É preciso coragem para acabar com a central de negócios em que se transformou o Parlamento

Quando em Agosto o caso veio a público, não tive dúvidas: governantes sérios não aceitam presentes de empresas privadas, mais ainda quando tutelam áreas com impacto nessas mesmas empresas, e os três secretários de Estado que viajaram com a Galp para o Euro2016 não tinham condições para continuar no cargo. Nem eles, nem os deputados do PSD que aceitaram presentes idênticos, ou não fossem eles legisladores, situação que se torna mais grave ainda quando estamos a falar do presidente e do vice-presidente (futuro presidente?) da bancada parlamentar do maior partido da oposição.

Com o caso a chegar a uma fase em que os três secretários de Estado serão muito provavelmente constituídos arguidos, Rocha Andrade, João Vasconcelos e Jorge Oliveira decidiram apresentar a sua demissão ao primeiro-ministro, que a aceitou. Uma decisão rara vinda de um governante, o que não invalida que resulte de pressões e que peque por tardia, e que infelizmente não foi acompanhada por outros responsáveis eleitos, que também tomam decisões que afectam a Galp e outras empresas, mas que preferem fazer de conta que não há nada mais normal que um político honesto e responsável receber bons presentes de empresas privadas.

Contudo, importa que este caso não se fique apenas pelas fogueiras onde ardem os três ex-secretários de Estado. Porque de presentes de empresas privadas está o hemiciclo cheio e o regabofe não começou no Euro2016. É preciso criar mecanismos eficazes e dissuasores, dotados de ferramentas que permitam punir quem recebe, mas também quem dá. É preciso estender esses mecanismos a todos os órgãos de soberania, às autarquias e às empresas públicas. E é preciso coragem, muita coragem, para acabar com a central de negócios em que se transformaram o Parlamento e as suas comissões, onde se multiplicam os casos de deputados legislam em causa própria. Para acabar com o clientelismo instalado no mapa autárquico português. Para acabar com a dança de cadeiras e favores. Para acabar com a impunidade e com a sua normalização. E, já agora, para obrigar os caloteiros a pagar o que devem.

Comments

  1. Rui Naldinho says:

    Eu tenho um enorme respeito por quem se recusa a abraçar a atictividade política, preferindo o recato. Seja o exercício de cargos governativos, autárquicos, legislativos, ou em cargos associativos. O direito a preservarem as suas actividades profissionais, empresariais, e até académicas, fora dos holofotes da comunicação social, e do voyerismo das redes sociais é de todo respeitável.
    Já não é aceitável querer assumir cargos políticos, em toda a linha, pensando que os podemos exercer como se estivéssemos na nossa atividade profissional ou privada, “não dando cavaco às tropas”, uma espécie de “quero, posso e mando”, fora do escrutínio da comunidade, seja o parlamento, o Tribunal Constitucional, o Presidente, a comunicação social, o cidadão. E esse tem sido o busílis da questão.
    Estes três Secretários de Estado foram competentes na função, parece-me, mas também foram ingénuos. Só tem que assumir as consequências dos seus atos.
    No caso dos três deputados, a gravidade não se pode colocar no mesmo patamar. Se no plano moral e ético é igualmente reprovável e indigno, o facto é que um deputado por si não faz uma Lei, uma Comissão. Necessita de pelo menos mais 115 pares para fazerem uma maioria (116). Já um Secretário de Estado faz um despacho que pode beneficiar uma entidade de direito privado. Por exemplo a GALP.
    O Partido Socialista tem de perder esta propensão para um certo nacional porreirismo. Uma espécie de fair play com os tubarões da economia. Acaba quase sempre chamuscado por uma merda de nada.

  2. Simples. Quem aceita mesmo uma ” esmola” para ir à bola, fica refém do esmolador. É assim na Natureza e assim na vida das pessoas.
    No caso, essas pessoas nos representam (sistema político) deviam denunciar o esmolador e negar serem submetidos ao poder da esmola.
    Receber esmola é dependência, é servidão.

  3. O problema não tem solução à vista. Só mesmo mudando de eleitores. Tarefa manifestamente impossível.

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