigos, insinuando que José Sócrates tem.
Depois, temos na entrevista um conjunto de banalidades sobre a sua vida particular. E esta é a parte mais confrangedora. 
A um juiz, pede-se que tenha mundo. Que leia. Que ouça música. Que viaje. Que tenha amigos, que saia, que conviva. Só assim poderá perceber o mundo que o rodeia, só assim poderá abarcar uma realidade complexa que vai muito para além das capelas de Mação.
Pois bem, Carlos Alexandre não tem nada disso. Segundo as suas próprias palavras, não lê, não ouve música e não tem amigos. Só trabalha. E acha que não precisa de nada daquilo para desempenhar bem o seu papel. Poderia passar perfeitamente por um juiz do salazarismo. Ou pelo próprio Salazar, o parolo de Santa Comba.

Comments

  1. Ernesto Martins Vaz Ribeiro says:

    O que mais choca na figura do pacóvio de Mação, é a sua pouca inteligência e a sua incapacidade de perceber que desde há muito tempo está debaixo de um ponto de mira, sendo pois necessário pensar e repensar as suas acções mais eficientemente que qualquer mortal.
    E choca ainda mais perceber a quem está entregue a justiça neste País.
    Move-me pela negra figura de Sócrates a mesma admiração que narra o caro articulista. Não esqueço, contudo, que estamos perante uma prisão efectiva de alguém sem culpa formada, um acto verdadeiramente fascista que conheci antes do 25 de Abril, mas que pensava estar já erradicado.
    Este homem, sobre quem a generosidade e força da justiça portuguesa parecia estar suspensa é manifestamente um ídolo com pés de barro, um super-homem atacado por uma Kriptonite que parece, de facto, bem ligada ao antigo regime.

  2. Amém!

  3. Konigvs says:

    Há pessoas que não percebem que nunca deviam falar, pois a partir do momento que abrem a boca, todo o encanto se perde.
    Um juiz, que parece querer afrontar os interesses instalados, que é sempre o mesmo que os ouve, durante horas a fio os acusados, que trabalha muito e mais não sei o quê, faz-nos sempre imaginar um super-homem, alguém mesmo muito bom, imparcial, incorruptível, justo e cumpridor da lei.

    E um dia o super-homem, vá lá saber-se porquê – sede de protagonismo? – decide abrir a boca. E afinal ficamos a saber, que além de não ser super-homem nenhum, é na verdade um triste.

  4. doorstep says:

    Que o homem é inculto – mesmo boçal – não restam dúvidas.

    Liminarmente, há que trazer à luz um detalhe fundamental: este tipo não é “juiz”, no sentido que o bom pai de família entende a palavra. Este tipo não tem competência nem poder para julgar o Pinto de Sousa ou seja quem for: é “juiz de instrução”, que, para cúmulo, não tem por enquanto nada para instruir, uma vez que o ministério público não sabe ou não pode deduzir acusação.

    Nesta fase, a missão atribuída pela lei ao homem é tão só a de fiscalizar/validar actos do ministério publico.

    A parte mais obscura e sinistra deste folhetim está no medo que do tipo exala, como se estivesse vinculado a uma qualquer agenda sectária que lhe dará morte se não cumprir.

    Como vem sendo aventado, toda a cena se inscreve numa manobra parola para tirar o corpo da armadilha em que a parolice e a ambição de protagonismo o meteram.

    Que lamaçal!!!

  5. Manuel Rocha says:

    Provavelmente já repararam, mas não é só em Portugal, que os “poderosos”, para não falar de “capitalistas” ou de “burgueses”, ou de “direita” ou de “esquerda”, para não ferir a susceptibilidade de algumas pessoas, que essa gente que há 30 ou 50 anos usavam os militares para defender os seus interesses, usam agora os “batas pretas”, sejam magistrados, juízes e outros figuras doutas das sociedades. Exemplos há por todo o mundo

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