Da corrupção autárquica

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Disse um dia destes um amigo, a propósito do recente acto de contrição do Correio da Manhã sobre alegações feitas a respeito de Luís Filipe Menezes, que, se pensarmos bem, é muito difícil encontrar um presidente de câmara que tenha necessidade de se deixar corromper. Seja pelo salário elevado, principalmente quando comparado à média nacional, a que acrescem ajudas de custo para tudo e mais alguma coisa, do combustível que a viatura oficial da autarquia consome (e quem diz combustível diz seguro, manutenção ou arranjos) às telecomunicações, seja pelo almoço grátis (sim, eles existem), pelo jantar grátis, pelas inúmeras prendas que, aqui e ali, lhe vão sendo oferecidas, e que podem ir de um simples par de chouriças a um Rolex novinho em folha, seja pelos cargos acumulados em empresas ou outras estruturas municipais e regionais, que longe dos tempos áureos que antecederam a lei das incompatibilidades, continuam a ser bastante generosas, seja pelo poder semidivino de decidir sobre cargos com remunerações igualmente elevadas. 

Tudo isto, como não poderia deixar de ser, acontece dentro dos limites da lei. Ou não fossem as nossas leis escritas e aprovadas por políticos. Escusado será dizer que, tal como nas autarquias, muito do acima descrito se aplica ao Parlamento ou ao Governo, com o adicional de, em Lisboa, existirem representantes, não se sabe bem de quem, que acumulam a representação do povo português com a de empresas privadas, não raras vezes com interesses intimamente ligados às deliberações parlamentares. Interesses que, eventualmente, entram em conflito com o próprio interesse nacional.

Contudo, a impunidade é maior nas autarquias. Com a excepção das grandes cidades, os holofotes mediáticos não dedicam grande atenção ao dia-a-dia das centenas de municípios, juntas de freguesia e empresas municipais que existem neste país. Centenas de potenciais centros de negócio, sejam eles obras públicas, publicidade, consultoria ou equipamentos, que dependem das decisões de eleitos que, antes de o ser, precisaram de ajuda para lá chegar. Um autarca pode acumular um bom salário com a quase total ausência de despesas, o que lhe abre a porta à criação de um belo pé-de-meia para uma velhice desafogada, mas existem campanhas e favores para pagar. E, perdoem-me os honestos, que tenho a certeza absoluta de que existem, mas a realidade da maioria das autarquias portuguesas é esta. O presidente pode não querer meter ao bolso, porque o bolso pode até já estar satisfatoriamente cheio, mas o construtor civil que pagou as bandeiras acabará por ganhar aquela obra e o tipo que as abanou ganhará aquele lugar. Existem nomeações, estágios e ajustes directos com relativa fartura para distribuir. Tudo legal.

Existe também a ganância, a ambição desmedida ou a obsessão pelo poder. Por vezes, muito não chega, é preciso mais. É aqui que surgem as luvas ou os orçamentos inflacionados, cujos excedentes ajudam a engordar sacos azúis. Surge também a necessidade de pagar lealdades, pelo simples facto de terem sido leais ou apenas por saberem demais, que podem ir do emprego na câmara ao negócio ruinoso. Sempre por ajuste directo.

Quantos milhões serão anualmente movimentados por esta verdadeira economia paralela? Por este mercado negro de bens e serviços, à vista de todos e com a bênção da justiça portuguesa? Quão melhor estaria a economia deste país se, de uma assentada, conseguíssemos estagnar esta gangrena? Porque não conseguimos inverter este estado de coisas? Será apenas a nossa passividade, conjugada com a ausência de valores desta subespécie que vive do parasitismo, ou estaremos conformados com esta situação, pelo simples facto de não conseguirmos conceber uma alternativa? Será que, até na terrinha, temos que levar com a TINA?

Importa repetir, antes de terminar, que tudo isto é legal. Que um autarca tem o poder de tomar decisões que prejudicam a autarquia enquanto favorece terceiros. Que tem à sua disposição uma série de empregos e biscates para distribuir aos amigos. Que paga favores com o dinheiro que é de todos. Mas, pior que a imoralidade desta estranha forma de legalidade, é verificar a assustadora frequência com que confiamos os nossos destinos a indivíduos sem escrúpulos ou ética, mesmo quando sabemos o que valem e ao que vêm. E é por isso que nada disto acaba. Porque o convite, mais que tentador, é oferecido sem contrapartidas. Sem consequências. Tudo fácil demais para não ser aproveitado por quem tem a espinha dorsal de um caracol.

Imagem: Correio da Manhã

Comments

  1. E tudo isso passa por um belissimo “curriculum vitae”, onde consta que : foi isto Aqui! Aquilo ali! Administrador Acolá, Gestor Acoli…! mas onde nunca aprece, e nem sequer ninguem e nenhuma ENTIDADE, digna desse nome, vai escrutinar os resultados obtidos no exercicio de tantos e tão bem remunerados , ou não, cargos indicados, alguns deles com a ELOGIOSA e conveniente menção de ; P’RÒ BONO! O compadrio, como semente do “fartar vilanagem”, continua sem que exista investigação para um pesticida capaz de extreminar estes vermes inflamatórios das Sociedades. Lembreme-nos dos “créditos académicos” em licenciaturas da treta, por ter sido presidente do conselho fiscal da banda ou rancho folclórico de uma qualquer aldeia sem banda o rancho! Há a JUSTIÇA…..dos shampoos e injustiçados do deputedo peste grisalha.

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