Turismo, novamente o Porto

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Hoje, na Visão, Ana Matos Fernandes (Rapper Capicua) escreveu um artigo sobre o Turismo e a cidade do Porto. Para a autora, a recente vitória da cidade do Porto (European Best Destination 2017) não a faz celebrar. E logo a ela, como refere na sua crónica, que: “sempre apregoei o Porto como a cidade mais linda”. Qual é então o medo de Capicua?

Segundo a própria, o medo que o turismo seja mais importante que a cidade. Que a Ribeira fique sem roupa a secar à janela ou o Bolhão sem tripeiras e que fachadas impecáveis de azulejo mas com uma cidade inteira que teve de ir morar para outro lado. E não celebra devido ao medo de perder o Porto para sempre, citando: “à medida que o Porto vai perdendo a sua gente e, com ela, a sua graça”.

Vamos por partes. O artigo é bastante simpático mas peca por alguns erros. Desde logo, o Porto perder população. Ora o Porto começou a perder, a sério, população a partir dos anos oitenta. Em 1981 tinha 327 mil habitantes. Em 1991 tinha 302 mil. Já em 2001 eram 263 mil e em 2011 já tinha descido aos 237 mil. Ou seja, antes do boom turístico o Porto já tinha perdido 1/3 da sua população. E porquê? Porque não tinha qualidade de vida, porque era inseguro, porque estava sujo e abandonado. Porque Gaia, Maia ou Matosinhos ofereciam melhores preços, melhores condições de vida, mais segurança e, sobretudo, mais e melhores escolas e até postos de trabalho. O Porto antes dos turistas era uma cidade cada vez mais problemática e decadente. Cuja saída das universidades para o Polo da Asprela (Hospital de S. João) foi a machadada final no centro da cidade.

Outro equívoco: a zona turística mais forte da cidade é aquela que compreende as freguesias (hoje unidas) de Cedofeita, Santo Ildefonso, Sé, Miragaia e S. Nicolau. Zona onde vivem cerca de 40 mil habitantes (grande parte deles em Cedofeita e Santo Ildefonso, as menos turísticas quando comparadas com a Sé, Miragaia ou S. Nicolau). Em termos reais, nas freguesias mais turísticas, as três referidas, não vivem nem 10% dos habitantes da cidade do Porto. Estamos a falar de uma população onde os idosos são o principal número de habitantes e cuja Lei do Arrendamento Urbano protege de forma mais forte. Ou seja, não são os senhorios, esses malvados segundo a maioria dos textos que tenho visto sobre esta temática, os culpados da desertificação no passado nem, agora, pela ocupação do território por lojas, restaurantes e bares. Ou “hostels” e hotéis. No primeiro ponto quanto mais não seja porque a LAU não permite e no segundo caso, por via do mercado. Se os inquilinos ou os novos proprietários preferem substituir a lojinha que tinham de vender luvas ou chapéus por outra a vender “regalos” para turistas é porque a procura assim o exige. A esmagadora maioria dos Hostels e Hotéis nasceram em locais que estavam abandonados e a necessitarem de obras de recuperação. Se o “Buraquinho” esteve em obras foi porque a ASAE assim o exige e a procura idem. Já as tripas enfarinhadas e os rojões continuam fantásticos. A única grande diferença é que agora já se pode ir à casa de banho sem morrer intoxicado ou por ferradela de ratazana. E o Guedes, das sandes de pernil, continua cada vez mais forte e até vai crescer. Porquê? Uma vez mais a ASAE e a procura – e já agora a casa de banho precisa mesmo de obras. Ou seja, sejamos claros, o turismo está a ajudar ao renascer da cidade. Não a está a matar. Quem a pode matar somos nós.

Como refere o Alberto Gonçalves no seu texto na Sábado, “O Porto não é o melhor destino porque uns sujeitos assim decidiram em votação online. O Porto é hoje uma cidade aprazível porque os cidadãos regressaram à nobre arte do comércio. E o comércio justifica-se porque há turistas. E os turistas vêm sobretudo porque uma companhia aérea irlandesa os transporta. O único mérito dos poderes públicos foi contemplar, pasmados, a sequência de fenómenos, sem perceber, mas também, pelo menos até agora, sem estragar”. Por isso repito, não são os turistas que podem matar a cidade, somos nós se começarmos a criar “taxas”, a multiplicar “regulamentos”, a impor “limites” absurdos e tudo isto entre aspas porque foi o que a Rapper Capicua apresenta como solução para o problema que entende existir.

Por fim, um pedido. Deixem-se de romantismos bacocos e cito, uma vez mais a autora do texto em causa: “Imaginem os postais da Ribeira sem a roupa a secar à janela, ou o Bolhão sem tripeiras. Imaginem a noite do Porto sem DJ’s, ou os cafés sem gente de cachecol a ver a bola com uma francesinha no prato”. A roupa a secar à janela não é por capricho da senhora que mora naqueles 40 m2 de casa mas porque não teve a hipótese de viver num apartamento maior onde tivesse uma máquina de secar a roupa. É um sinal de pobreza, daquela pobreza que reinou sempre na Ribeira e não uma vontade de colorir a fotografia do instagram do turista ou do portuense minimamente abastado que vive num T3 em Matosinhos Sul. O Bolhão está a ficar sem tripeiras não por via do turismo mas sim por culpa da incúria dos diferentes políticos locais que deixaram o mercado apodrecer – já agora, a maioria dessas tripeiras não vivem há muitos anos no Porto mas em Rio Tinto, Ermesinde, Gondomar, Maia, Gaia e Matosinhos. Já a noite do Porto nunca esteve tão forte, independentemente dos turistas e não será, certamente, por isso que desaparecem os DJ e por fim, nunca se venderam tantas francesinhas nem tanto portuense passou a ver o futebol, de cachecol, na baixa da cidade. E porquê, porque agora não faltam cafés nem restaurantes abertos à noite. E o bilhete para assistir no Dragão é caro e a SportTV uma violência financeira…

Claro que existem riscos, claro que o turismo se pode transformar num problema. Sim, se começar a ficar igual ao da Oura no Algarve ou com um fluxo gigantesco como em Veneza. E sim, devemos pensar em soluções que evitem o “descambar” da coisa. A médio e longo prazo. Não por via de taxas absurdas ou regulamentos insanos. Basta pensar com os pés bem assentes na terra que a solução não pode ser o regresso à escuridão ou à pobreza passada. De um passado assustadoramente recente. E sobretudo, ter a perfeita noção que os turistas não são parvos e um bom exemplo disso, fica aqui o aviso às lojas de “regalos” que nascem como cogumelos, é o facto de na Feira de Barcelos se ouvir, cada vez mais, gente a falar em francês, inglês e alemão. É que o Tripadviser e as redes sociais já vão avisando que o Galo de Barcelos e as andorinhas assim como as sardinhas de barro custam menos um zero na feira que no centro da cidade…

Comments

  1. Fernando Manuel Rodrigues says:

    Tem TODA a razão. Como portuense (embora a morar em Vila Nova de gaia) subscrevo 100%

  2. Algumas pequenas correcções.

    – Máquinas de secar roupa em Portugal, se forem usadas não é no norte.
    – 40 000 habitantes nas freguesias do centro acho exagerado. De acordo com os resultados do Censos 2011, que podem ser consultados no site do Pordata, http://www.pordata.pt/Municipios/Popula%C3%A7%C3%A3o+residente+segundo+os+Censos+total+e+por+grandes+grupos+et%C3%A1rios-22, a população do Porto/conselho é de cerca 240 000 habitantes. 40 000 mil são quase 20 %. O Porto nunca teve mais de 350 000 habitantes, e as freguesias mais populosas são, salvo erro, Ramalde, Aldorar, Lordelo do Ouro e Campanhã.

  3. Ferreira says:

    Lamento que tenha uma visão tão limitada da cidade vs turismo. Quando na Europa se compreende a agonia que o turismo trás às cidades, aqui olhamos para o outro lado. Temos o Airbnb e alguns locais de restauração (dos grandes grupos) que ganham, mas o turismo do Porto não é o de grande movimento financeiro. Para provar, fecharam mais locais de comércio do que os que abriram (ainda que a diferença seja pequena). A Cidade está reinventada e bonita, mas perdeu ainda mais população que nunca (estima-se agora 214 mil apenas). Como explicar que quando a cidade está com “mais vida” na sua prática tem menos pessoas? É fictício. O turismo é fundamental para o Porto que perdeu a sua capacidade industrial (por má gestão) mas esta cidade perdeu todo o seu enquanto. Temos prédios para mostrar, mas é uma cidade já sem alma. Vivo no centro há já dez anos, rua do almada, praça carlos alberto e miguel bombarda, e posso dizer que nunca como nos últimos dois anos vi esta cidade tão cinzenta. Triste não ouvir falar Português, triste ver a maioria dos meus colegas e amigos fugirem da cidade para outras circundantes, triste perdermos as tascas em função de hamburgarias e fast food. A cidade foi vendida para os estrangeiros e perdeu o seu charme. Eu sou Porto, não os turistas que ocupam sistematicamente o meu prédio. Eles vão embora no dia seguinte, mas eu fico. Ou melhor, ficava, pois também eu já desisti de viver no centro. É humanamente impossível viver num prédio com airbnb. Com o assédio em vender, as ameaças até (como me aconteceu quando morei na rua do almada). Existe um secotr imboliário por detrás que suja as mãos . Que se regule o mercado ou se mude o nome para Portolândia. Turismo desregulado, AL desregulado, é a morte da cidade. Eu já não a ouço respirar mas folgo em ouvir alguns Proprietários Gordos a respirar para cima de alguns desgraçados.

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