O cerco

Ouve-se muita vez que os políticos são inimputáveis e estes defendem-se dizendo que são os eleitores que julgam as suas acções. Eu acho que é pouco. Em todas as profissões, excepto na política (sim, a política é uma profissão), a responsabilidade profissional é um facto, com consequências na carreira e, por vezes, na justiça também. Por exemplo, um engenheiro que projecte mal uma obra será responsabilizado; um professor que não seja correcto com um aluno terá um processo disciplinar; um advogado que represente mal o seu cliente estará a contas com a Ordem.

A propósito do SIRESP e das negociações feitas em 2006, António Costa, vê as acções de então serem agora duplamente escrutinadas, dado o seu papel de actual primeiro-ministro e a assinatura que deixou no contrato. Enquanto Ministro de Estado e da Administração Interna do XVII Governo Constitucional, Costa podia não ter assinado o contrato do SIRESP, até porque a anterior vergonha assinada pelo governo de gestão de Santana Lopes, 3 dias ter perdido as eleições, tinha sido legalmente anulada. Mas assinou. E, para ter base política para o fazer, conseguiu uma redução de 50 milhões no valor do contrato. Acontece que o consórcio do SIRESP não é um grupo de inocentinhos e baixou o preço graças a redução de funcionalidades. Costa sabia disso. Só podia saber, mas olhou para o lado. E agora está a pagar o preço político desse acto. E a responsabilização pessoal? Essa não existe. Coitados, são políticos.

Não há inocentes neste caso do SIRESP. Foi um contrato que passou pelos 3 partidos do bloco central, PS, CDS e PSD. Todos podiam ter feito alguma coisa e deixaram andar. Com dolo, até, pois já anteriormente tinha havido falhas graves no sistema (recordem-se as cheias de 2013 e o incêndio de 2016). Acresce que já havia relatórios técnicos a explicitar os problemas e a apontar formas de correcção (ver, por exemplo, a auditoria da KPMG entregue ao Governo em 2014 – artigos da SIC e do PÚBLICO). Onde está a responsabilidade pessoal dos responsáveis que não agiram? É preciso muita hipocrisia por parte de qualquer um destes partidos para virem agora apontar dedos.

Tecnicamente e juridicamente, o SIRESP é mau. Haveremos de abordar este tema no futuro.

Comments

  1. Rui Naldinho says:

    Subscrevo mais uma vez a análise do Jorge Cordeiro.
    “O PS é um especialista em tomar conta dos negócios ruinosos da direita, na expectativa de que dali também caia algum.”
    Uma espécie de : Ou há moralidade, ou comem todos!

    “O PS vive numa competição desigual com o PSD, apenas para mostrar que também tem bons contabilistas.”
    O que devia diferenciar o PS do PSD, era a boa despesa, mas não, o importante é viver cada dia a pensar qual o melhor negócio para os interlocutores e afins.

    “Em matéria de trafulhices, todos os partidos do Centrão comem da mesma gamela. Mas, com excepção de Sócrates, que nunca quis deixar os seus créditos por mãos alheias, daí o ódio visceral da direita, PSD e CDS abarbatam-se com o Filet Mignon, e os tolos do PS com o bife da rabadilha.”

    As poupanças que Costa diz ter feito no SIRESP, e que Passos Coelho diz ter feito nas PPP’s, enfim, a ladainha do costume, não passam de meras operações de desorçamentação das atividades contratualizadas de manutenção, conservação e segurança, uma vez que o grosso do negócio parece ser intocável. Isto acontece porque os bancos são os principais, se não mesmo os únicos financiadores desses negócios, e já estão tão falidos que tirar-lhes essas rendas seria um fim trágico.
    É por isso que as tragédias em Portugal nos últimos anos não tem rendido eleitoralmente muitos votos. Quando analisamos as causas profundas de tão fatídico evento constatamos que os três partidos estão todos com o rabo preso.
    É por isso que uma Gerigonça não basta. Essa máquina devia estar apetrechada com um torniquete, para apertar os ditos ao Costa, quando ele abrir demasiado as pernas.
    Talvez nessa altura, os SIRESP(es) deste país comecem a funcionar!

  2. cportuga says:

    Aliás, desde que estes três partidos tomaram posse governamental nunca se cansaram de apontar o dedo uns aos outros nesta e em muitas outras situações muitas delas muito graves. E assim andam os Portugueses a ser governados de quatro em quatro anos sempre com mais do mesmo. Daqui a uns meses estará tudo esquecido e como diz o povo vira o disco e toca o mesmo.

Trackbacks

  1. […] volta, mas, ao invés disso, continuaremos a torrar alegremente centenas de milhões de euros neste embuste parido pelo bloco central. Um embuste onde António Costa desempenha um dos papéis principais, como o Jorge aqui explicou, […]

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