Lettres de Paris #4

Hollande: peut-il y aller? Ou la ‘jungle’ à Paris

Vejo na televisão (que só tem canais em francês) que se as eleições presidenciais em França fossem hoje, Marine Le Pen teria 28% dos votos. Alain Juppé a mesma percentagem. Aflige-me que Le Pen esteja em primeiro nas intenções de voto. Como me aflige, malgré tout, que apenas 9% dos franceses declarem que votariam em Hollande. Não é que tenha especial simpatia por ele, mas tenho seguramente menos por Le Pen e por Juppé. De facto anunciam agora mesmo na tv, enquanto em rodapé passa a notícia de um novo desmantelamento da ‘jungle’ de Calais*, a insatisfação dos franceses com Hollande. Não é à toa que a direita sobe nas intenções de voto, quando na televisão, nos canais de notícias, aparecem constantemente as imagens da dita ‘jungle’. Aliás, só o nome é já todo um programa ideológico.
Em Paris há muitos sem-abrigo e pedintes. Hoje, por exemplo, vi um homem deitado ao comprido no cruzamento da Rue Danton com o Boulevard Saint-Germain. Ali, estendido, descalço, enquanto à sua volta a cidade se movimentava indiferente. Olhei para o homem e baixei-me, mas parecia estar a dormir, talvez bêbedo, talvez apenas cansado da selva que podem ser as cidades. Sendo que Paris, apesar de toda a sua beleza, não é uma exceção. À saída do supermercado, um homem disse ‘Madame, vous n’avez pas un euro?’. Não lhe dei o euro, mas agora penso que talvez devesse ter-lho dado. Afinal o que é um euro, numa cidade onde um café, de qualidade muito duvidosa, custa, no mínimo, 2,5 euros ou uma água de 50 cl custa mais de 4? Não lhe dei o euro porque vinha carregada de sacos de compras, que com dificuldade transportei até casa. Podia ter-lhe dado uma maçã, mas talvez a não quisesse.

Na televisão, juntamente com notícias do desmantelamento da ‘jungle de Calais’, dos imigrantes que chegam, da insatisfação dos franceses com François Hollande, fala-se da diminuição da taxa de desemprego em 1,9% (-66300 pessoas), a baixa mais importante desde 1996! Nas ruas e nos cafés de Paris, as pessoas não parecem desocupadas, à exceção dos sem-abrigo e dos pedintes. Mas mesmo esses, terão as suas ocupações, naturalmente, se não falarmos de trabalho bem entendido. Amanhã, ouço agora, haverá uma manifestação de polícias que sairá da Place de la Republique ao meio-dia. Ontem, a minha colega Aline disse que se em França cortassem os salários como fizeram em Portugal… isso seria ‘pas possible’. Pelo menos, manifestam-se. Mas pensam votar em Le Pen ou em Juppé.
Hoje trabalhei a tarde inteira. Antes da hora do almoço tinha umas coisas que resolver na Maison Suger. A seguir fui devagarinho, pela Rue d’Éperon até à Rue Danton e ao cruzamento desta com o Boulevard Saint Germain. Antes de ver o homem estendido ao comprido no passeio, bebi um café expresso e fumei um cigarro numa esplanada. A seguir fui Boulevard abaixo, passei de novo os jardins medievais, a Rue de Cluny, a Rue Saint-Jacques, a Rue Thénard, a Rue Jean de Beauvais e depois virei na Rue des Carmes, com o Panthéon ao fundo. Subi a rua, encontrei a bonita igreja de Saint-Ephrem que tem concertos de música clássica (e isto lembra-me logo o David) algumas vezes ao fim de semana e ao fim da tarde. Na esquina com o sítio onde trabalho há o pub Saint-Hilaire que tem ‘bitoques’, assim mesmo: ‘bitoques’. Um dia que me levante cedo e almoce hei-de ir lá comer um.
O centro de investigação está praticamente vazio. A maioria das pessoas trabalha em casa. Eu definitivamente prefiro vir aqui umas horas. Mesmo porque me consigo ligar por vpn à Universidade de Aveiro e isso tem bastantes vantagens, quando se precisa de pesquisar. O centro tem um terraço bonito onde se pode fumar. Fumei pouco, no entanto, nas cinco horas em que lá estive. Talvez dois cigarros. Pas mal. De uma das vezes estavam duas raparigas, estudantes de doutoramento, a fumar também. Conversámos um pouco. Ambas desoladas por não falarem inglês bem, o que me surpreendeu um pouco (ver a carta de ontem). Talvez os jovens não sejam assim tão orgulhosos da sua língua ao ponto de se recusarem quase a falar outras. Confesso que tenho dificuldade em compreender esta recusa nos mais velhos, como princípio geral. Compreendo que se possa não querer estar submetido à ditadura do inglês, na ciência. Compreendo até certo ponto, bem entendido. Já disse outras vezes que é importante termos uma lingua comum. Mas saber falar outras línguas para além da nossa própria é tão importante para compreender o que nos rodeia, melhor. Ler literatura na língua original é um prazer enorme, ao menos para mim. Escutar as conversas nas esplanadas, por exemplo, e ser capaz de as seguir – às conversas – em várias línguas, é um dos meus passatempos preferidos. Saber várias línguas – já o disse de outras vezes – é poder compreender melhor o que há para compreender do mundo. Gostava muito de saber mais. Ou de as saber melhor, àquelas que conheço.
A tarde passa em trabalho. Quando saio já é de noite. Meto pela Rue Lanneau, depois viro à direita na Rue Jean Beauvais e alcanço a Rue des Ècoles e vou até à Rue de la Sorbonne, subo-a um bocadinho porque antes de ontem vi uma papelaria com caderninhos bonitos. Está fechada. Retorno à Rue des Écoles, entro na Pharmacie de la Sorbonne onde sou atendida por uma senhora muito simpática. Passo o cinema Champo, cujos bilhetes custam 8,5 euros, mas onde se pode comprar um cartão para 10 sessões por 50 euros (parece-me um bom negócio, atendendo à programação excelente) e entro no Boulevard Saint-Michel. Depois apanho o Boulevard Saint-Germain, passo a Rue Hautefeuille, a Rue Mignon e ali está a Rue Danton que percorro até à Place Saint-André des Arts para virar na Rue Suger. Deixo o computador em casa e volto a sair, pela Rue de L’Éperon. Vou ao Monoprix do Boulevard Saint-Michel. Faço um monte de compras e constato que a comida nos supermercados não é muito mais cara que em Portugal. Os produtos à venda são sobretudo franceses e eu maravilho-me diante da variedade de queijos. Quando saio, o homem pede-me o euro que não lhe dou. Transportei os sacos até casa. Arrumei as compras e liguei a televisão. A ‘jungle de Calais’ está a ser desmantelada. O desemprego diminuiu. Marine Le Pen está bem posicionada nas intenções de voto dos franceses. Apenas 4% dos franceses estão satisfeitos com François Hollande. Lá fora, a ‘selva’ de indiferença continua e os sem-abrigo procuram sítios para dormir.

Comments

  1. Confesso, já há bem mais de 20 anos que não vou a Paris, mas nas minhas recordações da cidade não constam mendigos, algo vai mal na evolução da sociedade daquela que há menos de um século foi o centro cultural da Europa e do Mundo e uma das principais economias do planeta

    • Elisabete Figueiredo says:

      Algo vai mal em toda a parte. Mas em Paris é impossível não ver sem abrigo, agora.

  2. joão M. Alexandre says:

    Se para falar de sem abrigos. podem ir á gare do oriente. aeroporto de Lisboa. almirante Reis. e Baixa . Não é necessário a deslocação a França, Para assistir a esta miséria do Regime democrático que espezinha os seus cidadãos.

    • Elisabete Figueiredo says:

      Caro João, eu sei. Mas vim a Paris e vou ficar cá uns tempos, por isso vejo esta situação cá também

      • joão M. Alexandre says:

        Pode ver também o regime policial em que a França se tornou.

  3. Ana Moreno says:

    Dar a maçã parece-me o mais indicado…

  4. Nascimento says:

    Há aqui muito para comentar, mas, apenas direi que um dos enormes problemas políticos foi criado pelo lache President, quando foi á pressa apresentar cumprimentos a Berlim. Foi aí que tudo começou. A desilusão foi grande e a mascara caiu .A partir daí foi sempre a descer. É ver quem este lache foi buscar: Valls , que não valia mais de 5% no Partido ,e esse ser inenarrável de direita que dá pelo nome de Macron! Porque escrevo isto’?para dar conta á Autora do poste do porquê das sondagens da FN. Não é a única explicação ,mas, ajudou e de que maneira nestes 5 anos! Agora está isolado e vai sair humilhado.
    Depois para dizer á Autora do poste o seguinte á Aline : o pas possible està possible! Ela deve de andar “distraída”! Então não sabe ,por exemplo, do que se passou em relação ao aumento brutal na restauração, no que toca a trabalhar aos Domingos e Feriados?Em 2005/6/7/8/9 ninguém trabalhava no SUPER U , INTERMARCHÉ, LE CLERC , ALDI, LIDL, AUCHAN, etc.
    Era viajar por França e suas regiões (Bretanha, Normandia) e reparar que os Domingos eram nesses anos SACRÉ! E tudo começou com os MÉRDIAS a ” entrevistar o POVO” e este a
    “afirmar” que dava um jeitão do caraçes ir ás comprinhas aos Dimanches !!!
    Depois ,como no tempo do seboso xuxialista Sócrates, começaram as “entrevistas” aos Belmiros e Soares da Costa Franciús e estes a afirmarem que desse modo iam ” empregar” BEAUCOUP DES FRANÇAIS!!!Ó oui….VIU-SE!!!
    Numa coisa tem razão aí manifestam-se. E chapada e alguidarada não faltam.Quanto aos flicks, esses, aos contrário daqui não entram em manifs da CGTF. Águas separadas.Tirando raras excepções .Em relação aos sem abrigo, que dizer ? Só pode aumentar.
    E prontos.Tá dito.
    Se me permite: a ter “tempo”, vale bem a pena um passeio a Chartres. É perto de Paris. 60km.Sai no centro da Cidade, na estação de comboios e tem a CAPITAL DOS VITRAIS da famosa Catedral de Chartres.O interior desta vale bem a viagem.
    E mesmo ao lado: o Museu do Vitral: Beleza mesmo, viu?E tem perante si uma cidade pequena, linda, e agradável para um belíssimo passeio…Dominical??? Inté

    • Eu cá nem vou dizer nada à Aline… se ela mora cá e não sabe isso, olhe… bom, ok, se a ocasião se proporcionar… direi. Obrigada pela sugestão. Hei-de ver se vou, sim. 🙂

  5. Nascimento says:

    QUAL É A DIFERENÇA? Nenhuma.
    Travail interimaire progresse en Bretagne.
    Le travail interimaire progresse en Bretagne
    Le nombre de chômeurs a reculé en Bretagne, de 2,1% le mois dernier. Une baisse directement liée au succès… de l’interim. D’après le baromètre Prism’emploi, ce type de contrat de travail “temporaire” a progressé de 3,8% par rapport à septembre 2015.

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