Não será preciso recuar muito, talvez uns 10 anos, para constatarmos como se considerava impensável este cenário que hoje vivemos. Ditadores a usarem a democracia para chegarem ao poder, baluartes da liberdade a cederem ao populismo, o Joker, esse do Batman, com a mão sobre o botão vermelho das nukes, os vermelhos transformados em sacerdotes do capital – tudo transformações num mundo que parecia estar em equilíbrio.
E, no entanto, ei-las. Trump e Putin confraternizam, em maior ou menor grau, conforme a táctica do momento, de uma forma que os levaria à fogueira no tempo da caça aos vermelhos e aos ianques. O mundo já não está dividido por esse Tratado de Tordesilhas da modernidade que foi a NATO vs. Pacto de Varsóvia. O Oriente, com a China à frente, atingiu um patamar de poder que o torna uma presença entre pares. Curiosamente, foi a natureza do capitalismo, na sua busca pela maximização do lucro, que cindiu esse mundo bipolar, num acto que acabará, inexoravelmente, por o enfraquecer.
A par desta transformação, assistimos ao enfraquecimento dos estados face às multinacionais, transformadas em estados sem pátria, graças à política que se vergou perante o lucro. Olhando retrospectivamente, houve um tempo em que os estados controlavam as empresas, no sentido de as submeterem a um conjunto de práticas económicas e sociais conducentes à promoção de uma sociedade menos desigual. Claro que esses coletes de forças eram impedimentos à maximização do lucro e geradores de custos que acabavam pagos pelos consumidores. No entanto, veja-se a alternativa, que é a actualidade, em que as empresas têm uma liberdade sem precedentes, acabando os custos sociais, como o desemprego e a precariedade, pagos pelos estados, ou seja, pelos cidadãos. Ou paga o consumidor ou paga o cidadão – é uma questão de que chapéu quer o mesmo protagonista usar.
O mundo de hoje é um lugar mais perigoso do que nesse tempo em que as sementes do terrorismo financeiro ainda germinavam. A maximização do lucro tem criado exércitos prontos a serem mobilizados. Quantos dos excluídos das promessas não cumpridas pela propaganda da publicidade, esse ideal de felicidade realizável pela compra das quinquilharias da modernidade, não se transformam em soldados deste caos, armados como seu voto cheio de populismo. A ironia está em a democracia morrer pela democracia. De um lado estão os políticos da promessa fácil e que não alteram o status quo. Do outro, estão os políticos da promessa fácil e que prometem mudança graças à perseguição de um bode expiatório.
Há um caldo explosivo que alimenta a extrema-direita, capaz de empalidecer todo o cravo da liberdade. Existe um caminho para evitar a repetição da História, mas é preciso quem o queira percorrer, capaz de cortar as bases que fizeram germinar estas ervas daninhas. Em primeiro lugar, é preciso colocar a globalização sob controlo. Há que assumir as escolhas. A globalização traz produtos a preços baixos, mas causando custos altos na sociedade e nos indivíduos, graças à deslocalização do emprego e consequente desmoronamento do tecido social. É um fenómeno que atinge os indivíduos de forma díspar, havendo mesmo uma larga fatia da população que nem é afectada ou que, até, sai beneficiada. No entanto, a manutenção da fórmula, como temos assistido, tem conduzido à ascensão do totalitarismo ao poder, o que acabará por ter impacto também nesse grupo não afectado pela globalização. Uma questão de escolhas, portanto. Em segundo lugar, a circulação do capital precisa de ser fortemente controlada. Veja-se como este barril de pólvora onde temos vivido está a explodir desde 2008, quando os cidadãos de diversos países foram obrigados a pagar o buraco do sistema financeiro, criado pelo próprio sistema financeiro. Só em Portugal foram 13 mil milhões de euros, uma verdadeira fortuna, que saíram das nossas poupanças. E, por fim, não basta que as desigualdades diminuam dentro dos estados, sendo preciso que entre estados também diminuam. Caso contrário, os êxodos de uns países para outros não cessarão, contribuindo de forma activa para a base de recrutamento do radicalismo.
Por aqui me fico agora, já que prosa me saiu mais longa do que esperava e com as ideias a precisarem de desenvolvimento e cola. Foi o que me lembrei quanto aos cravos vermelhos nas lapelas.
…”um caldo explosivo que alimenta a extrema-direita, capaz de empalidecer todo o cravo da liberdade. ” !!
Saudações cordiais e felicitações por este seu texto excelente,
caro J. Manuel Cordeiro, com frases de força criativa de uma analise inteligente e sábia ! …dê-nos mais !
Obrigado pela simpatia, se bem que exagera 🙂
Uma ideia a desenvolver é, precisamente, a natureza do capitalismo como fonte de conflitos geo-políticos.
O que não pensávamos há 43 anos era que a esquerda americana pudesse entregar o poder de bandeja a um Trump, e a esquerda francesa parece não se importar de entregar o poder a M. Le Pen. A ver vamos.
Tempos atribulados.
A maximização do lucro…
A ‘boca’ que dá ares de consistência a toda a inanidade analítica!
A maximização do lucro é a essência do capitalismo. É um bocadito mais do que uma boca.
A maximização dos proveitos na utilização dos recursos disponíveis chama-se progresso tecnológico e civilizacional.
A essência do capitalismo é ir ao mercado oferecer o que crie/satisfaça necessidades…com vantagem para quem o faz.
“A maximização dos proveitos na utilização dos recursos disponíveis chama-se progresso tecnológico e civilizacional.”
Um grande LOL. Adiante.
“A essência do capitalismo é ir ao mercado oferecer o que crie/satisfaça necessidades…com vantagem para quem o faz.”
Obviamente que está errado.
https://en.wikipedia.org/wiki/Capitalism
Não tem de quê.
[Editado para adicionar a fonte das citações]
De facto não tenho de quê.
Falo do capitalismo no contexto em que ele se encontra; não vejo interesse em clarificar a situação do seculo XIX.
Parece-me no entanto oportuno denunciar a treta socialista que ora parece propôr uma espécie de cooperativismo obrigatório ora uma estatização necessariamente totalitária.
E para essa treta a ´maximização dos lucros’ é o mantra de acesso a esses delírios.
JgMenos, já conhecemos bem os seus postulados… Para muitos de nós, você, se não pertence a uma dessas elites concentradas nos grandes grupos económicos e financeiros, que neste início de século dominam o mundo e controlam os políticos (que exercem o poder, via ideologias como as que você caninamente segue), não passa apenas um cidadão traidor e vendido a interesses que porventura nem sequer serão os seus… desprezível…