Lettres de Paris #44

Le pire poulet rôti au monde

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faz-se em Paris, no OComptoir, escrito assim mesmo, que fica na Rue Saint-Severin. Portanto, se vierem a Paris e vos apetecer de repente comer frango assado procurem outro sítio. Não sei porquê hoje apeteceu-me comer frango assado e lembrei-me que tinha passado num sítio onde o faziam. Até pensei trazer um para casa e comê-lo com uma saladinha. Por isso, quando saí do Ladyss, num dia sem grande história, dirigi-me para a Rue San Severin em busca do frango assado. Que não vendiam para fora. Resolvi então comer ali mesmo. O restaurante é um desses sítios que não se compreende bem o que é, ou seja, de que tipo é. Anunciava, no entanto, cozinha francesa. Sentei-me longe do piano e da rapariga que até nem cantava mal os ‘greatest hits’ da canção francesa. Aquilo devia ter-me dado algum sinal, mas lamentavelmente não deu. Lá pedi o frango assado e uma cerveja, apesar de tudo antecipando o bem que me iria saber o dito frango.
 
Quando o frango chegou fiquei logo preocupada. Mal assado e com umas batatas igualmente assadas que, visivelmente se tinham visto ‘negras’ para ali chegar. Era tudo. Nem uma saladinha, nem um arrozinho. Provei o frango e nem vos seis dizer como era horrível. Juro que havia partes que sabiam a mofo, ou a alguma coisa que parecia mofo e que não sei definir. Comi as batatas e um bocadinho de pão. Pensei refilar mas considerei que não valia a pena. Para me trazerem outro ainda pior? Nem bebi café nem nada e pus-me andar, depois de pagar uma quantia exagerada por umas batatas e pão afinal. Vinha furiosa pela Rue Saint-Severin fora, a pensar porque raio me haveria de ter apetecido frango assado e porque raio tinha eu trocado os únicos quatro restaurantes de Paris de que gosto genuinamente (bem, há um quinto, mas fica um bocadinho longe daqui, no Marais) por um totalmente novo. Não duvido que haja outros restaurantes bons em Paris, claro, sobretudo caros, sem dúvida. Mas aqui no bairro, gosto destes quatro e nunca fui mal servida em nenhum deles.
 

Vinha remoer nisto e ainda com fome e ainda com o sabor do mofo ou lá o que era na boca e passei em frente do Le Saint-André (onde deveria ter ido em primeiro lugar, está bem de ver). O empregado albanês, que fala seis línguas pelo menos e que agora sei que se chama Franco, perguntou-me se estava tudo bem. E eu disse-lhe que não. Preocupou-se: vous êtes malade? Mais non, disse-lhe eu, só tive a ideia de comer frango assado e patati patata. Ele disse que era bem feita, porque tinha traído o Saint- André. Concordei com ele, obviamente, já que nunca comi nada que não fosse bom e bem feito neste café brasserie. Pedi-lhe um café e um copo de água e uma coisa qualquer com chocolate para tirar o horrível sabor do frango da boca. Trouxe-me um petit gatêau. Consolei-me, claro. Era bom. Mas não me fez, lamentavelmente esquecer o péssimo jantar.
 
Quando fui pagar ele informou o dono que eu tinha comido mal e era bem feita porque os tinha traído, sim, a eles, que até uma mesa já me atribuiram. A mesa Portugal. Fiquei a sentir-me mal, se calhar, muito provavelmente não devia ter dito que tinha ido jantar a outro sítio, mas concordei com tudo, evidentemente e acrescentei que sim, que nunca mais os traíria porque ali a comida é sempre boa e muito bem feita. Voltei para casa, um bocado mal disposta do jantar. Não é nada de especial, um mau restaurante é uma coisa normal, em França ou noutro sítio qualquer, na verdade. E se não experimentarmos nunca vamos saber os que são bons e os que não são. Mas, bolas, apetecia-me mesmo frango assado. Devem ser as saudades da comida portuguesa, dado que, se pensar bem, também me apetecia cozido à portuguesa, bacalhau com grão, e mais não sei quantas coisas que não como há montes de tempo. Podia cozinhar é verdade, mas a cozinha é bastante rudimentar e recuso-me, por exemplo, a fritar coisas num espaço tão pequeno. Depois, aqui as coisas são diferentes. Ainda não vi bacalhau à venda, por estranho que pareça. Os sabores das coisas – até da maionese, por exemplo, são também diferentes. Só a salada e a fruta e o peixe e o pão e as batatas me parecem mais ou menos iguais (mesmo os ovos são esquisitos, com uma gema muito clara…). É verdade que tenho sempre o queijo, que é geralmente maravilhoso – e eu adoro todo o tipo de queijo – mas o meu colesterol não há de gostar muito ou sim, há de. E esse é um problema. Estou, por isso, bastante limitada no que toca à culinária. Também não posso fazer sopa porque não há varinha mágica. De maneira que lá vou comendo peixe cozido com batatas, massas com isto e com aquilo, baguettes com queijo, saladas disto e daquilo. Mas de vez em quando ou muitas vezes apetece-me assim uma janta como deve ser, tipo um bife com batas fritas, um magret ou um confit de canard, uma carne estufada, um salmãozinho grelhado, franguinho assado…
 
Aprendi a lição. A partir de hoje, a menos que alguém me recomende outros restaurantes, vou passar a ir só aos mesmos quatro que já conheço e sei que são bons. Nada de invenções. São estas horas e ainda me parece que sinto o sabor a mofo do frango na boca. Um pecado para quem gosta tanto de comer como eu. Acho que vou beber uma águinha das pedras. Ah, espera, aqui também não há água das pedras. Não fotografei o frango. Não costumo fotografar comida e aquela, honestamente, era digna do balde do lixo, não de uma fotografia. Por isso, a única coisa que a fotografia tem a ver com o pior frango assado do mundo é que foi tirada quase há dois meses na rua onde fica o restaurante que faz o pior frango assado do mundo.

Comments

  1. Paulo Só says:

    A boa comida francesa é cara mesmo. No Quartier Latin é difícil achar algo decente, como aliás em Saint Germain e Montparnasse, que não seja um preço absurdo. Tem de se ir para os lados de Jussieu (rue de Fossées Saint Jacques, se bem me lembro, rue de Poissy, por essas ruas). Em Saint Germain deve se achar alguma coisa rue du Bac, rue du Cherche Midi. Mas na rive gauche só mesmo no XV se come bem por preços aceitáveis. Frango é difícil de achar bom. Se for “poulet de Bresse” ainda tem alguma chance de ser comível. Para eles frango é coisa de americano, ficam a rodar interminavelmente nas “televisões de cachorro”, como se diz no Brasil. A última vez que estive aí fiquei no IX, onde há muitos restaurantes novos interessantes. Mas mesmo assim não são dados. Por isso os restaurantes japoneses estão sempre cheios…Um lugar razoável aí perto era o L’Ecluse no cais, à esquerda de quem desce para o Sena, depois de um italiano (acho) na esquina da Place Saint Michel. Ás vezes o prato do dia não é mau. Um outra defesa, se tiver um microondas, são os congelados da Picard. Não são maus.

    • Sim, já passei perto desse L’Ecluse, mas nunca entrei. O italiano ou já não existe ou nunca dei por ele. Há um italiano (que está entre os 4 que refiro na carta) na esquina do Boulevard Saint-Michel com o Boulevard Saint-Germain. A comida é bastante cara, sim, nos restaurantes e mazinha, em muitos deles. lamentavelmente não há microondas na Maison Suger, só um forno do tempo da Maria Cachucha que me mete um bocadinho de nojo usar :/

  2. Pedro says:

    Eu, quando estive em Paris, comia basicamente cuscuz e baguetes com coisas dentro, em roulottes de rua, para além de hamburgueres da Macdonalds que vi pela primeira vez; não sou exemplo nenhum. Mas sei que pedir frango assado em Paris e esperar matar saudades do nosso frango assado, é… ousado;. De qualquer maneira, ao menos que estivesse bem confeccionado, isso é verdade. O nosso frango assado, tostadinho, barrado com molho de piri-piri, tem origem africana, aquele que devem servir no Nando’s (não sei se existe a rede em Paris). Os franceses não conquistaram os trópicos, mas o norte de África. Devem ter bom poulet, mas é no pot au feu, alguma coisa assim.
    Curiosamente, comi muito bom frango assado, parecido com o nosso, em Atenas, já há mais de vinte anos, e baratinho.

    • Paulo Só says:

      A verdade é que o nosso frango não é assado, mas grelhado. Mas há muito boas aves na França, nesses estaminets baratos é que não há condições de os cozinhar decentemente. Mas a boa carne na França é a de vitela, vaca, e o cordeiro. O porco não é bom, nem o sabem cozinhar. Um bom “refúgio” para portugueses é a comida do sul da França: o pato, magrets, confits,, as ratatouilles, o cassoulet, por exemplo. Pot au feu também, claro.

      • Pedro says:

        Também me parece, Paulo. Em contrapartida, ninguém aproveita melhor o porco do que nós; nem os espanhóis, apesar do presunto. Eu só aprendi de comida francesa a ler o Simenon, que é como quem diz, as histórias do bom do Maigret. Há até um livro de receitas do Maigret, que devo ter para aí. Aquelas boas comidas du pays.

    • Pedro, ontem encontrei uma churrasqueira portuguesa! Já escreverei uma carta sobre isso. Os franceses têm comida boa, como essa que é referida por si e pelo Paulo, mas nos restaurantes quase nunca é muito boa (a menos que se pague uma pequena fortuna). Aqui no restauramte perto, que é mais uma Brasserie, onde vou mais vezes, cozinham bem, mas acaba por ficar também caro ir lá muitas vezes :/ Mas agora que encontrei uma churrasqueira portuguesa a minha vida breve de parisiense vai mudar 😀

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