Salazar vive!

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Eu já não sou do tempo em que, no Minho, famílias inteiras sobreviviam única e exclusivamente daquilo que a terra dava.

Nos tempos do outro senhor, dizem-me, os caseiros habitavam umas casas rodeadas de muita terra arável. Tinham como posses algumas juntas de bois, algumas vacas leiteiras e muitos filhos – uma benção, porque alguém tinha que trabalhar as terras e os filhos não regateiam salário e outros luxos. Deixá-los ir para a escola era perder de amealhar umas arrobas de batata e milho, uns carros de pão. Dócil o gado e os filhos assim educados para o trabalho.
No final de cada temporada, o servo da gleba entregava ao senhor metade ou dois terços da produção da terra. Batata, cereal, vinho. Era dele para comerciar o restante.
Noutros contratos de sobrevivência, o caseiro comprometia-se entregar ao senhor dadas quantidades de produtos agrícolas. Havia anos maus, com uma produção abaixo do estipulado e havia senhores que não perdoavam os seus servos. A miséria perpetuava-se.
A miséria e a subserviência medievais duraram para lá de muito. No Minho, somos todos filhos ou já netos desse tempo.
No Minho isto é passado. No Alentejo, parece que ainda dura o regime do trabalho em troca da luz do dia seguinte.
Atente-se no anúncio da Associação de Defesa do Património de Mértola.
Procura-se um casal, no mínimo, versado e experimentado nas lides agrícolas, silvícolas e pecuárias, com aptidão para receber e acompanhar visitantes, falante de pelo menos uma língua estrangeira, motivado, criativo, comunicativo e disponível para trabalho* em horário flexível.

Salário: um tecto e um pedaço de terra para dele extrair salário.

Tal como no Minho medieval de há umas décadas.

* “trabalho” não pressupõe obrigatoriamente um salário?

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Comments

  1. Konigvs says:

    Ainda no fim-de-semana passado os meus pais falavam disso, da miséria que era ter de dar 2/3 ao senhorio. E da minha mãe, com dez anos, e ainda antes de ir para a escola (sempre descalça) ter de ter prontos inúmeros trabalhos agrícolas feitos. E nós não somos do Minho.

    Agora que já não há escravos para trabalhar as terras por uma côdea de broa , e os pobres ainda assim já podem pôr os filhos a estudar mais uns anos, plantam-se eucaliptos, choupos, ou deixam-se os terrenos a ganhar silvas…

  2. atentoàs cenas says:

    fiquei contente em saber que no minho já não há caseiros.

    • Não há “caseiros”, há pessoas com salário e com os filhos na escola. Pessoas normais, no fundo.

      • atentoàs cenas says:

        (sem prejuízo do tópico do seu post) há caseiros no minho. menos , muito menos que no “antigamente” mas há. não vem na wikipédia nem nos jornais contudo existem.

    • Rui Naldinho says:

      No Minho ainda há caseiros, mas poucos. Os donos querem é ver-se livres deles, mas sem lhes pagar nada. Dai ainda existirem uns quantos velhos nessas condições.
      Reconheça-se que a maior parte das propriedades de minifúndios do Minho, hoje estão transformadas em lugares destinados ao Turismo Rural, a Turismo de Habitação, a Casamentos e batizados, e mais recentemente AIRBNB, que é o aluguer de habitação por inteiro ou por partes, usufruindo de tudo o que ela proporcionar.
      Porque é que existia o caseiro?
      Ora, esse e a sua família, eram os únicos que trabalhavam a terra em permanência, ainda que na altura de algumas colheitas, vindimas, etc, o pessoal pudesse ser reforçado com gente de fora por temporada.
      Mas se no Minho a coisa era má, no Alentejo e Ribatejo nem vale a pena tecer grandes comentários. É ler os Gaibéus de Alves Redol, Seara de Vento de Manuel da Fonseca, entre outras obras …

      • Nascimento says:

        Não mande o nojo ler esses livros que o animalzinho só merda tipo Observador e C.M. lhe enche o estômago de porco.

        • atentoàs cenas says:

          oh senhor nascimento. não devia ter saído da alatrina. olhe que se constipa…

  3. manuel.m says:

    Tanta indignação, tão imprudente:
    No anuncio não é mencionado o pagamento de renda, seja em generos, seja em dinheiro, nem é mencionada a area da propriedade. Mesmo em Mértola, tão diferente do verde Minho, um ou dois hectares podem dar sustento. E um T1 para um casal parece ser adequado.
    Um tiro de polvora seca, portanto.

    • Exacto.Um ou dois hectares podem dar sustento.
      Mas, como no Minho de outras décadas, podem não dar.
      O anúncio é omisso em alguns pontos, nomeadamente quantos hóspedes, em média, se alojaram e quanto gastarão com a sua estadia, em média. Certo é que o trabalho dos cicerones é oferecido pelo simpático casal, que acolherá os hóspedes em língua portuguesa ou em uma língua estrangeira. É para isso que se estudam línguas, não é? – para receber bem os turistas.
      E para lhes apresentar a factura e entregar o pecúlio ao dono do estabelecimento, certo.

      Portanto, fico na dúvida acerca de quem pagou a eventual renovação ou montagem do alojamento neste espaço rural.
      Espectacular mesmo seria terem sido subsídios europeus, na expectativa de que gerariam alguns postos de trabalho. Isso era mesmo espectacular.
      Talvez o tiro de pólvora seca saia pela culatra.

  4. Por acaso em Mértola, são preciso muitos ha para as terras terem produtividade suficiente (centenas), mas a questão nem é essa, a questão é que se pede que se faça a gestão agrícola, florestal e pecuária de uma exploração de centenas de ha e ainda se trate da componente turística a troco de quê? Casa (e que condições terá a mesma?) e uma parcela de terra. Ou seja 2 licenciados, fluentes em línguas, com aptidão para trabalhar a terra, que de dia trabalham de graça a troco de um pequenito T1, que nem crianças podem almejar ter, e de um pedaço de terra, que podem cultivar à noite talvez, depois da mulher ter atendido os turistas e o homem ter podado as árvores e tratado das aromáticas… Escravatura?!?

  5. jpfigueiredo says:

    Pois é, e o Salazar vive também nos comentários. É por demais evidente que se pretende celebrar um contrato de trabalho apenas com pagamento em espécie (habitação e área de cultivo), o que é manifestamente ilegal. A lei impede que a parte da remuneração em espécie exceda em valor a da retribuição pecuniária. Ou seja, num contrato de trabalho deve sempre existir um pagamento em dinheiro, metade ou mais. O que é inacreditável é que venham para aqui comentadoiros meter a pata na poça e falarem do que não sabem.

  6. mdlsds says:

    Sou filha e neta de gente do Minho que andou descalça e dividiu uma sardinha por oito. Já nasci na capital e sempre me sentei a uma mesa onde nada faltou. Já nasci no tempo em que quem trabalha é pago por isso. Já tinha visto esse anúncio e confesso que, na minha ingenuidade, ou conforto de quem felizmente desconhece os meandros da exploração, não me passou pela cabeça que não havia lugar a remuneração mas a verdade é que nada é mencionado sobre isso. Isto não explora só quem precisa de comer, explora também um certo romantismo que assola as pessoas das cidades quanto à vida pacata do campo e de como seria bom voltar ao tempo dos avós, à terra, à alimentação saudável com origem na própria horta, de como seria bom fugir daqui, da exigência que é viver numa grande cidade. Isto explora a necessidade íntima de mudança, a coragem ou a falta dela. Ou assim assumi por sentir às vezes esse apelo. Parece-me é que são exigidas demasiadas competências que não serão fáceis de reunir num só casal (só este conceito diz muito sobre o anúncio) e pode até ser revelador de que o patrão, fazendeiro, senhorio, pouco ou nada percebe da poda.

    • Mas é isso mesmo que o anuncio procura: um casal de urbanos, que pelo apelo da terra não percebam o engodo que ali vai. Trabalhar de graça a tempo inteiro e mais o que for necessário (pedem disponibilidade de horário flexível) em múltiplas tarefas, com uma carrada de competências e toma lá uma casita. Eu que já visitei, sei que nem casa de banho tem (há 1 balneário), nem internet, nem eletricidade… Mas é bem capaz de haver um casal com o apelo da terra e sem trabalho que ainda vá ao engano…

  7. Trabalhar dignifica mesmo que seja de graça e pelas qualificações que exigem, parece-me um aviso “encomendado”, por outro lado não podemos ser todos funcionários públicos, “alguns” deste país comunista têm mesmo que fazer-se à vidinha…

    • António Fernando Nabais says:

      É isso, zezito, não há nada mais fácil do que dispor da dignidade alheia e poder dizer a alguém que não se deve queixar por não receber e que deve agradecer por ter trabalho, como se, numa sociedade civilizada, o trabalho pudesse não ser remunerado.
      E tem também razão o zezito: trabalhar e ser funcionário público são coisas diferentes.
      E os comunistas, valha-me Deus, ai os comunistas. Esconde os teus filhinhos, zezito, que está na hora do pequeno-almoço!
      Cumprimentos aí para Santa Comba.

      • Ó Nabais & C@ então onde está o espirito natalicio? E o gozo? Pareceu me a oferta de uma datcha para os fins de semana. Comunistas? Mas o pcp e o bloco já não o são? f5 as noticias que ando a ler…Boas Festas, aqui se sta comba 😛

    • Paulo Só says:

      A primeira reação é achar que o Zé vive em outros tempos em que o mundo se resumia a uma guerra entre grandes proprietários e funcionários públicos comunistas. Depois pensamos que não, a nossa esperança é que é de outros tempos. Na Europa estamos mesmo a voltar para o terceiro mundo, com uma minoria de super-ricos, e cada vez mais numerosos e mais largos bolsões de miseráveis. Por isso cada vez temos também mais políticos como Trumps, Putins, Le Pens, Boris Johnsons e o PSD caminhando a Passos largos e Cavacos para lá. São políticos dos tempos do terceiro mundo que se instala onde antes havia a esperança de poder acabar com ele.

    • Nightwish says:

      Pois, esta gente não percebe que o trabalho liberta!

  8. Já agora, só por graça: A entidade não é nenhum fazendeiro, é uma ONG com muitos prémios ganhos, de responsabilidade social, EDP solidária, etc e o presidente da mesma, foi candidato a presidente da câmara pelo PCP. Belos comunistas estes 🙂

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