É português, é um dos desportistas mais consagrados do desporto português da actual geração, já foi campeão do mundo de estrada (foi o único português a conseguir o feito), já venceu por 3 vezes a geral da prova que serve de antecâmara ao Tour de France, a Volta à Suiça, já venceu etapas no Tour entre outras vitórias em etapas em várias provas, e anda sempre a lutar pelas vitórias nas clássicas da primavera, em especial, na Flèche Wallone, na Liège-Bastone-Liège e na Amstel Gold Race. É chefe-de-fila absoluto das equipas por onde passa há 4 anos.
Ontem, Rui Costa voltou a vencer, desta feita na Volta à Abu Dhabi, prova categorizada como World Tour (a categoria máxima do ciclismo mundial) na média montanha, derrotando a nata dos trepadores da actualidade, ou seja, Contador, Aru, Quintana, Dumoulin, Zakarin, Samuel Sanchez, Bauke Mollema, entre outros, arrebatando a liderança da prova. O que é que o ciclista português terá que fazer para ser primeira página de um jornal português?
As linhas editoriais dos desportivos portugueses atingir o mais profundo estado de fossa jornalística. O caminho que estes tem vindo a trilhar nas últimas décadas já antecipava o profundo estado de miséria actual que hoje verificamos. Como em tudo no jornalismo moderno, os generalistas não escapam à regra, colocando o sensacionalismo antes do conteúdo da notícia, a plantação de intrigas e de mexericos, tão úteis para a sua comercialização em detrimento da verdade, da transparência e do rigor da notícia e os interesses futebolísticos acima de qualquer outro interesse de outra modalidades.
Nos últimos tempos tenho sentido menos curiosidade e uma maior repulsa para ler os jornais portugueses quer na suas edições físicas quer nas suas versões online. Aborrece-me ter que andar minutos à pesca de notícias ou crónicas relevantes assim como me aborrece andar a fazer scrolls na página do record à procura daquela notícia relevante que foi empurrada para o fundo de página para dar lugar no seu topo à gaja das mamas y que anda com o jogador x, ao jogador x que foi apanhado a fumar umas pampas ali pró lado de Jerez de La Frontera, sem descurar o clássico jogo de bastidores Sporting-Benfica-Porto, as polémicas da Liga de Clubes ou da Federação, o ataque cerrado às arbitragens ou as futilidades dos dias em forma de vídeo-notícia.
Outro jornalismo desportivo diferente é aquele que fazem por exemplo, o L´Equipe em França, a BBC, o Irish Examiner (apesar de ser generalista) e a Gazzetta dello Sport. Esses sim são órgãos de comunicação sociais sérios que promovem a notícia e a crónica (quase sempre feita por experts que são profundos conhecedores dos assuntos ou dos factos que visam narrar e descrever) sem terem que se vender ao sensacionalismo, escrevendo muitas vezes para nichos de mercado reduzidos mas fiéis à compra das suas publicações porque a informação e a opinião é boa, sem descurar portanto a sua própria sustentabilidade. Não são raras as vezes em que o L´Equipe abre a sua edição impressa com rugby e com ciclismo ou que a BBC dá um destaque principal no seu site a outros desportos que não o futebol.
Feita esta pequena crítica à imprensa nacional, vamos aos factos e à leitura da vitória do ciclista português na prova que se está a realizar nos Emirados Árabes Unidos e ao auspicioso início de temporada que o “poveiro” parece prometer na sua nova equipa, a UAE-Team Emirates.
Foi efectivamente uma vitória à Rui Costa. Com todos os ingredientes. O português é um ciclista que é conhecido no meio por ser um dos corredores que melhor lê uma corrida. O Rui é um ciclista extraordinário do ponto de vista estratégico e táctico, aliando todo esse potencial a uma explosiva potência de ataque, a uma capacidade de resistência muito interessante na média montanha (é pena que nunca se tenha transformado num puro trepador) e a uma ponta final que lhe permite bater praticamente toda a gente que gira pelas clássicas (inclusive Valverde e Van Avermaet) e pelas provas com etapas de média montanha.
Ler a corrida significa que sabe sempre quando é que deve atacar, quando é que deve resguardar-se de um ataque porque esse ataque não resultará em nada, quando e a quem deve responder em caso de ataque, com quem deve ir e como é que tem de se comportar dentro de um grupo de ataque. Prova disso na vitória de ontem foi a inteligência demonstrada quando preferiu não ir ao choque nas movimentações iniciais da Movistar no início da subida, o momento do ataque (na zona com maior percentagem de inclinação; o momento chave em que se não o fizesse, Quintana, Dumoulin ou Zakarin iriam fazê-lo) e a gestão dos apoios e do seu esforço para que o ataque fosse vitorioso, dando a iniciativa de puxar pelo ataque primeiro a Senni e depois a Zakarin. O Rui poupou-se bem para o sprint final e viu o trabalho dos seus adversários recompensados com os segundos que lhe permitiram ascender à liderança e vencer a geral da prova.
Não posso também descurar outras variáveis que permitiram a vitória ao ciclista português. Uma dessas variáveis foi a falha total na estratégia delineada pela Movistar para a corrida. Outra foi a marcação que Contador e Quintana fizeram ao longo da ascenção, marcação directa que é tão típica destes dois corredores e de outros como Froome e Aru neste tipo de provas. Se Quintana tem mexido com a corrida logo após o ataque de Rui Costa, mesmo não estando na forma ideal, o colombiano ia buscar a etapa.
Voltando ao ciclista português: Rui Costa está a realizar um auspicioso início de temporada. A mudança de equipa fez-lhe bem após 3 anos que não correram bem na Lampre-Mérida. Essa mudança deve-se sobretudo a uma diferença visível na abordagem às provas por parte do ciclista e por parte da sua equipa. Tenho visto que o português é a grande aposta para a temporada da equipa (este crescimento de forma nesta altura da temporada visa claramente a aposta nas clássicas da primavera) ao invés da estratégia de 3 líderes que a Lampre executou na temporada passada e tenho visto que existe na equipa emir um espírito colectivo reunido em prol do seu líder. O Rui tem sido mais protegido dentro do pelotão e tem sido colocado com maior eficácia por parte dos seus colegas de equipa nos pontos chave de abordagem aos vários momentos chave das corridas. Na Lampre, o Rui era quase sempre deixado sozinho na abordagem aos momentos de decisão da corrida, obrigando o português a ter que gastar energias extra na sua colocação na frente da corrida, energias que obviamente lhe faltavam nos momentos de decisão das etapas.
“É triste ver constipações de jogadores de futebol a serem capa de jornal”. Tiago Apolónia / Ténis de Mesa
Excelente análise. Subscrevo-a na integra.
Se fosse do clube de Carnide certa comunicação Social até publicava derrotas cumo se fosem vitórias . Força e parabéns pela excelente carreira .
Por acaso o ciclista em causa já representou o Benfica. Mesmo assim isso não lhe deu o direito a uma primeira página…
Falta ao atleta exibir sinais de riqueza, escolher as namoradas pelas revistas do social, conseguir patrocínios através de esquemas pouco claros, e histórias pimba de uma família de novos-ricos que saíram da pobreza mas cuja pobreza de espírito perdurará.
Muito muito bom!
Eu só substituía “escolher” por “pagar a mulheres pelas revistas do social, que finjam ser suas namoradas” (..)
Os sms do Centeno não dão espaço nem tempo para mais nada…
quase tudo bem, excepto o Rui Costa ter mudado de equipa, porque a única coisa que mudaram foi mesmo os patrocinadores…o resto é a mesma…
Efectivamente. Obrigado pela correcção. Aliás, os poucos reforços que eles até acrescentaram não são para apoio directo ao líder (líderes se considerarmos que o Meintjes e o Ulissi também possuem mais ou menos o meu estatuto ou pelo menos serão líderes em algumas provas) mas sim para os sprints ou para apoiar o principal sprinter da equipa.