Lettres de Paris #13

La sociologie? Ça c’est génial. La sociologie rurale… c’est encore plus génial!…

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… disse a rapariga do Café-Brasserie Saint-André. Lembro que é o meu café oficial. O mesmo do empregado que fala português com sotaque brasileiro, apesar de ser, como a rapariga, francês de gema. Mais exatamente, a rapariga é da Bourgogne, de ‘un village en Bourgogne. Sei isto porque fui jantar ao Saint-André. A comida é ótima. Não sei porquê hoje não havia menu a preço fixo. De maneira que tendo-se esgotado o ‘plat du jour’ que era precisamente ‘boeuf bourguignon’, lá me decidi por um ‘magret de canard’ que – mesmo que não me tenham perguntado – estava divinal, bem tostadinho, cozinhado no ponto e com as suas batatinhas salteadas ‘aux fines herbes’. Comi tudo o que me puseram no prato e era imenso, bebi uma Leffe e a seguir, não satisfeita, comi uma mousse de chocolate que estava perfeita (Alda, era igualzinha à tua!). Comi como um abade e paguei como uma rainha. De vez em quando, ora, de vez em quando. Disse à menina que ia beber o café na esplanada. E que queria também um ‘verre d’eau’. Ela riu-se. Outro dia eu tinha-lhe pedido um ‘verre de l’eau’ (seria um copo com a água) e ela ensinou-me que era apenas ‘d’eau’ (um copo de água).
 
Quando me trouxe o café e a conta principesca à esplanada, perguntou-me de onde eu era, se era inglesa. Não, disse-lhe eu, sou portuguesa. Ela disse que a minha pronúncia lhe parecia inglesa, não portuguesa. Depois perguntou-me se estava de férias em Paris. ‘Non, je suis lá pour travailler pour quelques mois’, respondi que, com o meu aparente sotaque de inglesa. Claro que ela a seguir me perguntou em que é que eu trabalhava. Comecei a dizer ‘je suis sociologue…’ e ela abriu um grande sorriso e disse, entusiasmadissima: ‘ah, la sociologie? Ça c’est génial!’ e continuou a dizer que era o que gostaria de ser, mas que não estudou para além do liceu. Eu aproveitei uma aberta no entusiasmo dela, para acrescentar que era ‘sociologue rurale’, esperando que se espantasse por estar em Paris, assim sendo. Qual quê?! Ainda ficou mais entusiasmada e disse ‘la sociologie rurale? Mais ça c’est encore plus génial!’.

 
Eu ri-me de contente e ela explicou-me que era da ‘campagne’, da Bourgogne, de uma aldeia pequena e passou a explicar-me a história da aldeia e de como, durante a 2ª Guerra Mundial e depois, se mandavam as crianças parisienses para lá. Disse que se tinha casado muito cedo, que era típico ‘du village’ e que tinha tido um filho também muito cedo e por isso não pode estudar mais. Eu disse-lhe que ainda estava muito a tempo, que estudasse pouco a pouco, a sociologia, ainda por cima se gostava tanto. Riu-se. Disse que, com o filho, era difícil, mas que lia muito livros de estudos sociais, que gostava muito mesmo. Fiquei ainda mais fã do Café Saint-André. E dos empregados do café, claro. Não fosse o preço ser um pouco caro de mais para os meus bolsos de ‘portugaise’ (pois, se fosse ‘anglaise’ seria diferente) e iria lá bastantes mais vezes.
 
Antes do jantar no café o meu dia foi normal. Já tenho dias normais aqui, pois claro. Estou aqui praticamente há duas semanas, é normal que a normalidade se tenha já instalado um pouco. Fui para o Ladyss pela Rue de l’École de Médecine, admirando de novo a Université René Descartes e os edifícios maravilhosos da Escola de Medicina e, depois, quando a rua se estreita, os da Nouvelle Sorbonne. Depois enrei na Rue des Écoles e a seguir subi ligeiramente a Place Marcelin Berthelot mesmo em frente ao Collège de France. Admirei o outono nas folhas das árvores na pequena praça ajardinada que tem uma plaquinha verde que diz ‘Place Michel Foucault’. Um pequenino espaço verde em homenagem ao professor de ‘História dos sistemas de pensamento’ aqui mesmo no Collège de France. A seguir fui pela Rue Lanneau que desemboca mesmo no numero 2 da Rue Valette e trabalhei. Quando saí fiz praticamente o mesmo caminho, excetuando a Rue de l’École de Médecine. Ao fundo da Rue des Écoles virei à direita para o Boulevard Saint-Michel e fui ao Monoprix. O que também já começa a ser normal. Hoje comprei flores. estão ali numa jarra, a emprestarem cor e beleza ao pequeno estúdio. Há que tentar tornar os lugares mais agradáveis, acho eu. As flores dão esse toque agradável e colorido. Na caixa, o rapaz perguntou se eu tinha a ‘carte monoprix’. Disse que não mas que queria ter. Mais normalidade que isto é impossível.
 
Quando saí do Monoprix transportei as flores, e o resto das compras, com todo o cuidado até à Rue Suger. Arrumei as compras, pus as flores na jarra e ali estão a espalhar cor à sua volta. Cheirava bem quando entrei em casa. A minha casa temporária. Cheirava às velas que comprei antes de ontem no Marais. Tenho saudades da minha casa permanente, lá longe, das minhas coisas, das pessoas também, é evidente. Não me estou – absolutamente nada – a queixar, note-se bem. Aqui tenho todas as ruas de Paris que for capaz de percorrer, tenho os meus pés que raramente me doeram, tenho o meu pequeno estúdio e uma janela grande para aquela que é agora e temporariamente a minha rua, tenho centenas de cinemas, e museus, e clubes de jazz, a padaria onde a senhora me acena quando passo diante da montra, e os cafés onde os empregados, vindos do campo, se entusiasmam com a sociologia, particularmente com a sociologia rural. Pas mal. Pas mal du tout.

Comments

  1. nuno says:

    Cá os empregados corrigem que é copo com água, em França explicam que é copo de água.

    Será que em França também percebem que “Queria um café” é uma fórmula de delicadeza e não um pretérito imperfeito?

  2. Nascimento says:

    Vamos lá a aproveitar bem esses espaços( para fazer uns bonecos melhores ( não que estajam mauzinhos,mas…)…ok? Vá lá, Está lá quase, olhe essa janela, e essa arvore? basta um passinho mais pró lado… não se ” acanhe” tá bem? É aproveitar que o mês está a “pedi-las”! Obrigado por nos dar as suas impressôes …já agora, também em imagens!!!eheheheheh. bem haja.

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