Suicídio assistido, testamento vital, eutanásia…

Quando um ser humano decide colocar um ponto final à sua vida, falamos de suicídio, seja na forma tentada ou consumada, consoante tenha sido bem ou mal sucedido nos seus intentos. É um problema que diz respeito ao próprio, sobre o qual o Estado nada tem a dizer.
Alguém que decida terminar a vida, mas não tem condições para o fazer, físicas, falta de coragem ou meios, deverá ter ao dispor uma hipótese de suicídio assistido. Existem países que o permitem. Por exemplo um doente que não quer sofrer, mediante acto médico a seu pedido recebe uma dose letal de fármacos. Obviamente que aqui existem questões éticas a considerar, não se pode obrigar um médico ou enfermeiro que tem direito à objecção de consciência, mas o problema é ultrapassável, com outro médico. Salvaguardando algumas questões legais, como testemunhas da vontade expressa do paciente e até porque não, um prazo de reflexão entre requerer e consumar o acto, não vejo porque razão há-de o Estado impedir por força de Lei um acto que pode ser contratado entre partes.

A Eutanásia é uma questão mais complexa. Porque só falamos de eutanásia quando existe alguém em estado de sofrimento, mas incapaz de decidir. Sou totalmente a favor do testamento vital que legitime a eutanásia, porque o testamento vital é decidido pelo próprio num momento anterior, na posse de todas as faculdades. O problema é que poucos o fazem, porque na realidade enquanto estamos saudáveis não gostamos de pensar que um dia vamos morrer e muito menos que poderemos acabar em grande sofrimento. A começar por mim próprio que nunca fiz o testamento vital, nem sei onde ou como o fazer, embora lhe seja favorável. Eventualmente vamos ao hospital visitar familiares ou amigos, vamos ao cemitério quando falece alguém que nos é próximo e depois não pensamos muito mais nisso, porque não nos acontece mas sim aos outros. Até ao dia em que nos bate à porta sem estarmos preparados. Julgo que nunca o estaremos verdadeiramente.
Legalizar a eutanásia poderá abrir a porta para actos de generosidade como terminar o sofrimento de alguém, mas temos sempre que ter presente que essa pessoa não nos pediu nem passou procuração para decidirmos no seu lugar. Assim de repente ocorre-me pensar que por razões económicas um hospital ou seguradora poderiam aproveitar para reduzir alguns custos, antecipando o fim de uma vida que também já não iria durar muito mais… Sem falar que uma família que esteja em situação financeira menos favorável, até pode ver no recebimento de herança uma oportunidade. É certo que cada caso é um caso, mas depois quem irá decidir? O médico? A família? E da decisão caberá recurso ao Tribunal? Sem testamento vital onde a pessoa expresse o que fazer se um dia estiver nesta situação, manifesto sérias reservas à eutanásia. Seria mais simples começar por legalizar o suicídio assistido e divulgar amplamente o testamento vital, facilitando o mesmo, por forma a que preferencialmente cada indivíduo decida por si.
Fora desta discussão devem ficar questões religiosas, que são do foro íntimo de cada um, não reconheço a qualquer confissão o direito a decidir sobre este ou qualquer outro assunto que diga respeito à minha forma de ser ou estar na vida. Da mesma forma que respeito todas as crenças, por muito absurdas que algumas me pareçam, são um direito do outro no qual não posso nem quero me imiscuir.

Comments

  1. Quando se ultrapassa uma barreira, cria-se uma alteração psicológica. Essa alteração poderá levar, mais cedo ou mais tarde, a que a opção entre o custo dos cuidados paliativos e o custo da eutanásia, leve as pessoas e/ou o Estado a ponderar. E isto não é uma questão religiosa, mas financeira. Aliás, há trinta anos ninguém pensava que uma personagem como Trump podia ganhar eleições. Essa ponderação financeira pratica-se na China e, não há muitos anos, praticava-se o que um alemão do século XIX jamais julgaria possível numa sociedade civilizada como era a sua Alemanha. Por isso quanto mais cerrada estiver a caixa de Pandora, melhor!
    A morte é uma inevitabilidade, não uma opção.
    E se tem razão quando diz que uma confissão religiosa não pode decidir por si, já não tem quando o assunto é do Estado, sujeito a referendo, seja directo, seja em parlamento, onde as pessoas, livremente, agem e votam de acordo com as suas convicções religiosas ou outras. Só os vermes não têm convicções e mesmo assim tenho dúvidas.

  2. Concordo na generalidade com o seu texto António. Ocasião rara:)).

  3. Paulo Só says:

    Concordo igualmente. A BBC publicou recentemente um artigo em que se informa que cientistas em Genève conseguiram progressos no contacto por via directa com o cérebro de pacientes “isolados”, ou seja que não conseguem comunicar. Não é de excluir que se conclua que essas pessoas queiram continuar a viver. Desde que obviamente sejam tratadas convenientemente. Apoio a famílias com doentes crónicos deveria sim ser exponencialmente aumentado, desde que queiram se ocupar desses pacientes. Deveriam igualmente ser criadas estruturas reunindo assistentes sociais, médicos, juristas e familiares de pacientes em hospitais. Quando se tem alguém morrendo num hospital é terrível ter de andar a mendigar informação. Já passei por isso.

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