Um Eldorado negro chamado CETA

A isto se chama vender banha da cobra. Como Presidente da Confederação Empresarial de Portugal, não admira que António Saraiva anuncie o CETA como uma “Oportunidade de ouro para a economia – usando a cassete gravada pela UE para fazer uma ode ao Acordo de Comércio entre a UE e o Canadá.

Paleio para enganar tolos, já que até mesmo nos dois estudos de impacto de referência, produzidos ou encomendados pela UE, os efeitos do CETA em termos de PIB são mínimos: aumento de 0,77 % do PIB no Canadá e de 0,08 % na UE (segundo o Joint Study da Comissão Europeia e do governo do Canadá de 2008) ou de 0,02 – 0,03% na UE e 0,18 – 0,36% no Canadá (segundo o Trade Sustainability Impact Assessment (SIA) de 2011). Além destes efeitos residuais, ficou claro neste último estudo que o CETA leva a um agravamento das disparidades salariais.

Prometer um Eldorado às pequenas e médias empresas portuguesas sem base num estudo de impacto para Portugal e sem considerar que vão passar a concorrer com gigantes lá e cá, é música para animar as hostes. Os problemas começam com coisas tão simples como a concessão, pela UE, de isenção de direitos na importação de 75.000 toneladas de carne de suíno de origem canadiana.

Afirmar, como faz AS, que “a UE conseguiu ainda fazer prevalecer os seus valores e padrões de qualidade, assegurando a protecção dos interesses dos cidadãos europeus“ é outro conto do vigário. Do CETA foi deliberadamente excluído um princípio fundamental que realmente protege os interesses dos cidadãos e do ambiente: o princípio europeu da precaução, segundo o qual, caso uma acção ou política possa prejudicar o público ou o ambiente, e se ainda não houver consenso científico sobre a questão, a política ou ação em causa não pode ser prosseguida. O ónus da prova cabe a quem pretende praticar o acto ou acção que pode vir a causar o dano. No Canadá, aliás tal como nos EUA, vigora o chamado “princípio científico”, segundo o qual quaisquer produtos e substâncias podem ser colocados no mercado, só passando a ser sujeitos a regulamentação quando os seus efeitos nocivos ou danos ao meio ambiente ou à saúde tenham sido indubitavelmente comprovados por estudos científicos, cabendo o ónus da prova ao lesado.

Sendo sabido que nestes acordos é obrigatório encontrar o compromisso entre as duas partes e que os padrões canadianos são mais baixos do que os europeus em matéria de protecção laboral, social, alimentar, sanitária e ambiental, que devemos pensar do elogiado “reconhecimento mútuo de regulamentações”??? Tanto mais que o CETA prevê a criação de comissões regulatórias com a participação de actores empresariais, para futuramente emitir recomendações sobre regulamentações. Numa fórmula sub-reptícia, bem própria do CETA, reitera-se que a aceitação dessas regulamentações pelos países é “voluntária”; está-se mesmo a ver um país não alinhar, depois de ter dito sim ao CETA no seu todo e querendo exportar, não está? Assim se entrega a soberania de bandeja.

E por fim, nas palavras de AS, “Mas mais do que um acordo económico, o CETA carrega consigo uma importante mensagem política”. Esta sim, é uma verdade incontestável no meio de tudo o que se disser sobre o CETA: Enquanto as eventuais vantagens económicas do CETA são residuais, o que o CETA é, e daí resulta a sua enorme toxicidade, é o facto de ser o primeiro acordo entre duas partes nas quais vigora o estado de direito e a democracia que vai oferecer direitos especiais aos investidores; direitos ACIMA dos atribuídos aos cidadãos e às PMEs nacionais. No CETA, os Estados apenas têm obrigações; os investidores, só têm direitos. Direitos que vão ser exigidos perante uma via exclusiva, um tribunal especial no qual os investidores vão poder exigir somas milionárias quando as decisões dos estados puderem afectar as suas “legítimas expectativas de lucro”. E porquê? Até mesmo dentro de uma lógica económica, não há estudo nenhum que demonstre que a protecção aumenta o investimento. E que houvesse, onde anda a justiça deste mundo, se aos mais poderosos são dados ainda mais privilégios?

Estamos a ceder soberania porque é isso que convém aos tubarões económicos e porque os nossos representantes nos vendem como peixe miúdo. Ao menos, estrebuchemos.

Comments

  1. Paulo Marques says:
  2. Admiro a sua entrega a esta nossa causa comum, obrigada, Ana, pelo seu trabalho e colaboração de todos vós ! Seremos muitos,
    …não será em vão e ainda há muito caminho !

    • Ana Moreno says:

      Obrigada Isabel por todo o apoio! Que sejamos muitos no dia 18 frente à AR, para mostrar que é possível ouvir a voz da cidadania em Portugal!

  3. Ana Moreno, admiro pessoas com este vigor, admiro mesmo.

    • Ana Moreno says:

      Grata António, quantos mais formos, melhor. Passamos mais vigor uns aos outros 🙂

Trackbacks

  1. […] SE viu ou leu, terá sido uma excepção, e quiçá estará a confundir com algum dos numerosos posts que escrevi aqui no blogue, por exemplo este. […]

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