Bairrismos

A propósito de uns tweets de uma colunista do Observador que não vou “linkar” para lhe não dar mais audiência (e este mundo está fartinho de indivíduos com público a mais para o talento que possuem, a começar por “euzinho” apesar do portentoso Aventar não ser, propriamente, “The Huffington Post”) sobre um alegado machismo e racismo exacerbados das gentes do Porto, parece-me justo tentar explicar a perspectiva de um “gajo” do Porto (que pode ou não ser a predominante por aqui).

Há pouco tempo e no auge da situação na Catalunha, tive de me deslocar a Madrid onde deparei com um generalizado e ostensivo sentimento nacionalista que nunca, antes, tinha percebido nos madrilenos. Essa constatação fez-me perceber algo: se a Espanha se finasse num “boom” de movimentos independentistas, Madrid perdia toda a relevância que agora tem. Ou seja, a capital do Reino só é muito importante por isso mesmo: ser a capital do Reino. O seu valor natural e intrínseco é muito, mas mesmo muito inferior àquele que o facto de ser a capital lhe proporciona. E com Lisboa, não é difícil elaborar um juízo de valor equivalente.

Há na postura, atitude e comportamento dos habitantes de Lisboa algo de muito volátil, de muito artificial. Dúzias de exemplos podiam ser dados acerca do que atrás escrevi, mas há um muito interessante pela parolice e pelo logro que o configuram: mais por acaso do que por resolução pensada, costumo ver pela manhã a informação da SIC Notícias; como ao fim de semana, os serviços informativos são mais esporádicos e rápidos, levo com uns programas, normalmente, sobre imobiliário ou marcas comerciais; e são tão engraçados (mais irritantes que engraçados, mas é preciso não deixar isto descambar muito); os fazedores daqueles programas acham que conseguem alardear competência e saber técnico se utilizarem, muito, expressões em inglês. Ah, e como eles alardeiam sapiência. Aquilo quase parece um programa da BBC com umas “palavrazitas”, pelo meio, em português. E não posso deixar de pensar que aquilo tem de ser feito em Lisboa.

O Porto (e confesso já que me marimbo para qualquer imparcialidade) é diferente. Há solidez, estrutura, firmeza, etc., nas gentes do Porto. A cidade revela-se não pela artificialidade de ser a capital ou por outra qualquer armação externa, mas por si mesma e pelas suas gentes. Aqui é mais difícil iludirem-nos com os ditames ambíguos e volúveis do “politicamente correcto” (obviamente em média porque a atracção das dinâmicas de grupo não perdoa).

Sendo certo que, ainda, não existem as condições adequadas para discutir machismo e racismo porque a prepotência do “politicamente correcto” não o permite (apesar de inicialmente ter sido aceite para prevenir exclusões, transformou-se no mais excludente que se possa imaginar). Desde logo porque, ainda, não há uma perspectiva equitativa entre machismo e feminismo. Por agora, um significa progresso, inteligência, coragem e liberdade. O outro simboliza retrocesso, estupidez, cobardia e despotismo. Consequências da tão apregoada igualdade de género. Talvez uma dia, por exemplo, quando uma Mulher for acusada de pedofilia, estejamos preparados para começar, honestamente, a falar sobre isso.

Já com o racismo, “mutatis mutandis”, passa-se a mesma coisa. Chamar “preto” a um indivíduo de raça negra é, hoje em dia, quase um acto criminoso. Ouvir músicas que cantam “kill all the white man”, é… multiculturalismo.

Realmente no Porto, somos capazes de chamar preto a alguém de cor. Mas chamamos porque, efectivamente, o é. Chamamos porque sendo um ser humano igual a qualquer outro, tem uma característica que o distingue. E ao referir essa característica não o estamos a depreciar. Pelo contrário, ao aceitar, abertamente, essa diferença, estamos a incluir. Não, não nos refugiamos numa cobarde hipocrisia que pretende obliterar o que é evidente e que ao fazê-lo, só agrava a própria descriminação.

Para terminar, e apesar de gostar muito de Nova Iorque, continuo a achar que ser do Porto é bem melhor.

Comments

  1. JgMenos says:

    Lisboa, como toda a terra de emigrantes, tem muita gente carente de que algum sucesso lhe seja reconhecido.
    O mais fácil é que algum lhe advenha da fama da cidade, e nisso se empenham com pronuncias esquisitas e tiques e discursos que pretendem ver reconhecidos como os correctos.
    Bibó Porto!

    • Rui Naldinho says:

      Bom, se há uma coisa que se Lisboa não é, é ser uma terra de emigrantes. Quando muito será uma terra de imigrantes.
      Lisboa tende a receber população, que eu saiba!

      • JgMenos says:

        Muito bem pensado!
        Acontece que são emigrantes na terra deles. Um pormenor menor.

    • ZE LOPES says:

      Tá a ver o que é a pressa, ó Menos? Lá trocou V. Exa. um e por um i! Esto é que é uma mirda!

  2. Helder Pereira says:

    Concordo plenamente com o que diz relativo ao chamar preto, uma mulher ser pedófila, etc.

    Mas tenho um problema, sou de Lisboa, logo, o erro que aponta nessas situações, e muito bem, está a aplicá-lo assumindo que toda a gente em Lisboa é igual aos apresentadores de programas de fim-de-semana que “botam pescadas” em Inglês na TV… Lisboa, como decerto o Porto, Coimbra, Aveiro e Monsanto, Marvão ou Pampilhosa da Serra será sempre mais do que o que se consegue ver.

    Estive no Porto em Junho deste ano, após prolongada ausência, gostei imenso do que vi e fiquei verdadeiramente feliz que assim seja. Tenho um defeito?! Sou de Lisboa…

  3. José Feliciano Cunha de Sotto Mayor says:

    generalizações imbecis. os posts deste autor têm uma grande coerência no seu nível rasteiro.

  4. Fernando Manuel Rodrigues says:

    Caro Carlos Garcez Osório, como portuense mas não só, como objector de consciência do “pliticamente correcto”, mas não só, subscrevo NA ÍNTEGRA, o seu posto, que poderia assinar em baixo sem qualquer rebuço.

    Tal como você, repugna-me o artificialismo e pseudo-sapiência daqueles indivíduos que se expressam com muitos termos em inglês, a maior parte das vezes ignoarando que existem termos com EXACTA equivalência em português (mas não ficam tão “chiques”).

    Também me repugna a tendência para defender sempre determinadas posições, classificando de (pseudo) racismo, (pseudo) xenofobia ou (pseudo) machismo quem não está de acordo. Confesso que nos últimos anos tenho de alguma forma radicalizado as minhas posições nesses campos, muito por culpa da hipocrisia reinante que vejo nos média, muito influenciados por ideias importadas (sobretudo dos EUA) e fazendo tábua rasa do que seria a atitude mais sensata, de distância crítica relativamente a essas ideias, que são, na minnha opinião, extremistas e fomentadoras de ódios e divisões.

    Por isso, PARABÉNS pela sua magnífica publicação, que irei partilhar com muito gosto.

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