Onde é que estavas em 1983?

Onde é que estavas em 1983, é a questão que se pode colocar quando a conversa se inclinar para o lado apocalíptico.

No dia 26 de Setembro de 1983, Stanislav Petrov estava no lugar certo à hora certa. Tivesse sido outro e talvez não estivéssemos aqui. Nesse dia, um satélite espião soviético confundiu um reflexo solar em nuvens de elevada altitude com a assinatura térmica de seis mísseis a serem lançados a partir dos EUA. De acordo com o procedimento militar soviético, Petrov devia ter avisado a cadeia de comando, a qual, possivelmente, teria lançado todos os mísseis soviéticos como retaliação.

“Tinha todos os dados [a sugerirem que estava a decorrer um ataque com mísseis]. Se eu tivesse enviado o meu relatório à cadeia de comando, ninguém teria dito uma palavra contra ele “, disse Petrov numa entrevista à BBC, em 2013. “Apenas tinha que me dirigir ao telefone para ligar directamente aos comandantes de topo, mas não me conseguia mexer. Sentia-me como estando sentado numa frigideira quente”.

Apesar do alerta parecer bastante claro, Petrov teve dúvidas. No seu entender, não fazia sentido que os EUA apenas tivessem lançado seis mísseis, em vez de todos para tentar aniquilar o inimigo, tal como indicava a doutrina militar soviética. Um grupo de operadores de radar por satélite dissera-lhe que não tinham registado mísseis alguns. O próprio sistema de vigilância era recente e havia rumores sobre não ser fiável. No entanto, o contexto político era tenso devido à instalação dos mísseis americanos Pershing II na Europa Ocidental e por causa dos voos intrusivos no espaço aéreo soviético, como forma de testar a capacidade dos radares russos.  E, apenas semanas antes, os russos tinham abatido um avião das linhas aéreas sul coreanas, tendo morto todas as 269 pessoas a bordo, incluindo um senador norte-americano, entre diversos outros americanos. A retaliação não era, portanto, descabida.

Ligou para o oficial de serviço quartel geral do exército a reportar uma avaria no sistema. Se estivesse errado, as primeiras explosões dar-se-iam passados alguns minutos. “Vinte e três minutos depois constatei que nada tinha acontecido. Se tivesse havido um ataque real, eu já teria disso sabido. Foi um enorme alívio”, recordou então Petrov. Investigações posteriores confirmaram que o satélite em questão não tinha funcionado correctamente. Por altura dessa entrevista à BBC, passados 30 anos sobre o incidente, Petrov admitiu que nunca esteve absolutamente certo de estar perante um falso.

É curioso como se fizeram épicos sobre a crise dos mísseis de Cuba e este episódio, que esteve a uma chamada telefónica de distância para um apocalipse nuclear, não tenha uma obra de grande divulgação que conte a sua história. Petrov, o herói que não se reviu como tal, faleceu a 19 de Maio de 2017 sem ser notícia.

Já agora, outro incidente desse mesmo 1983: How a Nato war game took the world to brink of nuclear disaster.

Comments

  1. Ernesto Martins Vaz Ribeiro says:

    Fosse ele americano – como o piloto de avião que aterrou no rio Hudson – e todos conhecíamos a sua história, fazendo dele um herói nacional.
    Os portugueses e os europeus já digeriram a cultura vinda do outro lado e tudo o que se passe do lado oposto é mentira. Apenas são válidas as injecções atrás da orelha e o comer criancinhas vivas… Salazar, Franco, Hitler, Mussolini, … dixit e muita gente, ainda hoje procede como se fosse verdade.
    Quando penso nestes personagens de banda desenhada como são Trump e Kim e os comparo com personalidades como Stanislav Petrov, logo me dou conta que à frente de cargos de enorme responsabilidade por vezes colocam-se verdadeiros grunhos terroristas. E se um é imposto, o outro foi lá colocado democraticamente…
    Viva a democracia… mas a que funciona com gente culta e não com egocêntricos ignorantes.

    • Rui Naldinho says:

      Pois é Ernesto. Eu até concordo com tudo aquilo que escreveu. Mas até nisso alguma esquerda também tem culpa. Tanto a esquerda que se vende às delícias do capital e da globalização sem regras, o CETA é um bom exemplo disso, como a esquerda que por vezes não vê o essencial, e se põe a competir por mais uma grevezinha, ou mais um subsídio que depois de espremido pouco acrescenta às nossas vidas.
      Todos devemos lutar por melhores condições de vida. Mas antes devemos lutar por um país onde a Justiça não esteja refém da luta política, como está a nossa. Completamente partidarizada. Que a imprensa não seja uma correia de transmissão das agendas liberais que lhes pagam as contas, com prejuízos anuais.
      Eu só de imaginar que Isaltino Morais se prepara de novo para ganhar a Câmara de Oerias, o tal Concelho com mais licenciados deste país; já fico com dúvidas; pergunto-me que raio de gente é esta?

      • Ernesto Martins Vaz Ribeiro says:

        Meu caro Rui,
        Desta vez sou eu que assino por baixo, com todo o prazer, a sua redacção.
        A nossa esquerda está a sofrer uma metamorfose e o que aí vem é uma verdadeira incógnita. Dou comigo a pensar – já tenho a provecta idade de 68 anos – que o mundo evolui e eu também, se calhar, tenho que me adaptar às transformações.
        Leio Agostinho da Silva que divaga sobre o positivismo da falta de coerência e ouço de seguida a voz do além de Mário Soares que vai dizendo que “só os burros é que não mudam” …
        Tenho um conceito de esquerda que me permite não me rever em nenhum dos partidos actuais ditos desse quadrante e concluo que, independentemente da voz do além de Mário Sores que ouço chamar-me burro, vou pensando que não tenho gavetas para meter os meus conceitos de esquerda, nem “lata” para dizer hoje o contrário do que disse ontem.
        Leio Agostinho da Silva – um verdadeiro filósofo e uma das mentes mais esclarecidas de Portugal do século XX e lamento, mas não lhe dou razão no seu julgamento da coerência.
        Concluo que o meu amigo Rui Naldinho tem toda a razão no seu comentário. Provavelmente o Rui também não tem gavetas e tem só uma cara, como eu. E por isso, aponta e muito bem, o dedo à esquerda.
        Mas a verdade é que tudo anda travestido: o CDS e o PSD transformaram-se em verdadeiros ninhos de fascistas, o PS com muitos Assis vai jogando há 40 anos e trocando os seus princípios, os seus símbolos e até a cor da bandeira por uma volúvel coluna vertebral, enquanto o PC e BE que, desde que apoiaram o PS, já não se reconhecem.
        Serei eu que estou enganado? Será que a falta de coerência é que é moderno? Ou será que os conceitos e valores têm que ser reequacionados e quem sabe, redesenhá-los?
        Quanto a Isaltino, a responsabilidade vai inteirinha para o quadro legal que rege esta dita “democracia” que permite arremetidas fascistas e que condenados por crimes de corrupção possam tornar-se governo e governadores. Aqui, aponto o dedo a uma única pessoa que tem poder para mudar este estado de coisas, mas permanece calado irradiando charme televisivo : Marcelo Rebelo de Sousa.
        A Democracia está doente e permite eleger quem a matará. É um evidente suicídio e pessoalmente como não concordo com o suicídio quando se está mentalmente são, manifesto-me contra o actual estado da Democracia.

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