O AVENTAR não é, nem nunca foi um blogue de esquerda, nem de direita. Mas algo mudou!

Autor: Rui Naldinho

Há dias, num post aqui colocado pelo fundador deste blogue, Ricardo Ferreira Pinto afirmava sem quaisquer preconceitos ideológicos, que o Aventar não era um blogue de esquerda, nem um blogue de direita.

Leio o AVENTAR há alguns anos. Numa primeira fase fazia-o de forma intermitente. Com excepção de uma intervenção escrita neste blogue, no ano de 2014, quando Nuno Crato resolveu alterar a legislação de acesso ao Ensino Superior das Escolas Artísticas, nunca escrevi texto algum, ou comentário que fosse. Isto se a memória não me falha. O meu vínculo profissional ao Estado impedia-me de participar neste tipo de fóruns, a não ser que o fizesse sob anonimato. Nunca fui grande apologista de utilizar nomes que não correspondam à minha própria identidade. Respeito quem o faça, mas eu acabei por desistir dessa ideia.

No entanto, há uma coisa que eu reparei no AVENTAR, com estes olhinhos que a terra há-de comer, nos anos que por aqui fui passando. Algo mudou!

A partir dos finais do ano de 2010, começando nas classes médias e descendo até aos mais pobres, fossem eles pequenos empresários, empregados, assalariados com mais baixos rendimentos, reformados, desempregados, inactivos ou indigentes, todos foram sujeitos a uma série de atropelos e ataques permanentes aos seus direitos, com a regressão dos mesmos ao nível de um passado, já longínquo, com cortes nos salários e pensões, com atropelos à justiça fiscal e tributária, à educação própria e dos filhos, aos cuidados de saúde. Enfim, nem a Constituição da República escapou à fúria do anterior governo. Tentou-se, ainda que em vão, destruir o Estado Social, assente num discurso moralista, redentor das virtudes do liberalismo e do Estado mínimo, apoiados por uma cáfila de “trovadores” sob a forma de escribas, doutrinadores e comentadores, que tentaram convencer-nos, de que apesar de termos pecado e abusado das gorduras, eles, os liberais, encarregar-se-iam de nos fazer regressar novamente a uma sociedade próspera e de abundância.

O AVENTAR como espaço de comentário e debate, quantas vezes até, como uma espécie de muro das lamentações, onde os leitores desabafam episódios rocambolescos e aterradores das suas vidas familiares na relação com as várias instituições, como a Sr.ª Isabel Faria o fez esta semana, não ficou imune a essa deriva neoliberal, antissocial, e, acima de tudo, à mentira dezenas de vezes repetida de quem nos governou:

There Is No Alternative“!

Na realidade, AVENTAR, tu não mudaste. O que mudou foi o País. E isso reflecte-se obrigatoriamente “nos passageiros que tu transportas dentro do teu casco”, como se fosses um barco, onde levas hoje muitos mais transeuntes sentados a bombordo do que a estibordo. Quem te vê ao longe no oceano blogosférico, ainda que não seja por vontade própria, nota um ligeiro adornar para um dos lados. Eu sei que tu não tens culpa. Só que o Portugal que tu conheceste vai para oito anos, está virado do avesso. Esse país radicalizou-se, AVENTAR. Hoje não há mais centro. Nem o centro esquerda, nem o centro direita, apesar de tudo, duas coisas híbridas que dão para tudo e para todos os gostos. Porque alguém se encarregou de o destruir por completo. E reconstruí-lo vai durar décadas, se isto tudo não acabar entretanto à chapada.

Ao ler-te hoje, AVENTAR, percepciono com alguma facilidade, que face à actual realidade política, social e económica, e à confrontação entre os vários agentes partidários representados na Assembleia da República, tu, como blogue, estás muito mais sintonizado com uma parte do País real, do que com a outra. De uma certa forma, marimbaste-te para a opinião publicada, a não ser para a denunciar e desmontares os seus Truques. Alguns caixas de comentários reflectem isso de tal forma, que algumas pessoas até perdem o decoro. Não vale a pena escamotear esse facto. Salta à vista de todos. E isto só foi possível por uma única e simples razão, AVENTAR:

Levámos, a maioria de nós, um arraial de porrada a sério. E nem sequer tiveram o cuidado de mitigar a dose. Como se percebe pelos textos de grande parte dos autores residentes, e as respostas da maioria das pessoas que aqui pululam, elas não gostam que se escamoteiem factos passados e presentes.

As pessoas estão revoltadas. Não só pelos sacrifícios a que foram submetidas, alguns de forma gratuita, apenas para domesticar o rebanho, mas também com a mentira e com a manipulação constante a que foram e são sujeitas ainda hoje. Venha ela dos políticos, ou da vergonhosa comunicação social que temos. E ainda têm a lata de se queixar das fracas tiragens e das audiências, como se não fossem eles próprios os culpados.

Não, AVENTAR, tu não mudaste. Lá isso é verdade. Nós é que mudámos, e estamos a fazer mais peso de um dos lados do que do outro. Muitos de nós, que até já fomos do Centro, talvez a maioria, abandonámos há muito esse lugar. E mudámos por instinto de sobrevivência, por precaução, para defesa do nosso património mínimo, não tivéssemos sido nós tão maltratados. E injuriados. Sabes, eu não sei se a mudança é definitiva. Mas que estamos vacinados para muitos e bons anos, disso tenho quase a certeza.

Estamos fartos dos discursos moralistas das elites. Enfadados por uma retórica assente numa ideia de bonomia, de quem esmifra milhões de euros aos portugueses, e não se inibe em levá-lo para offshores com a maior das naturalidades, sem que alguém lhes pergunte se aquilo está em conformidade com a Lei. Fartos de governantes que saem da política activa com o pin na lapela, e a seguir plantam-se nas empresas que tutelaram antes, ganhando “rios de dinheiro” à conta do monopólio das mesmas, pagas por nós, sem qualquer concorrência. Aí sim, nessa matéria, nós não temos alternativa. Pagamos e não bufamos. Desenganem-se os que pensam que algum empresário, proprietário de uma fábrica de sapatos, de camisas ou de pneus lhes dará emprego. Esse “tacho” virá sempre de uma daquelas entidades que foram favorecidas por eles, numa qualquer legislação feita à sua medida.

E digo-te mais AVENTAR! Se o meu País tiver de se sujeitar de novo a um Resgate Financeiro, espero bem que não, nas actuais circunstâncias políticas, eu votarei nos mesmos em que votei desta última vez, apesar de em tempos já ter votado nos outros. E sabes porquê?

“Prefiro ser chicoteado por alguém incumbido dessa tarefa, mas que olhe para mim com alguma dose de consternação e piedade, tentando dentro do possível atenuar a minha dor, distribuindo as vergastadas pelo corpo todo, do que um algoz que me chicoteie por prazer até à exaustão, em cima das feridas já abertas.”

AVENTAR, hoje, não sendo tu de direita, nem sendo de esquerda, pareces estar adornado a bombordo. E sabes por quê?

És um barco que transporta uma quantidade significativa de passageiros revoltados. Feridos no seu orgulho. Só isso!

Comments

  1. Paulo Marques says:

    Não foi só o Aventar ou Portugal que mudou, toda a ideologia e propaganda da direita caiu face à realidade, desde a credibilidade da banca, dos mercados, do comércio livre, da desregulação e por aí fora – só restaram os fanáticos alérgicos aos factos, os restantes já não se ouvem.
    O centro também levou porrada, e ainda bem – o centro é a desistência da luta, o compromisso da mediocridade. Não há centro na regulação do capital, é só uma desculpa para deixar enormes buracos abertos por onde nos roubam todos os dias.

  2. António Gomes says:

    Parabéns pelo texto. Revejo-me, como cidadão, espoliado na maior parte do seu conteudo. Hoje, como no passado, só preciso que se cumpra a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Tudo o resto são tretas!

  3. António Gomes says:

    Partilho.

  4. Paulo Só says:

    Acho que há um outro fenómeno a ser considerado: é que se os portugueses mudaram os jornais portugueses não mudaram. Continuam lá encastelados aqueles gajos que leram meia dúzia de livros americanos de gestão e que acham que só nos safamos se agradarmos aos “mercados financeiros”. Ora como bem se sabe os mercados financeiros hoje têm muito pouco a ver com a economia, aquilo é um casino. Quando a finança deve estar ao serviço da economia. Posso enganar-me mas acho que a eleição do Trump foi boa para a Europa. As pessoas estão a tomar consciência de que temos de voltar ao fundamental: vejam o sucesso do Schulz na Alemanha, e há uma chance para que a Le Pen não passe para o segundo turno na França. Vamos por esses gajos do dinheiro na ordem, chega de especulação com o dinheiro dos outros. Quanto à direita eu admito que ainda haja gente honesta como o Marcelo, e a Manuela Ferreira Leite, entre outros. O problema são os descendentes e amigos do Cavaco, os Passos, os Loureiros e os Relvas. E o Portas, que é um corrupto de primeira. O importante é conquistar para esquerda o povo que não vota. Sobretduo no Algarve e Alentejo. E o BE tenha muito cuidado com as questões das minorias, que afastam o povo da esquerda. Vamos com calma, antes de tudo limpar a casa até onde for possível, e provar aos portugueses que não podem deixar a política nas mãos das auto-proclamadas elites. E muito cuidado com as autarquias e a descentralização: quem vai vigiar isso?

    • nuno says:

      Onde interessava conquista para a esquerda o povo que não vota era no norte, não no alentejo, caraças. O norte, minhos, aveiros, trás-os-montes, beiras, é que tem cavaquistões.

      • Paulo Só says:

        Esses acho muito difícil. Só se os padres os mandarem votar. O Algarve parece-me fulcral, dada a sua população precarizada pelo tipo de trabalho disponibilizado pelo turismo.

  5. A. Cabral says:

    Parabéns pela excelente opinião, li e reli para poder afirmar sem dúvidas que subscrevo na integra tudo que afirmou, e digo eu a importância da verdade com que trata toda a situação politica de esses anos talvez fosse uma boa ideia o seu comentário não ficar só por aqui.

  6. tá bem tá says:

    excelente.

    só discordo numa coisa: o actual ps é de centro esquerda. não temos é centro direita.

  7. A maioria dos escribas do Aventar escreve o contrário do que eu penso; leio todas as semanas, por respeito por uma norma com que sempre trataram as minhas opiniões =não as apagam. Também porque estimo saber o que pensam os do contrário que eu penso. Alguns escribas, pelos visto com o agrado dos trolls mais assanhados, parecem uns abrantes, peixotos, camoes com galambices que até enoja, mas como agradam à audiência e não me apagam o que escrevo, faço o que acho mais importante :venho todas as semanas ler o Aventare tentar perceber o que pensam os que pensam diferente de mim.

    • Paulo Só says:

      Eu acho importante que todos se respeitem, e sobretudo não imitar os sites dos jornais, que se tornaram ilegíveis de tanta ordinarice. Também não pretendo ser dono da verdade. Quem não muda de opinião pelo menos em alguns pontos, não é inteligente. Além disso a minha revolta que pode ser tomada por de esquerda não é só isso. É algo mais fundo: é uma tristeza muito grande por ver o que somos, eu incluído. Diante dos descaminhos da nossa vida não há muita diferença entre esquerda e direita: andamos todos na mesma vida de plástico. Nesse sentido sou muito cristão: é mais difícil um rico ir para o céu do que passar pelo buraco de uma agulha. A agulha pode ser de esquerda ou direita.

  8. José Fontes says:

    Ó Cristóvão:
    Mas tu pensas ou pensas que pensas?
    Reproduzir certas narrativas independentemente da realidade não é pensar.
    Achar que os SMS do Centeno (uma mentira) são muito graves e achar que os 10 mil milhões que o teu querido (Abre)Núncio (outra mentira) pôs a voar para o Panamá não é mentira, isto é de quem pensa?
    Pensa lá bem nisto. ó Cristóvão.
    Ah, já me esquecia, tu não consegues pensar.
    Coitado.
    De facto, um cérebro é algo que faz falta a qualquer um.
    Tenho pena de ti.
    E logo tão pluralista, que até vens ler todos os comentários do Aventar.

Discover more from Aventar

Subscribe now to keep reading and get access to the full archive.

Continue reading