From Russia, with love #7 (Saint-Petersburg)

É outono em São Petersburgo e um gato apanha uma réstia de sol numa janela do Museu Russo

This slideshow requires JavaScript.

Em muitas cidades tenho encontrado gatos nos museus. Gatos vivos, quero dizer, embora também alguns pintados. Estava um gato no beiral de uma janela do Museu Russo, a apanhar restos de sol, que chegaram depois da chuva torrencial. O gato estava seco, no entanto. Bati no vidro para lhe chamar a atenção, mas ignorou-me absolutamente, como se não houvesse mais nada entre ele e os raiozinhos tímidos de sol. E talvez não haja.

 
Quando saí do hotel, deviam ser umas onze e meia, o dia estava cinzento, como se fosse outono de repente. O ar cheirava a chuva que deve ter caído durante a noite e as poças de água reflectiam os belos edifícios da cidade. Bebi café no café mais bonito que já vi (Civil). Um café forte servido por uma rapariga bonita e muito simpática. Ao meu lado dois americanos comiam o seu pequeno almoço, que tinha muito bom aspeto, sobretudo se comparado com o que comi no hotel. Talvez amanhã durma mais um bocado e venha ao Civil comer um pequeno almoço decente. Mas hoje bebo café e olho para a rua Konyushennaya, onde fica o hotel. A rua é muito central, mesmo ao pé da principal avenida da cidade – a Nevsky – a cinco minutos de muito daquilo que interessa ver em São Petersburgo. Tem inúmeros restaurantes, lojas de coisas e preços diversos. Vários bares, vários cafés e um clube de Jazz, aqui mesmo em frente – 48 Chairs Jazz Bar – onde hei-de ir uma noite destas, dado que tem sempre música ao vivo. A rua só não parece ter caixas multibanco, de maneira que vou pela Volynskiy até ao cais Moyka. Encontro uma caixa multibanco, felizmente, e continuo até à ponte mais próxima onde uma senhora me alicia para um passeio de barco no canal Moika (ou rio Moika?) e no Neva. Digo-lhe que mais tarde.
 
O meu plano, cumprido, era ir ao Museu Russo e lá vou eu pela Nevsky abaixo até à Mikahaylovskaya. Cruzo a Italianskaya, o parque onde se ergue uma estátua de Alexander Pushkin que parece ser o poleiro preferido de todos os pombos da cidade e atrás dela está o Museu Russo, o belíssimo Palácio Mikhailovsky*. Estou a admirá-lo quando começa a chover gotas pesadíssimas. Abrigo-me debaixo de uma árvore frondosa, com o chapéu de chuva aberto. O chapéu de chuva que tenho desde 2013, comprado num dia de chuva torrencial em Florença, a propósito do qual o António vaticinou não ir durar mais que umas horas. Dura há 4 anos bem contados, embora tenha as varetas tortas e visto já melhores dias.
 
Quando a chuva diminui avanço para o palácio amarelo. Entra-se pela cave e a exposição começa por cima. Confesso que me interessava mais a ala Benois, a que tem a coleção do século XX, mas já que ali estava segui obedientemente as instruções das guardas do museu. O palácio é realmente magnífico, com uns tectos absolutamente lindos, muito trabalhados e dourados, mas já se sabe que palácios, mesmo estes lindíssimos, não são bem aquilo que mais gosto. Em São Petersburgo não tenho outro remédio. Deve ser a cidade com mais palácios popr metro quadrado que vi na vida e até tem uma praça dos palácios!
 
Quando entro na ala Benois vejo o gato do outro lado da janela, no beiral. Ele ignora-me, como já disse, e eu sigo o meu caminho até à arte do século XX. Vejo muitos quadros de pintores que havia já visto em Moscovo, na Nova Galeria Tetryakov. Goncharova, Rodchenko e muitos outros pintores russos. Há poucas obras do ‘realismo soviético’. Gosto particulamente dos Girassóis da Goncharova e da Fila de Alexei Sundukov. Fico no museu umas 3 horas, incluíndo um breve almoço no café, que não é bonito. Em compensação, o Parque das Artes, embora à chuva, é belíssimo.
 
Quando saio do museu parou de chover e eu decido que talvez seja boa ideia andar de barco. Volto á ponte onde encontrei a senhora, de manhã. Entro no barco, só com guia em russo. Aliás, parece que em toda a cidade só uma companhia faz passeios de barco com guia em inglês. Podia tê-la procurado, mas que interessa? A guia é apaixonada pela sua cidade, isso nota-se bem independentemente da língua. Percebo muitas coisas, não porque saiba falar russo, mas porque há muitas palavras idênticas ao português e a outras línguas. A guia explica com fervor os museus, os palácios, os engenheiros e os arquitetos. Eleva-se em trinados ao falar do Neva. Não percebo o que diz, mas é fácil perceber o seu amor por São Petersburgo ou a ‘Veneza do Norte’.
 
Ontem, quando cheguei à cidade pensei que qualquer semelhança entre Veneza e São Petersburgo seria forçada. A última tem também canais e pontes, é verdade, mas exceto isso, nada que ver. Hoje, quando o barco avançou pelo pequeno rio Moika e entrou no Neva pela estreita passagem do cais do palácio, por momentos pensei estar em Veneza. Mas não. Estou em São Petersburgo e a vista desde o Neva, para a cidade e para as ilhas de Petrogrado e de Vasileostrovsky são impressionantes. O céu está escuro mas não chove uma gota em todo o passeio. É um céu belíssimo, este, que combina com o rio Neva, agitado em toda a sua largura. Quando saio do barco venho cheia de frio. Finalmente dou uso aos casacos que trouxe nesta viagem. Nem em Cracóvia, nem em Moscovo precisei deles. Aqui, evidentemente sim. É outono. Bebo um cacau quente num dos elegantes cafés à beira do Moika e avanço para a praça dos palácios, maravilhada. A praça está animada, cheia de jovens sentados no chão que escutam dois músicos. A coluna de Alexandre permanece imperturbável, apesar do rock. O Hermitage é uma obra prima, a que não poderei escapar. O Arco do ‘General Staff’ (como raio se traduz isto?) deixa-se fotografar com calma. Dou a volta á praça e continua sem chover. No regresso, atravesso o grande arco e sento-me num banco a ouvir um saxofone que toca ‘autumn leaves’. Muito bem, por sinal. Ao mesmo tempo duas raparigas fazem gigantes bolas de sabão que explodem no ar, depois de flutuar.
 
*O Museu Russo tem vários ramos. Mais informações aqui: http://en.rusmuseum.ru/about/

Comments

  1. Benjamin Campos Ferreira says:

    Que lindo Museu e lá fora tudo verdinho.
    Ao ler este rico Post, escrito por alguém respeitável, politicamente correto(a), logo me ocorreu a visita de Estado que o Sr 1º Ministro fez ontem ao coração de Portugal onde mostrou a reconstrução de casas e apresentou um programa de recuperação do território ardido. Aquilo também vai ficar lindo e verdinho, promessa de António Costa.
    E mais, Sua Exª ainda teve oportunidade de chamar a atenção dos portugueses, pois estava rodeado de orgãos de comunicação social, para que nunca se apague a memória do incêndio que ali aconteceu. Ponto final, parágrafo.

    O Sr 1º Ministro só não se apercebeu de um pequeno pormenor. É que Portugal continuava a arder à sua volta. Certamente uma falha da respeitável comunicação social que não informou devidamente Sua Excelência.

  2. Gosto de ver gatos à janela. E gosto destas crónicas. Mas as janelas não têm beirais.

Discover more from Aventar

Subscribe now to keep reading and get access to the full archive.

Continue reading