Um vilão chamado Marcelo

O ex-presidente do PSD, atualmente comentador politico, Marcelo Rebelo de Sousa, durante a sua intervencao na Univesidade de Verao do PSD. Castelo de Vide, 28 de agosto de 2012. NUNO VEIGA/LUSA PUB: 29/08/2012

Ele era o último grande herói da direita refém do radicalismo passista, ainda que, ironicamente, só o próprio Passos se tivesse atrevido a pôr em causa as qualidades do grande catavento. Foi levado em ombros a Belém pela direita, pela selva liberal e pela imprensa, que lhe garantiu mais espaço mediático que à soma de todos os seus opositores. Chegou, viu, venceu, e os órfãos da Pàf, feridos por essa estranha forma de estalinismo, também conhecida por democracia representativa, decretaram o início do fim dos acordos à esquerda. A contra-revolução estava em curso.

E foi então que Marcelo, de braços abertos a distribuir afectos, se transformou em vilão para certa direita. Não para centro-direita moderado, e as sondagens mostram-no bem, mas para aquela direita, minoritária e cada vez mais isolada, cujos caciques comandam a imprensa e o PSI-20. A direita do radicalismo financeiro e da especulação. Os meses passavam, e Marcelo, hiperactivo e omnipresente, insistia em não seguir as pisadas de Cavaco. E a desilusão foi-se abatendo sobre aqueles que, convencidos de que o professor partilhava do seu fanatismo, esperavam, em vão, pelo golpe que faria cair a Geringonça. Nada.

Aqui e ali, Marcelo surgia lado a lado com António Costa, com quem continua a conviver de forma algo harmoniosa, e os elogios à estabilidade e a algumas medidas do governo foram-se multiplicando. No final do ano, há pouco mais de um mês, Marcelo rematava:

Estamos a terminar um ano caracterizado por uma procura de serenidade, diálogo e apaziguamento, fundamentais para o rigor financeiro e estabilidade social, sem a qual não há estabilidade financeira e política. O objetivo? Aumentar a esperança dos portugueses.

E tudo isto enfureceu a tal direita que deu a Marcelo uma vitória esmagadora. Agora é vê-la, irritadíssima, porque Marcelo se recusa a cumprir o seu destino de esfrangalhar o histórico acordo dos partidos de esquerda. Porque se recusa a negar a estabilidade e os avanços conseguidos pela temível Geringonça. Porque se recusa a fazer a vida negra a António Costa. Porque se demitiu daquilo para que, ao que tudo indica, nunca se candidatou mas que alguns pensaram ser a sua missão: fazer intriga, minar o governo e abrir caminho para o regresso de São Coelho.

Marcelo rivaliza hoje com António Costa na eleição do mais odiado pela falange envergonhada dos neofascistas da festa do chá de Lisboa. Porque, até ao momento, se recusa a ir além das suas funções e fazer a oposição que o PSD de Passos, essa minoria isolacionista, não tem capacidade para fazer. Porque acabou por revelar um sentido de Estado que muitos, onde me incluo, não esperavam ser possível. Porque se limita a fazer o seu trabalho e a contribuir, à sua maneira, para que a missão do governo siga o seu curso, imperturbável. Porque não parou lá atrás a chorar e porque percebe que, no nosso sistema político, o verdadeiro poder reside no equilíbrio de forças parlamentar e não no partido mais votado. Porque recusou ser outro Cavaco, cinzento, intriguista e autoritário. Porque não parece lá muito disposto a fazer fretes aos colegas de partido. Estará Passos a pagar a factura pela sua ousadia? Talvez. E talvez não falte muito para que Marcelo tire o tapete a Costa. Até lá, o prazer de ver a velha claque a contorcer-se, vermelha de raiva e engasgada na sua própria saliva é, meus caros amigos, impagável. Depois de quatro anos e tal de jihadismo político, sabe mesmo bem.

Comments

  1. A. Cabral says:

    Sem dúvida que Marcelo surpreendeu tudo e todos, no entanto está a fazer um bom trabalho para a estabilidade de um estado democrático, veremos quando Passos Coelho for substituído e na liderança do PSD estiver uma pessoa da confiança dele se não muda de opinião. Não votei em Marcelo mas devo dizer que estou muito satisfeito com a sua presidência.

  2. RuiNaldinho says:

    Há uma direita que nunca aceitará o facto deste Presidente não ter encarado a Geringonça como um inimigo público a abater. E mais engraçado ainda, é vermos como certa comunicação social faz coro com eles. Do EXPRESSO ao Observador são vários os artistas arregimentados para esse trabalho.
    O apoio de Passos Coelho e da sua “tropa de elite” a Marcelo Rebelo de Sousa foi dado a contragosto e à última hora. Era bom não nos esquecermos deste pormenor.
    Podemos sempre afirmar de forma hipócrita, que isso só aconteceu porque Marcelo só foi a jogo depois dos resultados das legislativas, quando se pronunciou em definitivo que era candidato.
    Essa é uma daquelas meias verdades que interessa a todos, incluindo ao próprio Marcelo.
    Aquando do Congresso do PSD, Pedro Passos Coelho deu o mote: “Não apoiaremos nenhum Catavento político!”
    O próprio Marcelo reconheceu nos seus comentários dominicais que o tiro era para ele.
    Enquanto a direita não percebeu que a Geringonça se ia construindo com pés firmes na terra, e ficaria arredada do Poder por alguns anos, nunca houve um apoio claro e efetivo a Marcelo. Quando percebeu que a Geringonça ia mesmo para a frente, já era tarde para se arranjar um candidato adequado ao novo cenário.
    Passos Coelho pode ser tudo menos estúpido. Ao perceber que não apoiando Marcelo, por não ter um candidato próprio a seu gosto, corria o risco de dar de mão beijada todo o Poder à esquerda, Assembleia, Governo e Presidência da República, com a eleição à segunda volta de um dos seus candidatos, Sampaio da Nóvia ou Maria de Belém, mudou a sua estratégia. Engoliu em seco o Catavento e tentou não fazer ondas, como se o passado não existisse, como se aquela frase mortal do Congresso tivesse sido apenas uma “anedota de mau gosto”.
    Só que Passos Coelho ainda não percebeu, mas talvez Marcelo o ache um político amarrado a uma cartilha neo liberal que não faz o seu género. Enquanto puder fará tudo por aguentar este governo até que ele desampare a loja.
    Dúvido é que isso aconteça!

  3. De acordo com a opinião de João Mendes, permito-me um pequeno “reparo” ; “falange envergonhada de neofascistas das festas do CHÁ???”….a serio? pensa que aquela gente tomou ou toma CHÁ??? “olhe que não dr, olhe que não.”

  4. Marcelo foi e é uma excelente surpresa. Tal como Eanes no seu tempo, defraudou os interesses mesquinhos duma direita revanchista, Marcelo pensa primeiro no país e nos portugueses. Eles sonhavam com um presidente do género do saloio da Coelha, mas saiu-lhes o tiro pela culatra.

  5. Luis Ferreira Gomes says:

    Marcelo está apenas a ser aquilo para que foi eleito, presidente de todos os Portugueses. Ser um bom politico é desempenhar de forma séria as funções para que foi eleito e ter a capacidade de ser justo não apenas com aqueles que o elegeram mas com todos. São precisas pessoas assim para que Portugal seja um pais melhor.

  6. Well done Dear Sir

Trackbacks

  1. […] Quem não se lembra da heróica cavalgada eleitoral de Marcelo, o homem que vinha para salvar a direita órfã dos abusos da Geringonça e que, qual Cavaco, boicotaria a usurpação parlamentar da esquerda? Pois, esse Marcelo já lá vai. Ou talvez não tenha sequer chegado a aparecer. Ou, melhor ainda, está a fazer o seu número político para que, no dia em que tal se tornar necessário e vantajoso, possa tirar o tapete ao governo e afirmar que está acima de críticas porque colaborou enquanto pôde. Cenas para ver nos próximos episódios. Por enquanto, pelo menos para o segmento recém-radicalizado da direita parlamentar, o presidente que o PSD desejou eleger é cada vez mais um alvo a abater. Um vilão chamado Marcelo Rebelo de Sousa. […]

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