Crónica do Rochedo XI – A morte de Rita Barberá

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Há uns dias vi uma reportagem do canal televisivo espanhol Antena 3 sobre Rita Barberá. Nesse momento decidi que tinha de escrever sobre a reportagem em causa. A preguiça foi adiando a empreitada. Até que ontem, Rita Barberá foi encontrada morta num quarto de hotel em Madrid.  Sofreu um enfarte, segundo o que se pode ler nos jornais espanhóis.

Vamos por partes. Quem foi Rita Barberá? Foi a presidente da Câmara de Valência (Alcaldesa como se diz por aqui) durante 24 anos, pelo Partido Popular (PP) e grande obreira das vitórias do seu partido na “Comunidad Valenciana”. Adaptando à nossa realidade, foi um dinossauro político e daqueles bem grandes – a ela muito deve o PP de Aznar e ainda mais o de Rajoy, de quem era amiga pessoal. Enquanto autarca revolucionou Valência (para o bem ou para o mal dependendo das opiniões e dos alinhamentos partidários de cada um). Uma coisa é certa, existe um antes e um depois de Barberá em Valência. E só isso já é relevante. Até que…

Até que foi obrigada a abandonar o “seu” PP, onde militou durante mais de 40 anos, por via da investigação judicial (confirmada pelo Supremo Tribunal) por eventual branqueamento de dinheiro no financiamento da sua última campanha eleitoral. Rita Barberá não teve “direito” à presunção de inocência por parte dos seus próprios companheiros de partido, nem tão pouco por parte da opinião pública e publicada.

É aqui que surge a reportagem da Antena 3 que me chamou a atenção para o caso. Na peça foi filmada a forma como os companheiros de partido de Rita Barberá a evitavam. Ela surgia em eventos políticos do PP e era ver tudo a fugir dela a sete pés, nem mesmo um simples cumprimento. Era como se ela fosse um corpo estranho. A mesma pessoa que durante mais de 20 anos era procurada por todos no seu partido, de quem todos queriam ser amigos e próximos, a quem todos bajulavam e a quem todos, presumo pela experiência que a vida já me deu, metiam cunhas e pediam ajuda para o financiamento partidário. É assim aqui em Espanha e é assim em Portugal. É assim na direita e é assim na esquerda. Enquanto as “Ritas Barberá” estão em alta, estão no poder, não faltam amigos nem faltam pedidos. Quando o poder desaparece e se por acaso precisam de ajuda de quem antes ajudaram, todos eles fogem a sete pés. A grande diferença é que a imprensa aqui é bem mais fria e cruel. A peça em causa era de uma crueza só possível por estas bandas, onde (felizmente) não abunda o respeitinho nem o falso decoro. A peça televisiva era de uma violência, tanto para Barberá como para os seus companheiros de partido, nada comum em Portugal. Nada de paninhos quentes: surgiam as caras dos que antes andavam à sua roda e a forma como agora fugiam dela e faziam de conta que nem a conheciam. E mostravam a Rita Barberá do passado, com a sua posse de poder e agora com a sua posse de pessoa acossada e abandonada. Todo um banho de realidade, da natureza da política.

Obviamente, não faço a mínima ideia se Rita Barberá está (melhor dito, estava) a ser justa ou injustamente acusada. Nem é sobre isso que escrevo estas linhas. Nem tão pouco sobre a “trama” que tinha lido e ouvido, na qual ela era uma das acusadas, da lavagem de dinheiro através do sistema de entregar mil euros em notas de quinhentos ao partido e receber os mesmos mil euros em notas de vinte e cinquenta euros. Não. Aqui escrevo sobre a natureza humana. A forma como boa parte dos seus “grandes amigos” do partido se afastaram e da “coincidência” de já ter visto este filme uma série de vezes na política portuguesa.

A verdade nua e crua de que na política não há amigos. Só circunstâncias. O caso de Rita Barberá é só mais um.

Comments

  1. Rui Naldinho says:

    O que eu escrevo:

    O que se passa na Suécia, é o paradigma de uma sociedade que se quer o mais transparente possível. A perfeição nunca se alcança, mas aproximarmo-nos dela já é um bom argumento.

    O que transcrevo:

    “Em primeiro lugar, toda e qualquer quantia indevidamente apropriada por um político deve ser imediatamente devolvida aos cofres púbicos. Em segundo lugar, começa o processo mais temido por um político sueco: a execração pública na comunicação social, que inevitavelmente ceifa as chances de uma reeleição. Um dos casos foi o de um ex-líder do Partido Social-Democrata, que renunciou após um escândalo provocado pela revelação de que a sua companheira não pagava para morar no apartamento que lhe tinha sido atribuído no exercício das funções para o qual estava investido, e onde viviam. Sim, porque na Suécia o Estado só paga o apartamento ao político se ele estiver em exercício de funções, e soma ele. Se a esposa decide morar lá, tem de pagar a sua parte, metade do valor do aluguer. O líder jurou que não sabia das regras, mas pagou prontamente todo o dinheiro devido aos cofres públicos – e desapareceu nas sombras do partido. Outro exemplo é o caso das duas ministras obrigadas a renunciar em 2006 poucos dias após sua nomeação, diante de revelações de que tinham empregado amas, sem pagar os devidos impostos que lhe diziam respeito. Pagaram o que deviam, e abandonaram a carreira política. A lei sueca não prevê penas especialmente duras para casos de corrupção política. Mas como diz o diretor da Agência Nacional Anti-Corrupção sueca, quem pune políticos corruptos é a opinião pública. Políticos corruptos não são reeleitos na Suécia, o que naturalmente é reflexo do nível de escolaridade e conscientização política do eleitorado.”
    Retirado e adaptado do livro “Um País Sem Excelências e Mordomias” de Claudia Wallin

    Este artigo do Fernando Moreira de Sá demonstra bem que na política nãos somos nada sem o Poder nas mãos.
    Mas mais do que isso, ele demonstra que apesar dos políticos se taparem todos com a mesma manta, por debaixo dela, fora do alcance do nosso voyeirismo, eles enchutam-se uns aos outros até que algum saia debaixo da coberta. Esse já lá não volta a entrar. Pelo menos enquanto os que lá ficaram não saírem também!

  2. Rui Naldinho says:

    Correção:
    ” … se ele estiver em exercício de funções, mas só a ele. Se a esposa decide morar com o marido na capital, tem de pagar a sua parte do apartamento.”

  3. Deviamos ter pena dos pulhas que exercem os seus cargos para defender os seus interesses e dos “amigos de circustancia” ? Fazer uma associação de defesa dos corruptos injustiçados pelos falsos amigos ?

  4. Todos os políticos do PP o que fizeram ao escutar a morte de Rita Barberá, foi ver-se na mesma situação que ela e pensar… Se descobrem o que fiz vou acabar como ela? No fundo este foi o “sentimento” verdadeiro que eles tiveram.

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