O cão passa os dias e as noites na loja do dono. Pela manhã, ainda antes da abertura da loja, costumo vê-lo deitado ao sol, muitas vezes ainda a dormir, patas comicamente viradas para cima, uma imagem que faz sorrir quem passa e fez dele o favorito da rua. Outras vezes, segue-nos com uns pequeninos olhos negros que parecem de urso de peluche.
Hoje, porém, estava sentado e olhava a parede de granito iluminada pelo sol. Era bela a parede, de sombras rugosas suavemente esbatidas, e belo o cão. Imóvel, de perfil para nós, os que passamos na rua, que desta vez não conseguimos chamar-lhe a atenção, e atento ao percurso do sol na parede até aqui sempre fria.
Ao vê-lo assim, quase meditativo, veio-me à memória uma imagem de Santa Teresa de Ávila vista recentemente. Também ela surgia de perfil, alheia ao nosso olhar, a atenção inteiramente dedicada ao que não conseguimos vislumbrar e o rosto iluminado por uma luz que vinha de um local impreciso. Ainda antes de censurar-me por heresia, considerai, pois, a hipótese de também este canito poder ver e escutar o que está fora do nosso alcance.
Ainda com a imagem deste quadro matinal, vim a pensar se será maior “o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente” ou o de um canito solitário, tão serenamente atento à luz.
Impossível saber.
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