Aprendam senhores, aprendam como se enxotam mendigos e afins

radial

José António Cerejo

Este é um texto que era para ser irónico (se eu soubesse sê-lo) e que é dedicado à Câmara de Lisboa e à Junta de Freguesia de Campolide. Resolvi publicá-lo no dia em que, devido à vaga de frio que se faz sentir, foi accionado o plano municipal de contigência para a população sem abrigo.
Ora bem! A Câmara de Lisboa e a Junta de Freguesia de Campolide merecem um prémio. O nome do dito até pode ser Prémio da Inovação Social Autárquica, ou até mesmo do Empreendedorismo Social Autárquico – coisas muito na moda. Imagine-se que, discretamente, sem alarde, nem polémica, conseguiram resolver o problema dos mendigo romenos, um quebra-cabeças que muitas outras autoridades locais, um pouco por toda a Europa, procuram há décadas solucionar sem sucesso.
Que chatice, mendigos nas ruas, gente feia, porca e má a cada esquina e debaixo de cada viaduto, a incomodar quem passa, e quem manda sem poder fazer nada, atado de pés e mãos. E não há muros, arame farpado, rusgas policiais, ou brigadas de limpeza municipal, que lhes resistam.
Os gajos furam por todo o lado e não arredam pé. Chega o Inverno, o frio do Leste empurra-os para terras de clima mais ameno e aí estão eles de novo. É assim desde há mais de vinte anos. Sobretudo desde que a Roménia, com as suas insuportáveis minorias ciganas, aderiu à União Europeia em 2007.
Instalam-se onde podem, tanto quanto possível em sítios abrigados da chuva e dos olhares alheios. Montam os seus miseráveis acampamentos, feitos de cartões, plásticos, canas, madeiras, fogueiras e lixo. De manhã partem para os cruzamentos da cidade, para as portas dos supermercados, para as entradas das igrejas, de mão estendida. À noite voltam para os tugúrios onde vegetam e dos quais quem manda não os consegue tirar.
Um dos seus sítios preferidos em Lisboa era, até ao Inverno passado, um terreno inóspito, escondido entre os acessos ao Eixo Norte Sul e à Radial de Benfica, debaixo de um enorme viaduto rodoviário, por trás das torres gémeas da Av. José Malhoa e perto de Sete Rios. Desde há vários anos, a Câmara de Lisboa e a Junta de Freguesia de Campolide tudo faziam para se verem livres destes indesejados visitantes sazonais.
Periodicamente avançavam para ali com camiões do lixo, máquinas, pessoal da limpeza e polícia municipal. As barracas eram arrasadas em poucos minutos, os detritos eram levados em contentores e na volta os mendigos que se lixassem.
Habituados ao jogo do gato e do rato, porém, recomeçavam tudo, como se tivessem acabado de chegar. Dias depois já lá estavam novamente as barracas.
Em Novembro de 2013 relatei no jornal PÚBLICO uma destas incursões municipais em que foram destruídas cerca de 30 barracas naquele local.
A intervenção da câmara, realizada num dia em que a temperatura descera aos oito graus, indignou a então vereadora da Habitação, Helena Roseta, cujos serviços eram alheios à operação, mas a coisa repetiu-se várias vezes depois disso. A justificação era sempre a mesma: insalubridade, apesar de não haver nenhuma casa num raio de várias centenas de metros, e queixas de moradores, que responsabilizavam os imigrantes pelo alegado aumento da insegurança na zona.
Pouco mais de um ano depois, a 4 de Março de 2015, o vice-presidente da Câmara de Lisboa, Duarte Cordeiro (PS), apresentou ao executivo municipal uma proposta que nunca fala nos ciganos romenos, mas visa impedi-los de voltar ao local. Trata-se, nos termos da proposta aprovada por unanimidade dos vereadores, de transferir para a Junta de Freguesia de Campolide uma verba de 159 mil euros destinada à “requalificação da área expectante junto à rotunda de acesso à Radial de Benfica”.
De acordo com o contrato de delegação de competências do município na freguesia, aprovado por meio da mesma deliberação, a “requalificação” do local será concretizada “através da eliminação de focos de insalubridade, modelação de terras e introdução de blocos de rocha de grandes dimensões”.
Um terceiro documento, anexo ao contrato, referi igualmente que o espaço a “requalificar” “tem condições de insalubridade, não só no local, como em toda a área adjacente”, acrescentando que ele “tem sido ocupado, para pernoitar, por uma população que não detém habitação”. O texto salienta que a zona em causa “está sob o viaduto do Eixo Norte Sul e seus acessos, pelo que a ocupação com as indiossincrasias actuais apresenta riscos de segurança para as obras de arte [viaduto], uma vez que ocorrem pontuais focos de incêndios junto aos pilares”.
A intervenção, conclui o documento, “tem como objectivo obviar a futura ocupação [do local], mantendo no entanto os necessários acessos para a manutenção das obras de arte”, prevendo-se também a “vedação” de toda a zona.
Há cerca de dois meses, passados quase dois anos sobre a aprovação do contrato entre o município e a freguesia presidida pelo socialista André Couto, e quando os habituais ocupantes do local começavam a chegar a Lisboa, os eleitos do povo da cidade trocaram-lhes finalmente as voltas. Diariamente, numerosos camiões começaram a descarregar debaixo do viaduto centenas, ou mesmo milhares, de tonelada de terras e pedras trazidas de outros locais.
Nas áreas onde os camiões não conseguiam chegar devido à escassa altura do viaduto, pequenas retroescavadoras faziam o trabalho transportando para aí a terra, grande parte dela de cor azul cobalto, vá-se lá saber porquê, por forma a preencher o espaço até ao tabuleiro do viaduto. Por forma a que nem um cão lá coubesse. Por forma a matar o mal pela raiz.
Aparentemente, até os tais acessos para “manutenção das obras de arte” foram postos de parte, não se fosse lá meter alguma “indiossincrasia actual”.
Da vedação também ainda não há sinal. Na verdade talvez nem valha a pena, terão pensado os promotores da nova tecnologia antimendigos. Ali já está o problema resolvido.
No entanto, ainda há três máquinas no local, paradas há semanas, provavelmente à espera de mais terra e pedra para tornar a montanha impenetrável, não se lembrassem os invasores de aí escavar túneis e cavernas.
A empreitada foi objecto de um contrato celebrado em Outubro de 2015, por ajuste directo, entre a Junta de Freguesia de Campolide e a empresa Espaços Verdes, Projectos e Construção Ldª. O prazo de execução era de 30 dias, mas a obra só começou um ano depois. Os romenos devem ter agradecido a hospitalidade que a câmara e a junta ainda lhes ofereceram no Inverno passado.
O contrato publicado no Portal Base tem por finalidade a “recuperação urbana do espaço inferior ao viaduto do Eixo Norte Sul” e o seu valor é de 19.197 euros (mais 1152 euros de IVA). O que é que aconteceu, ou vai acontecer, aos cerca de 139 mil euros que sobram dos 159 mil transferidos pelo município para a freguesia para “requalificar” o local é coisa que alguém deverá explicar.
Para já, há uma certeza: se a câmara e a junta não se apressarem a registar a patente desta nova tecnologia de enxotadura de mendigos e afins ainda se arriscam a ficar sem o Prémio da Inovação Social. É que ainda alguém pode descobrir que os malandros dos romenos transferiram a indiossincrática ocupação para debaixo de um viaduto ferroviário situado a 200 metros dali…

Uma explicação necessária
Este texto é escrito por um jornalista actualmente reformado, situação que não o impede de fazer jornalismo quando o entender, com todos os direitos, deveres e responsabilidades correspondentes. Mas este não é um trabalho jornalístico. Se o fosse teria de respeitar um conjunto de regras deontológicas e de boas práticas, com relevo para a procura exaustiva de resposta a todas as questões que aqui são levantadas e para o chamado exercício do contraditório, ouvindo o que todas as partes envolvidas tivessem a dizer sobre o tema. O exercício a que me vou entregar, ainda que contenha muita informação, é outra coisa. Trata-se, simplesmente, de recordar, nuns casos, e dar a conhecer noutros, enquanto cidadão e no âmbito estrito da liberdade de expressão, um conjunto de factos que reputo de interesse público e julgo merecedores de divulgação. Factos esses que confirmei em documentos acessíveis a qualquer cidadão, mas também com aquilo que os meus olhos vêem. Se alguém achar que pode ou deve tratar o mesmo assunto noutros locais, nada tenho a opor, como é óbvio. Sendo esta uma abordagem pessoal, descomprometida e da minha inteira responsabilidade, voltarei a utilizá-la noutras situações, sempre que achar que se justifica e tiver pachorra para o fazer.

Nota do Aventar:
Começamos hoje a publicar, como autor convidado, os textos de José António Cerejo, que originalmente são colocados no Facebook. José António Cerejo, que até há bem pouco tempo trabalhou no «Público», é um dos mais marcantes jornalistas portugueses da actualidade. A qualidade, o rigor e a coragem com que abraçou sempre as suas reportagens, as suas investigações, fazem dele uma referência incontornável para todos aqueles que (ainda) olham para o Jornalista como uma das mais importantes profissões da sociedade em que queremos viver. Para o Aventar, é uma honra.

Comments

  1. Para já, excelente. Era bom que no Aventar houvessem mais artigos de opinião como este.

    • Nina Santos says:

      “Houvessem”….então já não “hão ” artigos de relevo?
      (O senhor Francisco, o anti AO, não vê estas aberrações? )

      • Rui Naldinho says:

        Sim, talvez a forma mais correta fosse “houvesse”, e não como está escrito.

  2. Manuel Silva says:

    Caro J. A. Cerejo:
    E se os 159 mil euros tivessem sido aplicados em habitação social comunitária, mesmo sem luxos, mas decente e com as condições adequadas para receber as populações flutuantes na cidade, como estes romenos, ou as marginalizadas, vulgo sem-abrigo?
    Se tal tivesse vindo a ser feito sistematicamente com todas as verbas extraordinárias alocadas a soluções de recurso como esta, talvez não houvesse sem-abrigo nem gente a incomodar os vizinhos, como os romenos.
    Ideia parva, a minha, com certeza.
    Senão, os responsáveis autárquicos já se tinham lembrado dela.

    • nuno says:

      No último mandato de João Soares foram construídos 14 ou 16 mil fogos de habitação social. Não era para flutuantes, mas já houve boas ideias na autarquia. Curiosamente, também em período de convergências de esquerdas.

  3. Também quero uma casinha mesmo que seja modesta... says:

    Querem lá ver que os meus impostos agora são para construir casinhas para os romenos/as que andam no “gamanço” nos eléctricos e autocarros?
    Mas que gente tão boazinha que há no meu país…
    Ainda tenho de pedir ao Trump que venha resolver a questão.
    Podem começar a malhar Oh almas caridosas.

  4. Ana A. says:

    “Querem lá ver que os meus impostos agora são para construir casinhas para os romenos/as que andam no “gamanço” nos eléctricos e autocarros?”

    Pode ficar descansado(a) que os seus impostos não serão aplicados em dar tecto a quem dele precisa. Os seus impostos são aplicados, entre outras coisas, no “gamanço”, perdão, nos desvios da malta de colarinho branco…

    • Também quero uma casinha mesmo que seja modesta... says:

      Os seus impostos são aplicados, entre outras coisas, no “gamanço”, perdão, nos desvios da malta de colarinho branco…

      Mas que grande novidade! A culpa é do “pagode” que até acha bem. Do Isaltino até se dizia:
      Rouba mas faz…
      O que é novo é dar rendimento de inserção a gente que nem quero ver… roubam e não fazem nada.
      Já agora uma pergunta:
      – Porque não adopta um romeno/a (conheço vários/as e posso garantir que são de boa cepa).

  5. Carlos says:

    Valeria a pena averiguar se esses romenos recebem subsídios da Seg. Social. Ao que me dizem, muitos recebem, mas não abandonam a mendicidade.

  6. nuno says:

    xi, que já se precipitaram para aqui os trumps zangados com a ciganagem chupista a viver debaixo de pontes. A alta-roda subsídio-dependente incomoda-os menos, deve ser por viver na quinta da marinha ou na comporta, lugares por onde não passa o comboio pó subúrbio.

    • Também quero uma casinha mesmo que seja modesta... says:

      Mas prezado nuno os da quinta da marinha, até fazem parte do Orçamento Geral do Estado a que isto chegou…
      Agora Lelos da Roménia? Por amor da Santa…
      Pelos vistos temos de mudar o nome de Portugal para SANTA CASA…

  7. Paulo Só says:

    Lá estão os trolls pagos por escusas oficinas, velhas vozes que se sentem cobertas pelos trumps a sair do ovo. De novo. Sabia-se que isso ia acontecer. As mesmas vozes que de mão estendida deixaram este país de rastos ao fim de 45 anos de salazarismo. As mesmas vozes que não se incomodam de ser descaradamente roubadas em milhões por fulanos como os donos do Pingo Doce que pagam na Holanda os impostos devidos aqui, mas se incomodam com tudo o que é público, meia dúzia de côdeas deixadas aos ciganos, escolhidos para personificar o ódio aos pobres. O ódio omnipresente que volta as costas até às tão reclamadas raízes cristãs da nossa civilização. Enquanto forem só desabafos anónimos, pode ser até uma boa e barata terapia. De contrário vamos ter de vencê-los de novo, esses arautos do atraso. Mas com menos contemplações.

  8. Paulo Só says:

    E curioso verificar como basta que se acumule um pouco de estrume (ou Strump) para que a legião portuguesa floresça.
    Quem me dera ter talento para ser o bardo desses arautos da moralidade e da miséria digna, os viciados nas hóstias salazaristas, os engrazadores do botas, os servidores do Pingo Doce que patrioticamente paga os impostos sobre os lucros na Holanda, não vão os pobres ainda ganhar alguma transferência de renda. Que lhes faça bom proveito.

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