Para lá da operação marquês

José Sócrates poderá estar apostado em transformar a operação marquês num processo político, levando para o julgamento a sua acção governativa, acreditando que a dificuldade que existe em provar casos de corrupção em Tribunal, resultará a seu favor. Sabemos dos prazos da Justiça portuguesa, da complexidade deste processo, pelo que dificilmente existirá uma decisão em primeira instância antes de 2020. Nessa altura previsivelmente António Costa continuará Primeiro-Ministro e até poderá obter uma maioria absoluta. Obviamente que existe em Portugal separação de poderes, e tal facto é por si suficiente para descredibilizar hoje a tese do julgamento político, quanto mais colocados perante um cenário em que o seu antigo número dois chefia o governo há vários anos. Mas claro está que o pior cego sempre foi o que não quer ver e crédulos por aí não faltam…

Ricardo Salgado prescindiu do auxílio da troika para financiar o BES, que entretanto haveria que falir. A verdade é que até ao momento em que lhe retiraram o tapete no Banco de Portugal, tudo foi controlando, mesmo afundando a PT quando tal foi necessário. Sempre que foi necessário financiar o Estado, entenda-se os sucessivos governos, não apenas os governos de José Sócrates, o homem esteve presente, é natural que tenha recebido contrapartidas e exigido garantias ao longo dos tempos. Não existem almoços grátis, embora tal não signifique por si só que todos os negócios constituem ilícitos, muitos seguramente terão sido perfeitamente legais. Mas basta que alguns não o tenham sido, para ficarmos perante um problema, que nasceu da promiscuidade entre políticos e financeiros.
Bem sei que Portugal é um país pequeno, os cargos são poucos, todos se conhecem, mas o facto das pessoas transitarem dos governos para os Bancos, empresas públicas, ou privadas que negoceiam com o Estado, é um grande problema para o país. Um ministro tutela um negócio com uma empresa com quem estabelece uma PPP e no final do mandato os seus serviços são contratados pela empresa com quem negociou em nome do interesse público. Outro governante salta do ministério para a administração do Banco com quem negociou financiamentos e pelo qual serão pagos juros. Isto permitiu ao longo das últimas décadas o florescimento de fortunas injustificáveis, enquanto Portugal vai definhando de crise em crise, aumentando a dívida pública aos limites do insuportável.
Quando José Sócrates se tornou Primeiro-Ministro o Estado já era demasiado omnipotente e omnipresente em Portugal, e continuou após a sua queda. Culpabilizar agora José Sócrates por todas as desgraças do país, seria manifestamente um exagero. O mesmo poderemos dizer de Ricardo Salgado, que por mais influente que tenha sido, jamais foi o dono disto tudo, existiu e felizmente existe mundo financeiro para lá do BES. Mas enquanto o Estado for demasiado poderoso e consumir metade dos rendimentos do país, sob as suas diferentes formas e necessidades, o problema irá persistir, a tentação será demasiado grande para quem ocupar o poder…

Comments

  1. Mário Reis says:

    Tudo bem quanto às ideias iniciais da posta, mas quanto ao resto era bom era… Está por provar que os privados gerem melhor que o público, e quanto à loa de menos e melhor Estado, a gente sabe bem (demais até) no que isso dá: lucros privados e perdas “socializadas”, off-shores a abarrotar para uns poucos em contraposição com a destruição do planeta e a miséria para a humanidade como futuro.
    Transparência, cultura cívica de participação e integridade e mais democracia com um travão a fundo (sim, parar a ganância) aos desígnios do capital é o que temos de fazer se ainda se for a tempo. Aprender com a História, e analisar os ambientes e ideias em confronto que antecederam as últimas grandes guerras, também era muito bom, bom mesmo que tivesse algum efeito.

    • JgMenos says:

      A conversa do ” Está por provar que os privados gerem melhor” sempre visa ignorar o dado essencial:
      – onde o estado entra, tudo tende a permanecer seja ou não eficiente, pois a sustentabilidade é garantida com impostos.
      – no privado, a não eficiência traz a concorrência, salvo quanto às concessões do Estado.

      Ou seja, o Estado é factor potenciador da ineficiência pela sua natureza aliada a estúpida presunção.
      Quanto à presunção basta considerar o estúpido princípio que só há despedimentos no privado.

      • ZE LOPES says:

        Perfeitamente de acordo. Veja-se o caso da EDP: quando era do Estado era profundamente ineficiente. Depois foi privatizada e passou a ser de uma eficiência a toda a prova. E o que baixou a energia! A minha conta de eletricidade passou, seguramente, para metade! E não fossem os impostos que os esquerdalhos lhes impuseram e era ainda menos!
        E os CTT? Ora aí está o exemplo! Quando eram do Estado, havia um posto em cada aldeia! Passou para os privados que acabaram com aquilo tudo! Era um regabofe! Então um gajo vive numa aldeola, a respirar o ar puro que é de todos nós e a criar cabras que cagam as ruas todas e ainda quer mandar cartas e receber as reformas lá na aldeia? Vão a pé á cidade, que só lhes faz bem saber o que é a civilização!

  2. manuel.m says:

    Sabe-se que a memória é selectiva mas a de António Almeida abusa:
    No próprio dia em que Socrates embarcou para Lisboa vindo de Paris o seu advogado enviou um mail ao MP dando a conhecer a ida do seu cliente e a sua disponibilidade em pessoalmente prestar declarações no dia seguinte . O MP não nega a existencia desse mail, (nem podia…), mas alega que esteve “perdido” durante aquelas horas cruciais. Sabe-se o que aconteceu depois: Foi montado um espectáculo carnavalesco em que Socrates foi “preso” à saída do avião, com transmissão em directo pela televisões, entretanto avisadas, afim de se obter o maior impacto mediático possivel. E nesse preciso momento a investigação a Socrates perdeu a “virgindade”, ou seja o direito a pretender ser idonea e séria como se provou abundantemente até hoje.
    Portanto põe-se a questão: Quem verdadeiramente politizou a coisa ?

    • Rui Naldinho says:

      ” E nesse preciso momento a investigação a Socrates perdeu a “virgindade”, ou seja o direito a pretender ser idonea e séria como se provou abundantemente até hoje.
      Portanto põe-se a questão: Quem verdadeiramente politizou a coisa ?”

      Ou seja, o Ministério Público pré formatou um padrão de comportamento sobre José Sócrates, assente na ideia de que o ex primeiro ministro era um personagem belicoso, sociopata, furagido, com capacidade de atrapalhar a investigação que ainda mal começara, prendendo-o.
      Se isto por si só, não é, no plano jurídico, de duvidosa legalidade, é-o no plano político.
      É óbvio que este cenário, sim, tinha uma finalidade concertada no plano político partidário, com direito a orquestra e tudo: Observador, Correio da Manhã, “i”, Sol, Sábado, Diário Económico, e até o “insuspeito Expresso, tudo coordenado cirurgicamente por quem tutela o MP, para evitar uma derrota eleitoral da direita que se avizinhava em 2015.
      Mas como a força do poder do dinheiro, e do liberalismo da treta, que maioria da direita profetiza, é menor do que a sua inteligência, lixaram-se, acabando “Engeringonçados” , por uma solução que não previram.
      É por isso que eu nunca tendo sido socialista na vida, gostei que o meu amigo ” monhé”, lhes metesse o testículo na virilha.
      Sempre detestei falsos moralistas, em especial aqueles que batem com a mão no peito e vão à missa.

      • Rui Naldinho says:

        Foragido e não furagido como erradamente está escrito.
        Isto de comentar de telemóvel, é duro!

      • Cof Cof... Cof? says:

        “Observador, Correio da Manhã, “i”, Sol, Sábado, Diário Económico, e até o “insuspeito Expresso, tudo coordenado cirurgicamente por quem tutela o MP”

        Somando a este os restantes casos de fugas de informação (muito selectivas!) e instrumentalização do MP (ver vários casos recentes de uma aparente campanha para deitar na lama o nome de um clube de futebol e ainda o mais recente caso das celulósicas, nomeadamente a Celtejo que também pertence – surpresa! – à Cofina), parece-me preocupante a promiscuidade entre o grupo Cofina e o MP. Parece-me até merecedor de uma investigação do próprio (MP, não do grupo Cofina), mas… Ah, pois, é circular que não há nada para ver aqui!…

  3. JgMenos says:

    Ó virgens!
    Eu só de ouvir o gajo na televisão sempre o reconheci como um grande vigário.
    Imagine-se o que seja, assistir a 9 meses de escutas com a besta no seu natural!!!
    E não esqueçam aquelas que foram mandadas queimar por aqueles burocratas cobardes e que seguramente o MP lembrava.
    Estou certo que sempre o MP esteve seguro que a prova estava no rasto do dinheiro.

    Quem está à espera de recibos e contratos escritos na corrupção de políticos ou é estúpido ou se arma em parvo.

    • ZE LOPES says:

      Mais um post que revela a enorme perspicácia e rara intuição de V. Exa. para topar maroscas! No entanto, há uma série de questões que gostaria de, modestamente, colocar, no sentido do aprofundamento da profundidade do debate, no sentido de ir ao fundo do fundo do tema. Aqui vão, com a devida vénia:

      1- A que virgens, em concreto, V. Exa. se dirige? E como topou que são mesmo virgens? Fez alguma peritagem? Que técnicas usou V. Exa?

      2- Sócrates, afinal, era vigário de quem? Em que freguesia?

      3 – Quantos fósforos são necessários para queimar uma escuta?

      4 – O MP esteve mesmo sempre seguro? Em que companhia?

      5- Como se descobre o rasto de dinheiro? Larga tinta?

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