Torremolinos, o lado negro da Força

Fabuloso, Nabais:

Tiago: Pá, se o governo se vê embebido dessa cena, quessafoda o colchão!

O drama, a tragédia e o horror. O geringonçismo a apoderar-se das mentes frágeis dos estudantes e a manipulá-las contra a propriedade privada. O colchão pela janela, a guerra civil, a Internacional a tocar ao fundo do corredor com cheiro a urina e o adolescente com vómito no canto da boca. Demais. O fim deve estar mesmo próximo. Pelo menos a julgar pela claustrofobia democrática anunciada pelos profetas do apocalipse. Obrigado, Nabais. Foi um belo momento e retratou na perfeição uma das mais anedóticas e alucinadas teorias da conspiração de que tenho memória.

In other news, shit that (apparently) really matter. Segundo Luciano Alvarez, jornalista do Público, Torremolinos, assim como outros destinos idênticos escolhidos para as viagens de finalistas, podem depender de quem ganha as eleições nas associações de estudantes dos liceus portugueses. As agências de viagens patrocinam coisas às listas concorrentes à AE, que podem ser um insuflável ou uma Barbie aspirante a dondoca de qual dos Big Brothers esteja a bater agora, e, e agora vem a parte engraçada, se aquela lista ganhar as eleições, a agência ganha a organização da viagem de finalistas. Free market rules!

Muito mais haveria para dizer, pelo que vale bem a pena ler as duas peças da autoria de Luciano Alvarez (aqui e aqui), no Público. As declarações do sócio-gerente de uma dessas agências, Nuno Dias, complementadas pelas palavras do autor, são surpreendentes e ilustram bem aquilo que se passa:

Admitindo que está prática possa “ser estranha”, o sócio gerente da Slide In diz ser difícil fugir a ela porque “são as próprias listas” que concorrem às AE que a exigem. “Eles querem é ganhar as eleições. Quem lhes garanta os artistas mais conhecidos ou as melhores actividades durante a campanha. E nós tivemos de nos adaptar a isto.

Eles querem é ganhar eleições.” E elas, as agências, tiveram que se “adaptar a isto” porque as poderosas listas candidatas a liderar as associações de estudantes assim o exigem. Teve que ser, não havia alternativa. Era isto ou a ruína financeira, coitadas.

Dizer que tudo isto é perverso talvez seja pouco. Que haja uma eleição livre numa escola, em que as listas envolvidas possam eventualmente estar comprometidas com interesses externos ao âmbito das suas funções e do universo escolar. Que a visão de um empresário do sector, que admite que a prática é “estranha”, seja a de um grupo de jovens que só estão interessados em ganhar eleições, numa lógica quase maquiavélica de não olhar a meios. Que os programas ou as ideias que os jovens têm para a escola sejam irrelevantes perante a sessão de autógrafos de um morango com açúcar ou a presença de um ex-concorrente de um programa que prostitui mediaticamente jovens poucos mais velhos que os adolescentes envolvidos na eleição. Que associações de pais, direcções escolares ou governantes nada façam (ou possam fazer) para travar este nojo.

Outro fenómeno interessante é a existência de dealers (que no meu tempo eram pequenos traficantes droga), que são jovens “contratados” – o motivo das aspas é não ter a certeza sobre a existência de qualquer vínculo contratual legal entre a agência e o jovem, potencialmente menor, apesar de não negar a sua existência – por agências de viagens para angariar inscrições/clientes, que podem ser recompensados de diferentes formas. Segundo a Megafinalista, outra agência do sector:

Queres ser o próximo dealer da tua escola? Envia os teus dados.

Um dealer é aquele que vai convencer e influenciar os amigos e conhecidos a participar numa das viagens que está a organizar

Imagina o que é ganhares viagens para ti, para os teus amigos… ou então podes trocar por €€€. Ganhas uma comissão por cada inscrição que fazes, portanto quantos mais inscreveres mais ganhas!

Isto é legal? Um menor, sem contrato, a angariar clientes para uma empresa privada, podendo ser pago em numerário, é uma prática no mínimo suspeita. Mas tudo isto acontece nas barbas das autoridades competentes, das associações de pais e da gestão de cada estabelecimento escolar ao ministério, que se limitam a assobiar para o lado como se nada soubessem. E conta com o apoio de entidades como a CGD, a Sumol-Compal, a NOS ou a Cidade FM. É o capitalismo a entrar escola adentro, estúpido!

É costume dizer-se que “de pequenino é que se torce o pepino”. Olhando para este caso, que revela existirem nas nossas escolas jovens que ganham eleições porque uma agência de viagens lhes garante a presença de figuras públicas, brindes e insufláveis no interior do recinto escolar, serviço posteriormente pago com a entrega da organização da viagem de finalistas à agência patrocinadora, sem que tal seja sequer sufragado pelos alunos, perante o silêncio cúmplice da comunidade educativa, rapidamente se percebe que o grave problema que a democracia hoje enfrenta não se resume às sedes partidárias e aos órgãos de soberania.

Infelizmente, e por muito assustador que tal possa parecer, o problema começa nas escolas. Temos uma classe política onde reina a corrupção, que paga favores de campanha com dinheiros públicos nas costas dos eleitores, temos jotas com doses industriais de arrebanhados, capazes de (quase) tudo para conseguir um emprego na câmara, um tacho numa empresa pública ou um lugar que lhe permita um dia “ser alguém” na estrutura, e agora temos um outro subnível, perfeito para o recrutamento de novos cordeirinhos para as juventudes partidárias, com empresas privadas a patrocinar uma eleição onde a presença de pseudo-figuras-públicas é o principal argumento de um programa/plano de acção do qual ninguém quer saber. Empresas privadas que acabam por obter ganhos substanciais, não por serem as melhores ou oferecerem o melhor serviço, mas porque literalmente compraram a associação de estudantes com brindes, viagens, tipas com excesso de cosmética e rebeldes de solário em pré-overdose por excesso de anabolizantes. A vida política portuguesa está totalmente minada, das escolas ao Parlamento, mas o problema são os 30 ou 40 pirralhos que armaram a bandalheira em Torremolinos.

Em jeito de conclusão, e tentando aqui descer ao nível paranóico e conspirativo do texto de Maria João Marques, estamos perante um esquema que é uma ilustração perfeita do capitalismo sem regras e do liberalismo selvagem que hoje comanda a economia mundial e domina a esmagadora maioria dos partidos ao centro e à direita. Se os estudantes que deixaram um rasto de destruição no hotel de Torremolinos aprenderam com a geringonça, os criadores destes esquemas opacos em que associações de estudantes se vendem a agências de viagens a troco de brindes aprenderam com os Hayeks e os Mises desta vida. E podíamos continuar aqui a brincar aos imbecis, não fosse o problema tão grave quanto é.

Foto via Público

Comments

  1. Ana A. says:

    “Live fast. Die young. Be wild and have fun!”
    Existe o Livre Arbítrio!
    Existe o Amor, no sentido lato, e o Ódio! A Guerra e a Paz! Cada um de nós tem o poder de contribuir com o seu pequeno-grande quinhão para a Paz ou para a Guerra. Para o Amor ou para o Ódio! Nada de novo, portanto, entre os Homens…
    (Sei que pareço um pregador, mas nada me espanta. Só me entristece!)

  2. Começando pelo principio do processo: Os promotores das listas para as eleições da Assoc. Estudantes de qualquer escola, vai a sede do PCP, PSD,PS.. buscar o programa e campanha organizada para as eleições (só um porco mental é que vê aqui qualquer capitalismo ou comunismo).
    Tudo o resto que se vai passar nas Associações de estudantes, piorando no E. Superior, move-se a volta de interesses economicos,seja das festa, seja da excursões, seja das cantinas.
    Os paizinhos que se orgulham de desconhecer muito do que se passa nas escolas dos filhinhos, até concordam que tenham criado altas vedações e portaria vigiada que só se passa com aviso prévio e nunca põem em causa, o porque não querem,não podem e nem lhes autorizam andar na escola a conferir em pessoa o que se passa lá (se calhar também não se dão ao trabalho de querer saber, ou entender quem “quer” e o porquê que seja assim).

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