Ana Cristina Pereira Leonardo
O capitalismo é como aquelas pessoas a quem emprestamos um dedo e, dois dias não são passados, nos querem levar os membros. A frase não é do velho Marx, nem sequer de Žižek: é minha. E em época tão dada à arrogância da humildade opinativa, digo-o sem falsa modéstia. Porque o caso é este, ao debate de ideias opõe-se hoje uma batalha de opiniões: «Eu acho isto, tu achas aquilo. Eu tenho direito a achar isto, tu tens direito a achar aquilo. Eu estou certo em achar isto e tu és uma besta em achar aquilo» – como se ao criticismo kantiano acrescesse, vá lá, uma espécie de democratização do insulto e do disparate. São tempos palavrosos, pois, em que o império das imagens (cf. o fenómeno narcísico das selfies) não correspondeu ao colapso anunciado das palavras: à imagem de Trump como palhaço de cabeleira bizarra seguiu-se a presidência dos EUA por via de meia dúzia de frases feitas e curtas (não será por acaso que não larga o Twitter).
Quem fala de Trump, fala de capitalismo, pelo que não me desvio do assunto. E o assunto é este: são OITO. Contas feitas, oito multimilionários detêm riqueza idêntica à miséria somada de cerca de metade da população mais pobre da Terra: 3,6 mil milhões de pessoas.
Se na ficção de Orwell, “1984”, 2+2=5, no mundo real de 2017, 8=3,6 mil milhões. A denúncia do escândalo acaba de ser feita num relatório da Oxfam que mostra como concentração de capital e desigualdade social têm vindo a aumentar no mundo.
Escrevi escândalo?! Peço desculpa. Ao que parece, o único escândalo que vem ocupando as mentes é o da sexualidade depravada de Trump que os russos teriam monitorizado. Passados 45 anos sobre Watergate, que levou à queda de Nixon, é caso para dizer que talvez seja certo que a História quando se repete é como farsa.
Quem fala de espiões e de russos, fala de John le Carré, aproveitando para recomendar a sua autobiografia, «O Túnel de Pombos», sem esquecer, porém, o passeio pela «América» nos idos de 1930 de dois escritores humoristas soviéticos, Ilya Ilf e Evgueni Petrov, como correspondentes do «Pravda» (há edições sem ser em russo), uma obra que nos permite rir dos anos de Stalin e Roosevelt enquanto nos tentamos distrair do facto de haver refugiados sírios a morrer de frio na Grécia nos anos de Trump e Putin. O que, a despropósito, me recordou o poeta morto Manuel António Pina: «Ainda não é o fim nem o princípio do mundo calma é apenas um pouco tarde».
O que se passa nos EUA ainda não sabemos. Pode ser a queda do Império, a vitória do terceiro mundo interno que eles criaram, e simultaneamente uma nova fase do capitalismo globalizado que sequer é mais americano. O que me espanta é que não cuidemos da União Europeia. Estamos a assistir à saída do Reino Unido sem mexer uma palha. Mas ficamos com os governos de extrema-direita da Polónia e Hungria. Quando é que a UE vai começar a fazer política, a avançar, ao invés de se fixar no euro, e na livre circulação, que são importantes mas não são dogmas imexíveis? Não se entende que não haja ninguém na Europa capaz de soprar uma ideia aos alemães e aos franceses antes que eles enterrem de vez a UE .
Esperemos pela pancada dos chineses…
Mas em cuba não há ricos!
“Mas em cuba não há ricos!”
Era…?
“Mas em cuba não há ricos!”
E…?